Sim, tenho várias
famílias ideológicas. Com dificuldade as ordenaria segundo uma escala de
importância na minha vida, mas, tendo de o fazer, não duvido que as
Ciências da Natureza ocupariam um lugar preponderante.
Os acasos do descaso cedo
me levaram para o jornalismo, contrariando sonhos adolescentes de ser
biólogo. Por fortuna obtive mais tarde um bom acolhimento por parte de
notabilíssimos académicos que me reconhecem na qualidade de "amante da
causa", permitindo que o prego não-académico que sou se mantenha à tona
de água, ou seja, participe e conviva como membro da comunidade. Vejo-me
aldeão deslumbrado e grato na grande cidade dos sábios.
A data de 24 de Novembro
(nascimento de Rómulo de Carvalho / António Gedeão, o cientista e o
poeta em dupla identidade numa só pessoa) está sempre vivamente anotada
na minha agenda. Hoje, portanto. Dia Nacional da Cultura Científica.
Pouca gente imaginará o número surpreendente de cientistas portugueses
que estão a "fazer ciência" no estrangeiro. Homens e mulheres. Estas,
contudo, encontram-se em crónica desvantagem na lusa perceção de tal
realidade. Perturba saber, como foi demonstrado há um ano, que o simples
conceito de investigação científica desempenhada por mulheres é estranho
a uma parcela apreciável da população portuguesa. Já se aceita, enfim,
que uma mulher conduza um táxi, até um autocarro, mas... conduzir um
foguetão..., ou seja, essa coisa do outro mundo chamada ciência...
Ciência a sério?... Alto lá!
Regredimos ao século XIX,
à pré-história de Madame Curie. Que desgraça.
A verdade é que as mulheres cientistas portuguesas
são milhares, dentro e fora do País, não raro chefiam grandes equipas e
os seus nomes surgem nas publicações internacionais da especialidade
assinando artigos de referência. A nossa comunicação social, no
afogadilho dos mil e um casos sensacionais de cada dia, de cada hora, da
última hora e da hora que há de vir, esporadicamente pica o ponto quando
um cientista português é distinguido. Por razão obscura, inexplicável
(porquanto, na atualidade, em geral o sexo feminino predomina em muitas
redações), afigura-se-me que, tratando-se de uma mulher, nem um sucinto
eco se ouve ou lê. Gostaria de estar enganado mas é fácil observar que,
com uma ou outra exceção, o País ignora as suas concidadãs cientistas.
De bom grado citaria uma ou duas dezenas, porém hoje destacarei Mónica
Bettencourt-Dias. Alguém sabe quem é? Pois bem: Mónica recebeu uma
espécie de "prémio nobel" da ciência europeia (o Eppendorf, abrangendo
cientistas com menos de 35 anos) – atribuído pelas suas investigações na
área da biomedicina, desenvolvidas sobretudo em Londres e Cambridge.
Depois, a Organização Europeia de Biologia Molecular reconheceu-a
merecedora de um financiamento de cinquenta mil euros em apoio ao seu
trabalho. Falta dizer que, para além da candidatura de Mónica existia
mais de uma centena e apenas dezassete foram selecionadas. Uma única
coisa falhou: o futebolista Cristiano Ronaldo jamais pronunciou o nome
de Mónica nas proximidades de um microfone. Isso bastaria para que
Portugal a ovacionasse e considerasse exíguo o "prémio" de cinquenta mil
euros, porque, que raio!, então uma mulher daquelas não merecia
cinquenta milhões?!
De entre a infinidade de
dias mundiais, internacionais, nacionais – nenhum contempla a mulher
cientista. Sou avesso a esse género de celebrações classistas e
sexistas, mas, por uma vez, aplaudiria a instituição em Portugal de um
temporário Dia Nacional da Mulher Cientista. Pelo menos nesse dia a
população aperceber-se-ia de que habitam dentro e fora do País milhares
de concidadãs admiráveis cuja existência nem sequer é pressentida. E já
sabemos que não podemos contar com o futebolista Ronaldo. |
Pedro Foyos nasceu em Lisboa, Portugal, em
1945. Perfazendo uma carreira profissional de mais de quarenta anos como
jornalista e director de publicações, dedica-se também, atualmente, à
literatura de ficção e de divulgação de temas das Ciências da Natureza.
De entre os órgãos de informação onde trabalhou destacam-se o diário
República (único jornal de oposição à ditadura de Salazar) e o Diário de
Notícias. Neste jornal de referência na imprensa portuguesa integrou a
direção de redação, sendo responsável, nomeadamente, pela revista
dominical e edições especiais. Fundou a revista Nova Imagem, da qual foi
director durante seis anos, e mais tarde a coleção Grande Reportagem.
Foi presidente durante uma década da
Associação Portuguesa de Arte Fotográfica, tendo nesse período fundado e
dirigido o Anuário Português de Fotografia.
É autor dos livros O Jornal do Dia e A
Vida das Imagens. Organizou, a convite da Imprensa Nacional, uma
antologia histórica, em dois volumes, consagrada a grandes momentos do
jornalismo português no século XX. Estreou-se na ficção com O Criador de
Letras ,um romance inspirado no tema da criação do alfabeto, tendo como
cenário a vida quotidiana no Antigo Próximo Oriente.
Interessado desde muito novo pelos temas científicos, fundou o Centro de
Estudos das Ciências da Natureza, ao qual continua ligado honorariamente
e prestando colaboração na área da Botânica.
No campo do ensino e formação tem vindo a
orientar estágios profissionais de Tecnologias de Comunicação na
especialidade de Psicologia da Leitura.
Ficcionista, publicou o romance «Botânica
das Lágrimas». |