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.JOSÉ EDUARDO FRANCO
O CRISTIANISMO E O PROGRESSO
A Resposta de D. António da Costa a Antero de Quental
 
Percurso político e pedagógico-cultural
de António da Costa
 

D. António da Costa, nome por que ficou conhecido historicamente, chamava-se António da Costa de Sousa de Macedo. Nasceu em Lisboa a 24 de Novembro de 1824 e morreu na mesma cidade 68 anos depois. Era filho do primeiro conde e terceiro visconde de Mesquitela, bisneto do Marquês de Pombal e sobrinho do Marechal Saldanha. Sua mãe, Maria Ignácia de Saldanha Oliveira e Daun, era a quinta filha de D. Vicente de Saldanha de Oliveira Juzarte Figueira e Sousa.

Apesar da sua origem lisbonense, a sua vida profissional e social desenvolveu-se fora da capital. Cursou Direito na universidade de Coimbra, onde obtém o grau de Bacharel em 1848, mas de maneira muito inconstante devido ao seu desejo de enfileirar em iniciativas militares e ideológico-políticas, apesar do seu reconhecido talento. Os seus estudos tinham sido interrompidos em 1846 devido à sua participação na guerra civil enfileirando no batalhão académico (1).

Leiria, por quem devotava um carinho especial, foi a rampa de lançamento profissional e também política e pedagógica de António da Costa. Foi no contacto com realidade social, cultural, económica e religiosa deste distrito que conheceu e experimentou o Portugal profundo e concebeu e ensaio os seus primeiros projectos em favor do progresso do país. Para compreender o percurso político e intelectual que o tornou uma das figuras relevantes do século XIX português é fundamental conhecer os seus anos de experiência e de representação do Distrito de Leiria como deputado, que foram também os primeiros da sua vida pública e profissional de jovem bacharel formado em Direito.

No princípio do período da monarquia constitucional que ficou conhecido pelo nome de Regeneração, D. António da Costa foi nomeado a 11 de Junho de 1851 Secretário Geral do Governo de Leiria pelo seu tio, o Duque de Saldanha (2). Então era Governador Civil daquele distrito António José Vieira Santa-Rita. No distrito de Leiria começou por conheceu as graves carências do Portugal profundo, em particular no campo da instrução, e ensaiou as suas primeiras iniciativas em favor do progresso da nação que tanto sonho e teorizou ao longo da sua vida. Em coerência com a sua fé no papel axial da educação como condição básica para o desenvolvimento consistente e extensivo de um povo, projectou a fundação do Centro Promotor da Instrução Popular que se consolidou na criação oficial do Centro Promotor da Instrução Primária a 16 de Novembro de 1853. A ideia inicial da criação deste centro de educação consistia em reunir uma série de personalidades que se empenhassem na realização de iniciativas com vista a expandir o acesso às primeiras letras por parte de todas as classes sociais, nomeadamente as mais pobres. Este Centro teve como primeiro presidente o seu Fundador, D. António da Costa, como Tesoureiro Cândido Maria da Costa e como secretário Augusto Rogério de Sousa Bastos.

Os objectivos principais deste organismo sócio-educativo estabelecidos estatutariamente era criar na capital de Distrito escolas nocturnas, desenvolvendo depois a instrução primária nos diversos âmbitos. Esta extensão deveria ser feita pela criação de cadeiras de instrução primária em todas as freguesias do distrito. Tendo em vista a qualificação de profissionais da área comercial, o Centro propunha-se oferecer anualmente cursos de leitura e escrita ensinados pelo método de Castilho de que D. António da Costa era um seguidor. Estes cursos deveriam também ministrar os rudimentos de aritmética, escrituração comercial, gramática e língua portuguesa. Para fomentar a cultura da população que iria paulatinamente conquistando níveis melhorados de alfabetização, o Centro projectava a criação de uma biblioteca na sede do distrito aberta gratuitamente ao públicos, bem como gabinetes de leitura por vários pontos da região. Deveria também promover sessões literárias para cultivar os sectores mais eruditos.

