Dário Moreira de Castro Alves
ERICO VERÍSSIMO E PORTUGAL

Autor de vasta obra no Brasil, iniciada com uma colectânea de contos "Fantoches", publicada em 1932, quando contava 27 anos de idade, dedicou-se Erico Veríssimo à ficção em geral, literatura infantil e infanto-juvenil, livros de viagem, biografia, ensaio, artigos e crónicas. Mas foi na ficção histórica que sua estrela por excelência resplendeu, com a publicação da trilogia "O Tempo e o Vento", entre 1949 e 1962, que compreende três títulos: "O Continente", "O Retrato" e "O Arquipélago", obra que descreve com força, sentimento e criatividade a saga por que passaram os povos do Rio Grande do Sul, a província mais ao sul do território brasileiro.

Os personagens fictícios se inserem na história do Rio Grande do Sul a partir da guerra missioneira, e a ocupação portuguesa da região (açorianos) na segunda metade do século XVIII, a imigração vinda de São Paulo, as guerras cisplatinas (Uruguai), a Guerra dos Farrapos, etc. A saga atravessa o século XIX e vai até à metade do século XX, em que são descritos grandes
episódios da história política contemporânea do Brasil, a Revolução de 1930
conduzida por Getúlio Vargas, a guerra na Europa, a queda de Getúlio Vargas em 1945, a eleição do General Eurico Gaspar Dutra, etc.

O próprio título dessa obra é objecto de interpretações várias. Em número especial de 1995 sobre Erico Veríssimo, na revista "Nova Renascença" da Fundação Engenheiro António de Almeida, diz Dionysio Toledo, universitário brasileiro "expatriado" na França, que o "tempo" simboliza o transitório e o "vento" o permanente. Na tradição bíblica, o vento é associado à eternidade. Neste sentido, acrescentemos que "pneuma", em grego, significa espírito como também sopro, vento. E note-se que "O Continente" tem como epígrafe uma passagem do Eclesiastes, I-4,5,6, que vale a pena transcrever para leitura atenta e meditação: "Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece. E nasce o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar de onde nasceu. O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta, fazendo os seus circuitos".

O nome Ana em hebraico também significa terra.

Na obra, a mulher representa o vento, a terra, o permanente; os homens por
sua vez, efémeros como o tempo e contrariamente às mulheres, desaparecem. Mas a terra para sempre permanece, como está dito no Eclesiastes. As mulheres (o vento) voltam sempre à matriz, à terra; morrem para renascer. "O Continente", a antiga capitania de São Pedro, predecessora do actual Estado do Rio Grande do Sul, tudo abarca: cidades, estâncias, acidentes geográficos; religião, história, política; superstições, lendas, romances; prosa e poesia; destinos individuais e soluções colectivas.

A formação intelectual de Erico Veríssimo teve marcada influência internacional. Autodidacta, nascido de uma família de posses, em 1905, no interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Cruz Alta, cedo teve de trabalhar porque seus pais se arruinaram. Suas primeiras leituras foram obras de Júlio Verne. Em seguida, interessou-se pela leitura de autores brasileiros e portugueses, Afonso Arinos, Eça de Queiroz e muitos autores europeus e norte-americanos, Dostoievsky, Tolstoi, Walter Scott, Emile Zola, Bernard Shaw, Katherine Mansfield, Aldous Huxley (que traduziu), John dos Passos, Pirandello, e tantos mais.

São obras de Erico Veríssimo: "Fantoches", 1932; "Clarissa", 1933; "Caminhos Cruzados", 1935; "Música ao Longe", 1936; "Um Lugar ao Sol", 1936; "Olhai os Lírios do Campo", 1938; "Saga", 1940; "As Mãos de Meu Filho", 1942; "O Resto é Silêncio", 1942; "O Tempo e o Vento" (trilogia, já referida); "O Ataque", 1959; "O Senhor Embaixador", 1965; "O Prisioneiro", 1967; "Incidente em Antares", 1972; "Contos", 1978.

Além dessas obras de ficção, Veríssimo escreveu livros de viagem sobre os
EUA, México, Israel. Em dois volumes, na obra "Solo de Clarineta", escreveu suas memórias. Por duas vezes Erico Veríssimo visitou Portugal. A primeira vez, em 1959, recebido pelo Embaixador Álvaro Lins, encontrou-se e dialogou com Jaime Cortesão, António Sérgio, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Miguel Torga, João Gaspar Simões, Luiz Forjaz Trigueiros, Jorge de Sena, Sophia de Melo Breyner, Alves Redol, João Rodrigues Migueis, Câmara Reys, Vitorino Nemésio, Manoel da Fonseca e outros.

Seu editor, António Souza Pinto, da "Livros do Brasil", o acompanhou em seu percurso por Portugal, que o levou a praticamente todas as regiões do país. Erico Veríssimo tem mais de 20 títulos editados em Portugal, sendo dos mais lidos escritores brasileiros em Portugal, juntamente com Jorge Amado.

A segunda visita ocorreu em 1966, quando veio investigar suas raízes em Portugal, em Ervedal, na Beira Alta. O ramo de sua família com o nome de Veríssimo começou no Brasil, em 1810, com o português Manoel Veríssimo da Fonseca, que se casou em Ouro Preto, Minas Gerais, e depois se trasladou para o Rio Grande do Sul. Os troncos maternos são também de origem portuguesa.

Numerosas são as edições de obras de Erico Veríssimo no mundo, traduzidas em mais de uma dúzia de línguas. Somente em inglês há cerca de 20 edições de seus livros.

Dário Moreira Castro Alves, ex-embaixador do Brasil em Lisboa, é autor de Era Lisboa e Chovia, Era Tormes e Amanhecia e Era Porto e Entardecia, sobre a obra de Eça de Queirós, e Luso-Brasilidades nos 500 Anos. É presidente do Conselho de Curadores da Fundação Luso-Brasileira para o Desenvolvimento do Mundo de Língua Portuguesa.