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.JOSÉ
EDUARDO FRANCO |
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UMA ODISSEIA LITERÁRIA
O MAIOR FEITO EDITORIAL DA HISTÓRIA DA EDIÇÃO
Entrevista a José Eduardo
Franco, Autor do Projeto e codiretor da Equipa “Vieira Global”
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Qual a sensação de ter
terminado com êxito este projeto hercúleo?
Nós somos o que fazemos. Como pregou Vieira no sermão das exéquias do seu
padrinho de batismo, o Conde de Unhão, “[...]
nem todos os anos, que se passam, se vivem: uma coisa é contar os anos,
outra vivê-los; uma coisa viver, outra durar. Também os cadáveres debaixo
da terra; também os ossos nas sepulturas acompanham os cursos dos tempos,
e ninguém dirá que vivem. As nossas ações são os nossos dias: por elas se
contam os anos, por elas se mede a vida: enquanto obramos racionalmente,
vivemos; o demais tempo duramos.”
Nestes anos de trabalho exigente, vivemos intensamente.
Hoje experimentamos a gozoso
sentimento do dever cumprido. Valeu a pena termos arriscado tudo para
realizarmos, num cronograma tão apertado, este projeto que muitos
vaticinaram ser impossível concluir em tão pouco tempo.
Foi de facto a primeira vez na história da edição em Portugal,
desde do século XV, que se preparou e editou uma obra desta dimensão e
complexidade em tão curto espaço de tempo. É um feito que se deveu a uma
grande equipa que aceitou trabalhar abnegadamente e concertadamente, dia e
noite, para o conseguir, fazendo jus a quem nos apoiou e acreditou que, no
nosso país, quando há vontades fortes as realizações grandes acontecem.
Assim,
foi possível colmatar uma grave lacuna da nossa cultura, disponibilizando
ao grande público toda a obra do maior orador português de todos os
tempos. Fez-se uma espécie de primavera cultural com esta edição que agora
também está a ser publicada integralmente no Brasil a partir da matriz
portuguesa, inclusive com a nossa matriz gráfica.
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O senhor coordenou um volume
com o teatro e a poesia de Vieira. Poderia dizer de maneira sintética como
era o seu teatro? Quais os temas que ele trata com mais frequência?
O teatro de Vieira foi composto para efeitos pedagógicos quando o Padre
Vieira desempenhou a funções de professor no Brasil. Era um teatro para
formar o carácter dos jovens estudantes e assimilarem melhor os valores
morais.
A poesia barroca de Vieira
trata de temas devocionais, celebra a amizade, canta as virtudes e as
grandezas de figuras do seu tempo que pretendia exaltar, mas também aponta
as misérias do tempo que
pretendia castigar.
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"A Chave dos Profetas" é
considerada a obra magna de Vieira. Qual é a sua visão particular sobre os
três livros que compõem a obra?
Esta foi a obra que se tornou objeto das suas maiores, mais longas e mais
ponderadas preocupações intelectuais. Dedicou-lhe longos anos e acabou por
deixar-nos como uma espécie de testamento, um testamento-utopia para o seu
povo, para o Brasil, para Portugal e para o mundo.
À luz de uma fé inabalável em Cristo e no seu Evangelho idealizou
um mundo novo, uma sociedade humana nova, uma terra nova habitada por
homens e mulheres capazes de viver em concórdia, em fraternidade e de
praticar a justiça em harmonia com Deus e com a natureza. Preocupado que
estava com as fraturas que se tinham aberto no seio da Cristandade
europeia com os movimentos da Reforma e da contrarreforma e das
subsequentes guerras religiosas dos 30 Anos, com o estender dos conflitos
europeus entre as potências coloniais à escala global, com o aumento da
intolerância no seio do catolicismo, nomeadamente com a consolidação do
poder da Inquisição e a perseguição aos Judeus, Vieira quis propor uma via
alternativa, quis revelar e afirmar que havia uma promessa de um mundo
novo inscrita na genuína herança espiritual do cristianismo e desejada
desde sempre por todas as culturas humanas. O padre Vieira traduziu essa
utopia na ideia de Quinto Império, uma utopia proto-ecuménica, onde teriam
lugar as culturas e ritos dos diferentes quadrantes da humanidade,
inclusive as dos seus queridos e muito perseguidos cristãos-novos de
origem judaica e os próprios judeus que ainda não se tinham convertido.