Uma boa parte dos objectivos deste ambicioso projecto começou por concretizar-se durante a vigência da gestão de António da Costa. Promoveu-se a formação de professores, foi criada uma rede de ensino nocturno, cursos de instrução primária em vários pontos do Distrito, distribuíram-se livros gratuitamente. Chegou-se ainda a criar um gabinete de leitura e a instituir prémios para os alunos que se distinguiram pelo esforço e pela inteligência na conclusão dos seus estudos primários. Este organismo que contactou com o apoio e a adesão de figuras de relevo da Leiria do tempo, tinha como fonte de receita para sustentar as suas iniciativas os subsídios do governo, as ofertas de particulares, o produtos de iniciativas de angariação de fundos, como festas e bailes, bem como os apoios de instituições locais (3). Era um organismo cívico que procurava de uma foram pioneira concitar apoios e esforços da iniciativa pública e privada. Experiência que não deixa de se reflectir no seu pensamento pedagógico, que ao relevar a importância do investimento estatal na promoção do ensino, não deixa de valorizar a iniciativa privada neste domínio. O Centro Promotor da Instrução Popular tornou-se uma instituição que nobilitou o Distrito e contribuiu para o seu progresso, apostando na confluência do investimento particular e público para a promoção da obra mais suprema: a educação do povo. Infelizmente com saída de D. António da Costa da direcção do Centro este começou a perder o seu dinamismo, acabando por extinguir-se.

Ciente de que a imprensa periódica era cada vez mais um meio de comunicação social cada vez mais utilizado na Europa para formar a opinião pública e instruí-la no sentido de uma mentalidade progressiva, D. António da Costa criou a 1 de Julho de 1854 o primeiro jornal do distrito de Leiria que conheceu uma longa vida, intitulado O Leiriense, periódico administrativo, literário e noticioso . Além do seu carácter informativo que privilegiando a difusão de notícias que directamente se relacionavam e interessavam a vida do distrito, não desconsiderava a difusão de notícias nacionais e uma síntese noticiosa dos acontecimentos mais significativos que se ocorriam a nível internacional. Ao mesmo tempo este jornal tinha primeiramente a missão de garantir um serviço de informação concernente à vida administrativa de Leira, sem, todavia, deixar de dar atenção a temas ligados à vida literária e cultural.

D. António da Costa projectou fazer deste periódico um meio de consciencialização social acerca da importância no investimento individual e colectivo na educação e na cultura, em consonância com o ideário do Centro Promotor de Instrução Popular. São de destacar os vários artigos que escreveu acerca da imprescindibilidade e urgência da generalização da Instrução Primária a todos os núcleos populacionais desde os pólos urbanos até às mais recônditas populações rurais. Nestes artigos gizou também um projecto de reforma do ensino primário, projecto que mais tarde aperfeiçoará e, em auditórios mais representativos de todo o país, proporá como projecto de reforma para todo o sistema de ensino português. Estes textos, marcados pelo entusiasmo juvenil e pela militância apaixonada por uma das causas que acabará por ser a mais notável da sua vida, são percursores de obras mais maduras e elaboradas que se tornarão uma referência no plano da História da Educação em Portugal. Entre essas obras cumpre destacar a História da Instrução Popular em Portugal .

Numa época em que pela Europa do progresso e das luzes, a ciência estatísticas emergia como um instrumento cada vez mais importante para o conhecimento do estado de evolução de uma sociedade e como meio informação básica para preparar reformas políticas, económicas e sociais, D. António da Costa produziu um grosso e trabalhoso volume sobre a Estatística do Distrito Administrativo de Leiria , impresso em 1855, obra que dedicou a D. Pedro V. Este trabalho veio a revelar-se pioneiro para o seu tempo. Num país onde quase não havia colheita e análise sistemática de dados estatísticos, este trabalho de António da Costa revelou-se um trabalho exaustivo feito de acordo com os parâmetros mais modernos de elaboração de estatísticas que tinham sido consagrados em 1853 no Congresso de Bruxelas dedicado aos métodos de recolha e tratamento estatístico, o qual pretendia ditar orientações para normalizar a produção estatística europeia. Guiados por estes novos parâmetros recentemente estabelecidos, o autor fez o retracto estatístico do Distrito de Leiria acerca da população, da produção agrícola e industrial, da administração pública, das instituições de beneficência, da educação, da justiça e da criminalidade. A análise que faz no tratamento estatístico pretendia ser um instrumento político para implantar reformas e orientar investimentos prioritários no progresso da região.

