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Pedro Foyos........

Edgar Morin: o nonagenário que não desiste de mudar o mundo

Edgar Morin celebra agora [8 julho 2011] noventa anos.

Embora correndo o risco de me considerarem desmesurado, sempre declaro: Morin é, a uma escala mundial, o maior pensador vivo. Não encontro outro espírito tão polivalente, tão inventivo, repartindo o seu imenso trabalho criador por áreas múltiplas, da biologia aos mitos culturais, dos fenómenos sociológicos como o cinema e os media à ecologia e à cibernética. Um Leonardo da era moderna. Passou uma boa parte do século XX a inventar as reformas indispensáveis à sobrevivência da humanidade. Há dois anos [maio 2009] veio a Viseu (porque o colóquio em que participou teve por cenário os trigésimo aniversário do Instituto Piaget), dissertando em especial sobre o ensino, cuja «reforma radical» defendeu, apontando alternativas que possibilitariam aos jovens enfrentar os desafios do presente e do futuro. «O ensino», disse, «continua separado de uma visão global do mundo exterior. Essa visão global é indispensável à compreensão do que está a passar-se, a sociedade precisa de um saber não compartimentado, mas transversal.»

Cedo me seduziu na obra de Morin (em parte significativa traduzida para português) o seu pensamento planetário, as reflexões universalistas sobre a natureza e a condição humanas, o ceticismo angustiado de incertezas com que conceptualiza as contradições do mundo e, em especial, aquele olhar herético, provocador, que arrasa tudo quanto são ideias feitas. Sabe-se que um filósofo jamais poderá gerar unanimidades. Todavia, Morin converte essa premissa num exercício desafiantemente revolucionário, cumprido de cada vez que exterioriza uma ideia. Até os leitores fiéis que por hábito lhe tributam uma atenção admirativa não conseguirão evitar objeções, porventura dissidências irremíveis. Ou quase... Já me aconteceu que, lendo-o, em determinado passo me desvie do livro e murmure: «Aqui não estamos de acordo! Desculpa, mas...» Anos depois, um acontecimento de natureza diversa projeta-me para o conceito por mim renegado e transijo, penitente: «Bem, Edgar, é possível que tenhas razão. É mesmo muito possível...»

Morin está sempre na contracorrente de tudo, a começar, naturalmente, pelas "verdades irrefutáveis", as "tradições inquestionáveis", os dogmas políticos, religiosos, filosóficos...

Quem não o conheça e mostre interesse em dar uma espreitadela ao seu universo transdisciplinar poderá optar por Os Meus Demónios (ed. Europa-América), uma espécie de breviário de pensamentos rebeldes, de convicções e dúvidas ancestrais. Saímos do livro com a impressão de termos percorrido um grandioso fresco histórico de uma vida, uma vida de ideias. Ideias que, por seu turno, como assinala, têm vida própria, porque não existe simplesmente vida biológica: «É por isso que se pode viver, e também morrer, por uma ideia.»

Particularidade desta obra invulgar é a de não se tratar, em rigor, de uma autobiografia, na aceção corrente do termo. Morin não se cansa de evocar a sua vida fabulosa mas rapidamente abandona os episódios pessoais para iluminar as ideias que os enquadram ou lhes estiveram subjacentes. Essa rememoração quase sempre magoada principia no próprio nascimento, em circunstâncias trágicas: a mãe ou o filho, um deles teria de morrer no parto. Milagrosamente, sobreviveram ambos, mas a mãe nunca recuperou, partiu poucos anos depois. Edgar carregaria para sempre o primordial demónio dessa sombra.

Revisita com inclemente lucidez as ideologias e combates que atravessaram o século XX («Que época! Quantas reviravoltas e cegueiras! Quantas tempestades! Quantos mitos e desmitificações!»). Tempos de sucessivas resistências: primeiro, ao nazismo, depois, ao estalinismo. A excomunhão sofrida em 1951, por parte do Partido Comunista francês, trouxe-lhe a aversão de muitos companheiros de jornada para os quais o marxismo ortodoxo constituía uma autêntica religião da salvação terrestre. Foi o primeiro a teorizar sobre um inevitável colapso do império soviético. Descrente, sempre rebelde, prosseguiu quase sozinho, permanecendo por longos anos em "hibernação política".

Outras linhas de força: o progresso civilizacional indissociável da barbárie, o túnel infindo dos antagonismos: «O pensamento, quando chega às regiões mais profundas da realidade, encontra contradições logicamente insuperáveis.» Dilacerado por estas contradições, escreve, referindo-se à Alemanha nazi: «Como é que a nação mais culta do mundo produziu uma das piores barbáries universais; como é que o país onde nasceram a música, a poesia, a filosofia que mais me tocam deu origem às ideias que mais me repugnam?»

Cada livro de Morin submerge-nos numa avalancha de interrogações. Sempre latente, no entanto, a ideia da mudança, da reforma das ideias, de um urgente «começar de novo», da refundação de um crescimento sem limites e bloqueador do futuro da humanidade.