Raymond Cantel, estudioso francês de Vieira, classificou a utopia
consignada nos seus escritos proféticos, particularmente na
História do Futuro e n’
A Chave dos Profetas, uma das
mais generosas e mais globais utopias de sempre, pois abarcava toda
humanidade e fazia do planeta terra no seu todo o palco da sua realização.
Por isso, este estudioso francês afirmou que o projeto de Quinto Império
de Vieira foi precursor da ONU erguida no século XX.
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As cartas de Vieira foram
todas publicadas nos cinco volumes da Espitolografia ou foram encontradas
outras?
Publicámos mais de 100 cartas inéditas ou parcialmente inéditas. Algumas
estavam em latim por traduzir e editar. Todas foram levantadas,
transcritas, traduzidas e editadas nesta obra completa. Até mesmo as
cartas e outros textos apócrifos estão editados em anexo nos volumes
respetivos.
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O volume 3 do tomo IV reúne os
escritor de Vieira sobre os índios. A posição de Vieira sobre as tribos
indígenas do Brasil era bastante progressistas para a época. Qual é o
aspecto mais marcante da relação entre Vieira e os nativos, na sua
opinião?
Vieira um pensador precursor, avant
la lettre, na linha dos pensadores chamados da Escola de Salamanca ou
bem cognominada Escola Ibérica da Paz,
como Francisco Suarez e Domingo Sotto. Este grupo de pensadores
foram precursores de uma reflexão que favoreceu a assunção de uma
consciência moderna em favor
de um novo humanismo, à luz de um direito universal de fundo
jusnaturalista, para a globalização das relação entre os povos em curso.
Podemos mesmo designar esta reflexão uma espécie de proto-proclamação dos
direitos humanos sem que assim fossem designados.
Nesta linha, não só valorizou tanto a soberania simbolizada na coroa de
penas de um chefe de uma nação ameríndia em comparação com a soberania
tutelada por um monarca coroado de ouro, como defendeu a humanização do
trabalho Manuel, do operariado do seu tempo, que eram as comunidades de
escravos negros e índios que gemiam sob o chicote dos senhores.
No Voto do Padre António Vieira sobre as dúvidas dos moradores de São Paulo
acerca da administração dos Índios data de 1694, na sequência de um
forte debate sobre a liberdade e autonomia política das nações ameríndias,
em que interveio, é peremptório no seu parecer que destoava da opinião
dominante na sociedade colonial do tempo:
“O que não são, sem embargo de tudo isto, é que não são escravos, nem
ainda vassalos. Escravos não, porque não são tomados em guerra justa; e
vassalos também não, porque assim como o espanhol ou genovês cativo em
Argel é contudo vassalo do seu
rei e da sua república, assim o não deixa de ser o índio, posto que
forçado e cativo, como membro que é do corpo e cabeça política da sua
nação, importando igualmente para a soberania da liberdade tanto a coroa
de penas como a de ouro, e tanto o arco como o cetro.”
Por seu lado, ao ousar comparar o sacrifício dos escravos aos supremo
sacrifício de Cristo no calvário, exarou uma crítica forte às condições
sub-humanas a que estavam votadas as populações escravas.
Fez da escravatura uma alegoria atualizada do calvário. Ousa
comparar as chagas dos escravos às chagas de Cristo ou mesmo as chicotadas
dadas aos escravos às chicotadas dados pelos soldados romanos a Cristo.
Num dos seus célebres sermões antiesclavagistas feitos a uma Irmandade dos
Pretos, Vieira interroga esta tamanha experiência de desigualdade e
desfavor humanos: “Os Senhores poucos, os Escravos muitos; os Senhores
rompendo galas, os Escravos despidos, e nus; os Senhores banqueteando, os
Escravos perecendo à fome; os Senhores nadando em ouro, e prata, os
Escravos carregados de ferros; os Senhores tratando-os como brutos, os
Escravos adorando-os, e temendo-os, como Deuses; os Senhores em pé
apontando para o açoite, como Estátuas da soberba, e da tirania, os
Escravos prostrados com as mãos atadas atrás como Imagens vilíssimas da
servidão, e Espetáculos da extrema miséria. […] Estes homens não são
filhos do mesmo Adão, e da mesma Eva? Estas Almas não foram resgatadas com
o sangue do mesmo Cristo? Estes corpos não nascem, e morrem, como os
nossos? Não respiram com o mesmo ar? Não os cobre o mesmo Céu? Não os
aquenta o mesmo Sol? Que estrela é logo aquela, que os domina, tão triste,
tão inimiga, tão cruel?”