O profissionalismo e dedicação de António da Costa em prol do progresso do distrito de Leiria granjeou-lhe a estima da população que desejou vê-lo como seu representante na Câmara dos Deputados, onde se definia as leis que poderiam melhorar as condições de vida do país. Não podendo resistir à insistência para que concorresse, D. António da Costa foi eleito deputado independente por Leiria para a legislatura de 1857-1858. Pode assim alargar a nível nacional os projectos reformistas concebidos a partir do conhecimento da realidade leiriense, que era uma boa amostra da realidade dos outros distritos do país. Foi na qualidade deputado eleito por Leiria que apresentou um projecto de fôlego para reformar a instrução primária. Sem que as graves carências nestes domínio fossem debeladas, Portugal não poderia adiantar-se no comboio do progresso de que os políticos tanto falavam e o povo tanto almejava. O aspecto mais saliente desta reforma é a sua abrangência. O autor desejava que a educação básica fosse estendida a ambos os sexos, através da criação de escolhas em todas as localidades para que a instrução fosse proporcionada a todas as camadas sociais. Como deputado, também o preocupou a situação da justiça no país e o estado dos estabelecimentos prisionais. Para tal escreveu uma obra que ficou inédita sobre a Reforma das cadeias, a qual dedicou ao distrito de Leiria. Dada a importância que dava à educação, este projecto de reforma consignado neste livro idealizava fazer das cadeias não um mero depósito de seres humanos mortos para a liberdade, mas uma escola de reformação moral e de instrução humana (4).

Findo o seu mandato de deputado, D. António da Costa não regressou a Leira, antes passou a desempenhar funções administrativas, a 12 de Janeiro de 1860, na recém-criada Direcção Geral de Instrução Pública, percursora do futuro ministério da Instrução, que fazia parte do Ministério do Reino. A criação deste organismo é já revelador do incremento da consciência da importância que os políticos deviam dar à educação, o que se tinha tornado desde Leiria o principal cavalo de batalha de D. António da Costa. Ainda no mesmo ano é nomeado Comissário Régio do Teatro D. Maria II, cargo em que concebe projectos para rever a política artística no domínio da dramaturgia (5).

Não satisfeito ainda com o lugar que vinha sendo dado à educação pelos governos liberais, D. António da Costa bateu-se pela criação de um ministério exclusivamente dedicado a esta área de intervenção política que exigia uma atenção especial por parte do Estado (6). Na sequência do movimento revolucionário de 19 de Maio de 1870 liderado pelo Marechal Saldanha, D. António da Costa foi convidado pelo seu tio a fazer parte daquele que ficou conhecido como o governo do cem dias .

Primeiro desempenhou o cargo de ministro da Marinha. Conseguido o seu intento de criação de um ministério dedicado à educação, foi nomeado justamente para assumir a pasta criada pioneiramente daquele que começou por ser chamado Ministério da Instrução Pública. No pouco tempo que esteve à frente deste novo ministério, D. António da Costa revelou-se imparável para tentar concretizar os seus projectos concebidos desde a sua experiência profissional e cultural em Leiria. Protagonizou a aprovação de vários decretos legislativos para reformar a educação e instrução: liberdade do ensino superior, reforma da instrução primária, criação de bibliotecas populares e de escolas normais, criação de um instituto de educação para o sexo feminino. O aspecto mais relevante destas reformas foi o seu intento de impor a obrigatoriedade do primeiro grau de instrução primária a ambos os sexos de idades compreendidas entre os 7 e os 15 anos. António da Costa pretendia contrariar a tradição de falência das reformas educativas anteriores, almejando que o seu ideário fundado na convicção da importância decisiva da educação fosse assimilado por todos, como escrevia na Instrução Nacional : "Se fosse compreendida por todos a indispensabilidade da educação na escola e da escola em todas as localidades, a criança portuguesa seria um assunto sério na verdade viva do facto, como parece que o é na letra dos regulamentos" (7). Só através deste esforço de universalização da educação Portugal poderia recuperar as glórias perdidas do passado nos tempos modernos, bem como contribuir para o progresso conjunto da civilização ocidental.

Tratavam-se de projectos necessários e de visão para responder às graves carências que o país sofria. Mas primeiro era preciso formar a consciência política para o efeito. É certo que D. António da Costa muito contribuiu para a formação da consciência política portuguesa para uma maior sensibilidade aos problemas educativos. Conseguiu alguma coisa, mas os frutos maiores só se veriam a longo prazo. O que torna este primeiro ministro da educação essencialmente um percursor.