Há dois meses, Guilherme d’Oliveira Martins, num artigo notável inspirado no pensamento “insurrecional” de Morin [Jornal de Letras, 4 maio 2011], sublinhava que «a ideia fixa do crescimento contínuo e interminável não pode continuar.» Prosseguindo, com uma transparência que derruba aparentes enigmas ou incertezas: «Basta fazermos simples operações aritméticas, considerando os sete mil milhões de habitantes da Terra, para percebermos que sem consciência dos limites apenas poderemos chegar ao desastre global. É preciso conceber uma sábia complementaridade entre crescimento, decrescimento e estabilização, segundo a compreensão da complexidade. O desenvolvimento indiferenciado, seguindo o modelo ocidental produtivista, está votado ao fracasso, uma vez que desconsidera a diversidade e a complexidade, não compreendendo os limites. A hiperespecialização, o híper individualismo e a perda das solidariedades conduzem à incapacidade de corresponder às mais elementares exigências da justiça. E Morin afirma mesmo que não basta contentarmo-nos com o “durável” ou o “sustentável” de reminiscências ecológicas – é preciso ir mais fundo. As crises misturam-se, do conhecimento, da política, da economia, da sociedade, e levam-nos aos bloqueamentos da globalização, da ocidentalização e do desenvolvimento.»

A crise da humanidade será inelutável? Edgar Morin opõe-se à resignação, os seus livros estão repletos de trilhos novos, clarividentes. Aos noventa anos continua a resistir com a pertinácia de quem acredita que o pior de tudo é desistir de mudar o mundo.

 

Pedro Foyos (Portugal)

Num percurso de meio século entre os mundos do Jornalismo e da Literatura, passando pelas Artes Visuais, Pedro Foyos alcançou especial notoriedade quando, já reformado do jornalismo diário, começou a dedicar-se à ficção e à crónica de atualidade.

Iniciou muito novo (final de 1960) a atividade jornalística no diário República – único declaradamente de oposição à Ditadura. Durante vários anos conciliou o jornalismo com a vida académica, participando nos movimentos estudantis que recrudesceram no País a partir de 1962. Na condição de jornalista e ao mesmo tempo de estudante foi-lhe possível, com a colaboração dos correspondentes da imprensa estrangeira, transmitir para o mundo, durante quase toda a década de 60, os acontecimentos das sucessivas crises académicas, com realce para as de 1962 (Lisboa) e 1969 (Coimbra).

Depois da revolução de 25 de Abril, no início do chamado Verão Quente de 1975 e na sequência do dramático encerramento do histórico jornal República, dirigido por Raul Rêgo, passou dois meses a correr o País, com o jornalista Vítor Direito, ao abrigo da solidariedade de tipografias democráticas dispostas a imprimir o Jornal do Caso República, publicação clandestina com tiragens de cem mil exemplares e que não podia produzir-se mais do que uma vez no mesmo local. Em Agosto desse ano foi co-fundador do diário A Luta, onde se manteve como redator e diretor de arte até próximo da sua extinção. Ainda nos anos 70 trabalhou em várias publicações da empresa jornalística “O Século”, com realce para as revistas O Século Ilustrado e Vida Mundial. Seguiu-se o Diário de Notícias, onde integrou a chefia de redação, sendo responsável, nomeadamente, pela revista dominical e edições especiais. Empreendeu em simultaneidade vários projetos editoriais no âmbito da Fotografia, Cinema e Artes Visuais em geral, fundando e dirigindo um jornal e duas revistas. Fundou também a coleção Grande Reportagem, consagrada a momentos assinaláveis do jornalismo português, tema que já antes lhe inspirara o livro O Jornal do Dia, e, mais tarde, A Vida das Imagens. Insere-se ainda nesse domínio Grandes Repórteres Portugueses da I República.

De permeio exerceu durante doze anos a presidência da Associação Portuguesa de Arte Fotográfica, tendo fundado e dirigido um Anuário da especialidade. Realizou por essa época várias exposições individuais de fotografia e de foto-pintura.

No campo do ensino e formação orientou estágios profissionais de Tecnologias de Comunicação na especialidade de Psicologia da Leitura.

Interessado igualmente, desde muito novo, pelos temas científicos, fundou o Centro de Estudos das Ciências da Natureza, direcionado em especial para as camadas juvenis, mas que dificuldades financeiras impuseram o encerramento em 2006.

No termo deste ciclo começou a dedicar-se à literatura de ficção, primeiro com O Criador de Letras, um romance inspirado no tema da invenção do alfabeto, tendo como cenário social a vida quotidiana no Próximo Oriente Antigo. A obra seguinte, Botânica das Lágrimas, protagonizada por crianças e cuja acção decorre inteiramente num jardim botânico, mereceu do escritor Miguel Real a qualificação de «romance marcante na literatura juvenil portuguesa.» (in Prefácio à segunda edição e seguintes).


Pedro Foyos é casado com a jornalista e escritora Maria Augusta Silva, distinguida com o Prémio Internacional de Jornalismo, entregue pessoalmente pelo Rei de Espanha no ano de 1993.

(Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Foyos )