Na sequência, ousa comparar as correntes, as chagas, os açoites impostos
aos escravos àqueles que foram infligidos a Cristo no seu Calvário. Nesta
cristificação dos escravos, sacrificados como o Redentor do mundo, não
pode deixar de ser vista, no contexto mental do tempo apesar de Vieira não
chegar a defender o fim da escravatura negra mas apenas da ameríndia, como
uma corajosa defesa de humanização deste ambiente laboral que também
chegou a comparar a um autêntico inferno e a conferi-lhe sentido
espiritual.
Aos que garantiam o sustento material dos sectores superiores da sociedade
e eram o motor da economia social do tempo, Vieira exigia um tratamento
digno da parte dos que eram mais oprimidos pelo trabalho duro. Ao mesmo
tempo, procurava imprimir um sentido transcendente ao sacrifício das
massas anónimas de escravos que viviam sem liberdade e sem as comodidades
e respeito dos homens livres. As analogias e as metáforas, tendo por
referência Cristo ou os santos mártires são uma estratégia para fazer uma
leitura espiritual deste esforço humano aparentemente sem sentido e
contraditório com o ideal de sociedade cristã. Aqui podemos encontrar em
Vieira a proposta de uma espiritualidade laboral, ou melhor, uma
espiritualidade do serviço.
Embora não descurasse nem tivesse em conta a importância da prática da
escravidão para as economias coloniais das várias potência europeias em
concorrência, chegou avançar com a proposta de abolição da escravatura a
começar pela escravatura ameríndia, embora condescendendo, em nome do seu
realismo política, com a manutenção como um mal menor da escravatura dos
negros afrodescendentes.
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E no volume II do IV tomo da
Obra Completa editaram-se os escritos sobre os Judeus e a Inquisição com
inéditos também.
Vieira defendeu maior equidade social, exigindo, entre outras reformas, o
fim da descriminação entre cristãos-velhos e cristãos novos, que estatuía
uma desigualdade de tratamento no acesso a cargos, a regalias e a
outros direitos sociais. Assim escreve Vieira em Proposta que fez
ao Rei Dom João IV a favor da gente de Nação: “que não haja divisão nem
distinção entre cristãos-velhos e cristãos-novos, nem quando ao nome, nem
quanto aos ofícios e isenções, por ser esta divisão causa de grandes
danos, assim públicos, como
particulares (...).”
Em linguagem do nosso dias, Vieira combateu a existência de cidadãos de
primeira e cidadãos de segunda categoria com tratamento diferenciado e
discriminação negativa de uns em relação aos outros.
Usando do seu magistério crítico destemido fez do Tribunal do Santo Ofício
o seu principal inimigo. Fez um análise muito severa dos estilos de atuar
da Inquisição e propõe um reforma das práticas judiciais deste tribunal,
em particular a proteção dados aos denunciantes pela capa do anonimato e o
confisco prévio dos bens dos acusados antes de qualquer
julgamento.
Sob pena de ser acusado de amigos de judeus e judaizante numa sociedade
marcada por uma mentalidade antijudaica dominante, Vieira lamentou a
expulsão dos Judeus de Portugal, dispensando perdulariamente uma das
elites mais empreendedoras do ponto de vista económico em benefício de
países que os acolheram e dos quais beneficiavam para se tornarem ricos e
novos potência ameaçadoras como era o caso da Holanda. Não teve dúvidas,
por isso, em advogar o seu regresso às terras lusitanas para que Portugal
pudesse voltar a contar com esta comunidade geradora de riqueza para
tornar o país mais forte num tempo de verdadeira emergente em que se
encontrava que era o tempo da restauração da afirmação da independência
face a Espanha. As proposta de Vieira bem aceites pelo Rei D. João IV
acabaram por ser torpedeados pela Inquisição. Só um século depois o
Marquês de Pombal com força a do poder absoluto de que dispunha pôs fim a
este desigualdade no século das Luzes. Neste e noutros aspectos Vieira,
por mais estranho que parece, foi percursor do Marquês de Pombal!
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Como foi desta vez possível
cumprir o que muitos tentaram várias vezes durante quase 200 anos sem
sucesso?