A curto prazo as prioridades políticas orientavam-se para outros campos, tanto mais que as reformas que D. António da Costa tentou implementar eram muito dispendiosas e exigiam um vontade política constante neste domínio. Com a queda do Governo de Saldanha, a maioria das reformas do primeiro ministro da educação empreendidas nos dois meses em que exerceu a pasta foram revogadas pela Carta de Lei de 27 de Dezembro de 1870 da autoria de D. António Alves Martins, bispo de Viseu.

Mas D. António da Costa, afastado da vida política, continuou fiel às suas convicções, labutando no campo da escrita e da propaganda em favor da consciencialização do país (8) para aquilo que o século seguinte viria acabar por consagrar como decisivo: a aposta incontornável na educação como um maiores indicadores do progresso de uma nação. Bernardino Machado considerou-o um homem generoso e o publicista mais devotado à causas da educação, pois acreditava que a nação só se poderia regenerar através dela.

Quando morreu a 24 de Janeiro de 1892 era comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e deixava atrás de si uma obra importante para a cultura e para educação em Portugal.

Esta que foi uma das personalidade mais interessantes e inovadoras do catolicismo português revela nas suas obras multitemáticas um grande espírito de fé no Evangelho e manifesta uma sensível paixão pela figura de Jesus Cristo e pelo seu ideal de transformação da humanidade. É um indivíduo atento a tudo o que se passa no seu tempo e louva sem preconceitos as inovações e o progresso realizados pelos homens da sua época. Com um carácter muito perspicaz manifesta convicções equilibradas, apresentando-se como homem de diálogo, mas recorrendo por vezes à apologia para fundamentar a suas posições. A valorização da universalidade é um dos aspectos mais característicos do seu pensamento, entendendo o cristianismo como o melhor meio de promover e salvaguardar aquilo que podemos chamar a ideologia da universalidade em que pretenda a união dos homens dos quatro cantos da terra. A diversidade temática dos seus escritos reflecte-se nos diferentes livros que escreveu. Escreveu sobre: O Cristianismo e o Progresso, A Mulher em Portugal , No Minho, As Minhas Saudades, Moliére, Três Mundos, História da Instrução Popular em Portugal, O Casamento Civil; isto para fazer menção apenas das obras mais relevantes.

O meu artigo incidirá tão-só sobre uma perspectiva do pensamento multifacetado desta figura do catolicismo português que consistiu no seu esforço de estabelecer uma relação dialógica entre o cristianismo e o progresso. Começarei por situar historicamente a polémica que envolve esta questão. Seguidamente, analisarei a tese apologética de D. António da Costa que advoga a harmonia entre o cristianismo e o progresso da humanidade. Finalmente, apresentarei a visão do mesmo autor acerca do progresso no séc. XIX.

 
 

(1) Sobre a vida e obra de D. António da Costa ver Júlio Castilho, D. António da Costa. Quadro biographico-litherario, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1895.

(2) Pouco tempo antes tinha sido nomeado Secretário Geral do Governo de Vila Real, funções que nunca chegou a exercer.

(3) D. António da Costa, Estatísticas do Distrito Administrativo de Leiria , Leiria, Typ. Leiriense, 1855, p. 288 e ss.

(4) Ideias que sintetiza em dois capítulos das suas Auroras da Instrução pela iniciativa particular, Lisboa, Imprensa Nacional, 1884, caps. XXVI e XVII.

(5) V.g. António da Costa, 2º Relatório da administração do Theatro Nacional de Dona Maria Segunda apresentado a S. Exª o Ministro do Reino , Lisboa, Typ. do Futuro, 1862.

(6) Cf. Idem, Necessidade de um ministério de Instrução Pública , Lisboa, Imprensa Nacional, 1869.

(7) Idem, Instrução Nacional, Lisboa, Imprensa Nacional, 1870, p. 35.

(8) Além das obras já citadas e da sua participação em vários periódicos do tempo, escreveu ainda a História do Marechal Saldanha, Lisboa, Imprensa Nacional, 1879; Ao meu paiz, Lisboa, Typ. Universal de T. Quintino Antunes, 1880; José Castilho, o herói do Mondego, Lisboa, Imprensa Nacional, 1872; O casamento civil: resposta ao Sr. Alexandre Herculano, 2ª ed., Lisboa, Imprensa Nacional, 1866; Braga Fiel, Porto Ladrão, Braga, Fundação Cultural Bracara Augusta, 2000.