No século XIX a humanidade estava a dar um passo de gigante na sua história multisecular. Mas, como nos ensina a experiência histórica, os grandes avanços da humanidade são acompanhados de controvérsias, de perplexidade, de convulsões sociais e de ansiedade no espírito colectivo das comunidades humanas. Porque o progresso, sinal inequívoco da capacidade inteligente do ser humano criar e transformar, dá origem às descontinuidades, abre facturas, põe em causa as tradições que são a expressão mais perene das mentalidades e das culturas. Pondo em causa as tradições, agrava-se os conflitos de gerações, dos grupos sociais divergentes e a homogeneidade do tecido social é ameaçada. Há que rever o modo de estar, de pensar e até de acreditar. As questões existenciais de fundo recolocam-se de forma mais aguda. Impõe-se a necessidade de rever o sentido da vida pessoal e social. Assim sendo, ao tocar-se em elementos estruturantes da vida humana em sociedade, não é possível que tal aconteça de forma serena e pacífica. O conflito emerge de um modo despótico, atingindo os mais recônditos e seguros estratos sociais até que uma aurora de serenidade dê à existência o saber ver a realidade de uma forma mais concordante.
O século do Oitocentos é uma amostra emblemática disto mesmo: um mar de tempestade noctívaga à espera de uma aurora de bonança e de serenidade - para usar uma imagem bem ao gosto do autor em quem vamos centrar o nosso estudo. Um século de avanços, de polémicas, de guerras ideológicas, onde os indivíduos e os grupos eram conotados, muitas vezes, pelo maior ou menor entusiasmo com que aderiam às novidades que fervilhavam na ciência e no pensamento humano. As velhas instituições sociais tiveram imensa dificuldade em relacionar-se com esta situação, pois sentiam-se ameaçadas e disto adveio um conflito sem precedentes. Árduo e estreito viria a ser o caminho do diálogo. Só alguns o ousaram calcorrear. E destes fica o mérito e a descoberta do caminho percorrido ao lado de alguns frutos de compreensão recíproca. |