Com o meu colega Professor Pedro Calafeta que codirigiu este projeto
comigo, aprendi muito com o conhecimento da história desses projetos
anteriores coordenados por estudiosos de grande mérito.
Projetos desta dimensão exigem um financiamento significativo e a reunião
de equipas de investigadores qualificados em várias áreas e de vários
países, assim como exigem um entendimento de base quanto a metodologias a
respeitar e prazos a cumprir.
A dimensão do legado pluriforme dos escritos de Vieira e a sua dispersão
em diferentes arquivos e bibliotecas de Portugal e do estrangeiro abrigava
a recrutar, de facto, uma grande e qualificada equipa de carácter
interdisciplinar para realizar
o seu levantamento sistemático e exaustivo em ordem ao seu subsequente
tratamento pré-editorial e editorial.
Em vez de apostarmos numa pequena equipa, como aconteceu com os projetos
anteriores, decidimos reunir uma grande equipa de mais de meia centenas de
investigadores e especialistas em estudos vieirinos e áreas afins,
fundamentalmente de universidades portuguesas e brasileiras, que aceitaram
o desafio de trabalhar em conjunto, de forma concertada, dos dois lados do
atlântico para levar a bom termo este projeto. Além do concerto de
vontades e de métodos conseguido em intensivas reuniões de trabalho, foi
necessário garantir um financiamento suficiente. Primeiro conseguimos
pequenos apoios de alguns instituições beneméritas, mas que estavam a ser
manifestamente insuficientes na fase de arranque do projeto, correndo o
risco de fazer perigar o andamento da obra. Até que a Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa, na pessoa do seu Provedor Dr. Pedro Santana Lopes,
decidiu, com uma extraordinária visão e sensibilidade, tornar-se mecenas
principal e dar o apoio decisivo
e substancial para que este projeto fosse bem sucedido. Assim
aconteceu. As pessoas que já estavam a trabalhar no projeto estiveram à
altura de corresponder à confiança depositada através de um financiamento
suficiente para que o projeto não deixasse de se concretizar-se por falta
de recursos financeiros, como tinha acontecido nos noutros casos.
Por seu lado, também foi academicamente importante o apoio institucional
da Universidade de Lisboa na pessoa do seu Reitor, António Sampaio da
Nóvoa, e continuado pelo atual, António Cruz Serra, que colocaram este
projeto sob a égide desta universidade onde decorria o projeto num dos
seus maiores centros de investigação em humanidades: O Centro de
Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias. Não menos relevante foi a
disponibilidade revelada pelo Círculo de Leitores para apostar num projeto
editorial desta grandeza e complexidade em tempo de grave crise no mundo
editorial português, arriscando editar 30 volumes de um clássico do século
XVII sem a certeza do sucesso do bom acolhimento dos leitores, que depois
veio na verdade a verificar-se.
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Quais as maiores dificuldades
que enfrentaram e que estratégias usaram para que o projeto fosse bem
sucedido e os prazos rigorosamente cumpridos?
De algum modo, na condução do projeto preparatório da edição da obra
completa experimentámos o melhor e o pior daquilo que Vieira diagnosticava
em Portugal. Este projeto de Vieira tem sido para nós de algum modo uma
metáfora de Portugal.
Vieira foi um empreendedor que tinha ideias claras e propostas concretas
para operar reformas sociais e, acima de tudo, na mentalidade portuguesa,
na sua dimensão mais atávica e imobilista que afetava negativamente as
lideranças institucionais e políticas do nosso país marcado por práticas e
protocolos “feudais”. Lamentava-se de que sempre que alguém em Portugal
tentava fazer obra grande vinham logo as vozes da derrota maquinar para
abatê-la. Assim como a última palavra dos
Lusíadas é a “inveja” também
Vieira nos seus diferentes
sermões, nomeadamente nos que dedica a Santo António, faz diagnósticos
pertinentes e argutos, que ainda são atuais em muito aspectos. Acusava os
protocolos feudais que aprisionam as nossas instituições, contrapondo que
a verdadeira fidalguia está na ação; criticava a desvalorização que é
feita em Portugal dos seus talentos e dos seus valores, sendo mais fácil
quem nasce nesta terra encontrar reconhecimento e valorização no
estrangeiro; acusava a mesquinhez e a maledicência sistemática que
dificulta e desestimula quem empreende e
faz o que deve ser feito. Vieira sofreu tudo isto na pele e, conhecendo
outros países por onde viajou, condoía-se com o seu país que apelidava de
“seminário de luz”, de canteiro de talentos, mas que era uma pátria boa
para nascer, mas menos boa para permanecer. “Para nascer, Portugal, para
morrer, o mundo”.
