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Dário Moreira de Castro Alves |
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Machado de Assis na Rússia |
Revista Lusofonia, de Lisboa, jul-ago 2008 |
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Aos bons cuidados de Vadim Kopyl, director do Centro Lusófono Camões, da Universidade de São-Petersburgo, foi publicado na Rússia, em São Petersburgo, um livro com 12 contos de Machado de Assis em edição bilíngüe – português e russo.
Os 12 tradutores têm variados nomes. Acompanhei desde o início o lançamento e a linguagem dos referidos textos. São os seguintes os contos: O espelho, A sereníssima República, A Igreja do Diabo, A senhora do Galvão, Uma senhora, Dona Paula, Uns braços, O enfermeiro, Entre santos, A causa secreta, O caso da vara, Um apólogo.
Sem dúvida é boa a escolha dos contos, que provocam a sensação dada pelo jeito de um sorriso amarelo, o que então confrange a alma do leitor diante de uma linguagem tão expressiva e com graça, ao mesmo tempo sóbria e severa. A escolha leva em conta o fogo do desejo de leitura pelo público russo da classe média e da dos trabalhadores.
É evidente que grandes autores franceses como Zola ou Proust são conhecidíssimos em todo o mundo. Por outro lado, assinale-se a diferença sensível entre esses textos franceses já traduzidos para o russo e o texto de um escritor totalmente desconhecido – digamos assim.
Se alguém tomar o elevador num hotel moscovita, ao sair para o corredor de acesso aos aposentos dos hóspedes logo deparauma senhora, em geral madura, aspecto matronal, com trajes especiais de hotelaria ou seu traje comum de sempre, a guardar as chaves do quarto quando o hóspede se ausenta de seus cômodos, e é mergulhado em literatura de ficção, russa e/ ou internacional. É da tradição russa essa instituição da senhora que provê a guarda e imunidade do compartimento de hotel. Encomendas, correio e outras coisas entregues na portaria do hotel são repassadas para a guarda administradora do andar, que confraterniza e estabelece simpática camaradagem com o hóspede e está sempre a ler livros – romances.
Adelto Gonçalves é doutor em literatura portuguesa pela Universidade de São Paulo. Em Portugal, apresentou dois livros fundamentais de sua autoria que o consagram como grande mestre de literatura portuguesa e brasileira, sobre Bocage e Gonzaga. Note-se que Adelto Gonçalves é brasileiro, escreveu em Santos obras monumentais. Estabeleceu uma verdadeira ponte de compreensão e ligação entre Brasil e Portugal, no campo da literatura luso-brasileira. Adverte que os contos de Machado de Assis, logicamente, devem ser lidos e entendidos no contexto da época em que foram escritos, e pouco dizem da sociedade moderna, na qual o Brasil entrou em grande fase de progresso, em todos os seus campos. A alma humana, está lá no seu lugar, firme e inabalável.
Machado de Assis foi um autêntico e pertinaz estudioso, perfeccionista mesmo, na arte de esmiuçar a alma humana, colocando para fora aquilo que o homem sempre quis esconder. O que eu chamaria de transpiração ou suor da alma humana, em suas múltiplas temperaturas. Um grande escritor – simples e profundo, com excelente redação e apresentação – tem um campo ilimitado na escolha de seus temas e de seus personagens. Sempre acreditei em Adelto Gonçalves desde a sua primeira visita a Lisboa nos anos 80. Tímido e falando uma linguagem comum, mas completamente correcta na forma e apresentação de seus textos. Sua história impressionou os portugueses, seu interesse profundo no conhecimento e esclarecimento do grande processo literário luso-brasileiro original. Esboçando a vida e o carácter humano até às últimas conseqüências, Adelto Gonçalves é um homem sério, apesar de sua leveza aparente e da simplicidade no trato com ele. Machado de Assis é por ele conhecido como o autor dos estudos da alma humana. Seu livro mais famoso, Dom Casmurro, tem como preocupação central a instabilidade emocional da mulher que a levaria a cometer adultério. Machado de Assis, assinala Adelto Gonçalves, escreveu um conto que interpreta como uma chave que abre um cofre, e que se chama D. Paula.
Em Dom Casmurro, a preocupação disfarçada do autor não é discutir o adultério, mas os efeitos que esse deslize na visão da sociedade causa dentro da alma mesmo do personagem.
Acho que o prefácio de Adelto Gonçalves enriquece muito o livro e certamente será bem apreciado pelo público russo, ávido de leitura das almas formadas em outras sociedades e outros países.
E como não houve ainda crítica literária sobre Machado de Assis, um desconhecido naquele imenso país, certamente esse leitor de grande país do Norte que é a Rússia, muito pode aproveitar do prazer da leitura do Machado e das explicações e orientações no entendê-lo como o maior contista da língua portuguesa e grande prosador de nosso idioma, afinal o quinto idioma mais falado do mundo no quinto maior país em população. O Brasil e Portugal têm a ganhar com essa tradução de Contos de Machado de Assis para o russo.
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Dário Moreira Castro Alves, ex-embaixador do Brasil em Lisboa, é autor de
Era Lisboa e Chovia, Era Tormes e Amanhecia e Era Porto e Entardecia, sobre
a obra de Eça de Queirós, e Luso-Brasilidades nos 500 Anos. É presidente do
Conselho de Curadores da Fundação Luso-Brasileira para o Desenvolvimento do
Mundo de Língua Portuguesa e sócio-correspondente da Academia das Ciências de Lisboa.. |
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