Por isso, enfrentámos na realização desta obra alguns “trabalhos de
Hércules” e de outros figuras mitológicas para que fosse bem sucedida,
como acontece muitas vezes quando nos abalançamos a fazer alguma coisa de
relevante em Portugal. Tivemos que enfrentar a Hidra da maledicência, o
Minotauro das precedências e antecedências académicas,
a inércia dos bois de Gerião, o Leão do (in)cumprimentos dos
prazos, o cão dos que não tendo feito obra nem querendo que seja feita,
tentaram que ela se não fizesse. Acresce a isto o desafio maior que se
enfrenta em Portugal quando os projetos dão certo: fazer o trabalho de
Perseu, ou seja, cortar a cabeça da Medusa da inveja que tenta petrificar
os que acreditam que vale a pena lutar pela cultura do nosso país.
Fundamental foi animar sempre os membros da equipa para manter a
constância e fazer acreditar que os objetivos e as etapas iriam ser
cumpridas em grande sintonia nos dois lados do
atlântico onde trabalhava a equipa luso-brasileira em ligação
permanente.
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A
coordenação da equipa implicou muitas negociação e acompanhamento?
Houve aquilo que eu chamo uma epopeia de diálogos! Foi preciso ouvir
muitas sugestões e depois negociar as tarefas e funções que caberia a cada
membro da equipa no quadro dos diferentes volumes e respetivas áreas de
saber. Não foi fácil, pois havia diferentes formas de ver o modo de levar
a efeito este trabalho, assim como havia áreas e volumes da obra de Vieira
preferidos por vários membros da equipa em simultâneo e outros menos
apetecíveis que poucos queriam trabalhar. Com paciência, resiliência e bom
senso tudo se conduziu a bom porto.
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Houve setores e investigadores
mais decisivos?
A grande dificuldade que obrigou a um trabalho demorado de negociação para
que se conseguisse um consenso fundamental foi a definição dos critérios
de fixação dos textos e a sua moderada atualização a contento dos membros
portugueses e brasileiros da equipa. Aqui o papel da nossa competentíssima
supervisora linguística, Aida Sampaio Lemos,
foi decisivo. Exigente
e demorado foi o trabalho levado a cabo pelo nosso grupo de paleógrafas e
paleógrafos no processo de transcrição dos manuscritos e a aferição da
letra e letras de Vieira e dos textos apógrafos, supervisionado a par e
passo por dois muito competentes colegas Joana Balsa de Pinho e Ricardo
Ventura. Outra tarefa que exigiu muito rigor e competência especial passou
pelo trabalho de tradução dos textos do latim para o português pelo grupo
de latinista coordenado por José Carlos Lopes de Miranda, exímio tradutor
e conhecedor do background
cultural que este trabalho exige.
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Havia muita documentação
dispersa por vários países?
Muitíssima! Os textos dos Vieira encontram-se em vários arquivos e
bibliotecas públicas e privados de Portugal, mas também do Brasil, dos
Estados Unidos da América, do México, da Espanha, da França, da Itália, de
Inglaterra, etc. Foi preciso percorrer uma diversidade de fundos
documentais para ficarmos com a certeza de que tínhamos vasculhado tudo e
que a obra que agora publicamos é a mais completa que até hoje foi
publicada de Vieira.
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Encontraram alguma dificuldade
na consulta dos arquivos?
Não tivemos qualquer entrave à consulta dos arquivos onde quisemos
pesquisar e transcrever os testemunhos mais antigos da obra de Vieira.
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Esta é mesmo a obra completa de
Vieira, finalmente?
Estamos convictos de que fizemos tudo
o que estava ao nossa alcance para reunir e publicar a Obra
Completa de Vieira. Esta é certamente a mais completa de acordo com o
estado atual da investigação. Todavia, a pesquisa deve continuar, como é
apanágio da investigação científica nesta como noutras áreas, aliás, como
escrevemos na nota final que encerra o volume 30 da obra completa:
“Terminamos aqui a edição dos resultados deste imenso trabalho feito, mas
não termina com esta publicação o nosso intento de pesquisa continuada dos
escritos de Vieira. Durante a realização das próximas fases do projeto
“Vieira Global” com a elaboração do
Dicionário do Padre António Vieira e das traduções da sua Obra Seleta
noutras línguas, será nossa obrigação continuarmos a investigação. Esta
obra deixará de ser completa quando encontrarmos novos escritos de Vieira.
Se tal acontecer, à luz do nosso ideário de trabalho de investigação
progressivo e de atualização permanente, fica o nosso compromisso de
preparar novas publicações em adenda a esta obra ou incorporando textos
desconhecidos nos volumes depois de feitos acertos adaptativos do nosso
plano de obra completa”.
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Não temeram, no andamento do
projeto, que outros o fizessem primeiro que vós?
Não tememos porque já tinha havido tentativas nesse sentido, mas sem o
resultado pretendido por falta de recurso suficientes e de um plano
concertado e eficaz.
Com efeito, o projeto de publicação da obra de Vieira já tinha sido
ensaiado em vários países além do nosso, a saber, na Alemanha, no Brasil e
em Itália. Todavia, não tiveram sequência. Apenas se publicaram alguns
textos ou então os projetos ficaram pelo anúncio das suas boas intenções.
De qualquer modo, o facto de ter havido um número significativo de
projetos de edição de Vieira em vários países revela a importância deste
autor e a consciência da necessidade de se fazer este trabalho de casa
essencial que era publicar de forma sistemática e total os seus escritos
de modo a tornar acessível ao grande público a grandeza
de uma obra que se sabia que era grande em profundidade e em
volumetria.
Mas, em nosso entender, bom seria que aparecessem mais equipas e projetos
para editar Vieira em diferentes formatos e à luz de outros critérios,
como já se fez com grandes nomes da literatura europeia. A concorrência
aqui como noutros campos é saudável. Na cultura como na política o que é
mau e ostracizante é o “orgulhosamente sós”. Portanto, o nosso desejo é
que outros possam fazer mais e melhor.
Nós apenas fizemos o que devia ser feito e que, gravemente, ainda
não o tinha sido: o trabalho de casa de editar pela primeira vez a obra
total de Vieira. Quem nos dera que outros continuem...
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É verdade que tiveram de
traduzir milhares de páginas de Vieira escritas em Latim?
Obra inteiras como a A Chave dos
Profetas, diversas cartas, poesias, pequenos tratados, além de
citações e outros dizeres em latim que povoam toda a obra de Vieira
obrigaram a um trabalho de transcrição e tradução intensivo que, na
contagem global, ultrapassam as 3 mil páginas. É uma das mais-valias
desta obra, que além de ser completa, apresenta todos os textos de Vieira
escritos noutras línguas (latim, espanhol e italiano) vertidos em
português. É também uma extraordinárias mais-valia o imenso trabalho feito
de anotação crítica que se expressa nos muitos milhares de notas
explicativas de termos, conceitos e acontecimentos que hoje são
desconhecidos do leitor não especializado. Assim, esta obra completa agora
cabalmente editada, sem perder o rigor e a fidelidades às fontes
primeiras, torna os escritos de Vieira acessíveis e compreensíveis para o
grande público.
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Em que aspetos Vieira ainda é
atual?
Em muitos aspetos! Os textos de Vieira ainda revelam uma grande
atualidade, por exemplo, no plano da sua reflexão sobre a coerência entre
Fé e Vida, sobre os Direitos
Humanos, a paz, o
ecumenismo, a crítica à
corrupção, o diagnóstico
que faz aos problemas estruturais perenes de Portugal, as soluções
que apresenta para tornar o nosso país
mais empreendedor, assim como a
sua crítica às instituições de bloqueio do nosso progresso como o
caso da Inquisição, além da
análise certeira que realizou à mentalidade
atávica portuguesa, como a inveja, a maledicência sistemática e a falta de
incentivo político e social aos portugueses com talento e mérito, que
muitas vezes têm de sair da sua pátria para encontrar reconhecimento e
espaço para pôr a render as suas competências.
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Uma obra há muito esperada - A Obra Completa do PADRE ANTÓNIO VIEIRA
oferecida ao Papa Francisco |
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JOSÉ EDUARDO FRANCO é ensaísta e historiador.
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