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Pedro Foyos........ |
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Na
morte de Rogério Fernandes |
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Tive uma vida académica privilegiada
quanto a grandes professores. Cito dois, apenas no segmento dos
historiadores e filósofos notáveis: Joel Serrão e Rogério Fernandes.
Mais tarde, já jornalista, entrevistei-os a quase todos, com a prosápia
de quem deseja demonstrar aos mestres que o antigo e inexperto
praticante da vida airada fizera-se gente e por nada no mundo os
deixaria ficar mal.
A entrevista a Rogério Fernandes,
publicada em 1961, foi muito golpeada pela Censura. O movimento
existencialista alvoroçava então uma parte da juventude universitária e
tentei que o meu professor abordasse o tema numa linguagem acessível. As
provas de Censura, que preservo e acabo de revisitar, são bem
esclarecedoras da ingratitude de tal missão. Os censores não permitiam
qualquer pensamento desenvolvido a partir de nomes como Sartre, Camus ou
Simone de Beauvoir (esta, aliás, não tardaria a entrar no Index
Prohibitorum, onde permaneceu largos anos). Mas o espírito
desassombrado e progressista do professor doutorado em História e
Filosofia da Educação ilumina-se nesta frase que, por inadvertência ou
insciência, a Censura indultou: «Importaria relacionar o ensino da
Filosofia com outros sectores da Cultura – o romance, o cinema, o
teatro, as artes plásticas. (…) No campo da Ética, por exemplo, seria
também interessante que os nossos manuais incluíssem documentação
apropriada sobre problemas da vida.»
Este era o professor que chegava à sala de
aula – aula de Filosofia! – com uma braçada de jornais e depois
convocava os alunos para a reflexão e discussão do noticiário do dia…
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Rogério Fernandes foi proibido de ensinar.
Nada de mais cruel poderá conceber-se em relação a uma pessoa que, tendo
nascido para ensinar, tendo o ensino como paixão e razão de vida, se vê
expulso do ensino. Essa era uma das nossas cumplicidades. Eu conhecia
bem o drama. Quando nasci já o meu avô paterno se encontrava igualmente
proscrito («de todas as escolas do País»), ele que havia sido uma figura
prestigiosa na democratização do ensino durante a I República, director
de um estabelecimento histórico, o Colégio Parisiense em Lisboa, e que
Salazar condenaria a viver até ao último dos seus dias a dar explicações
particulares numa exígua sala de um terceiro andar da Av. Sacadura
Cabral, em Lisboa. De permeio ia publicando manuais escolares, abarcando
todas as disciplinas, da Gramática à Aritmética e Geometria, pois
existiam duas chancelas editoriais sempre solidárias para com os
desterrados pelo regime (a Biblioteca Cosmos, fundada por Bento Jesus
Caraça, e a Gomes & Rodrigues, no Largo de D. Estefânia, aonde o meu avô
me levava pela mão, a outra apertando pundonorosamente o manuscrito.)
Depois do 25 de Abril, o nome de Rogério
Fernandes readquiriu notoriedade, também como reformador. Foi um dos
impulsionadores das reformas do ensino primário, ficando a dever-se-lhe
em grande parte o prolongamento da escolaridade obrigatória. Durante
dois anos exerceu o cargo de director-geral do Ensino Básico, logrando a
concretização de projectos que acalentava há décadas.
Acompanhei à distância a sua dissidência
partidária. Chegou a sentar-se no Parlamento como deputado do PCP, mas
nunca o consegui ver sob o fato apertado de “homem de partido”. Não me
surpreendeu por isso o termo de uma militância (sempre ao lado de outro
historiador, Augusto da Costa Dias) que remontava a uma das épocas mais
ominosas da Ditadura. Esses são episódios da pequena crónica. A grande
crónica para a qual quero reverter a memória terna de Rogério Fernandes
é a do tempo do heroísmo sem heróis, das solidariedades singelas e tão
imensas. Por exemplo, a solidariedade sem história que o envolveu quando
foi director da Seara Nova, uma das raras vozes da
resistência. Eu conto:
A situação financeira da revista era
aflitiva. Do ponto de vista empresarial, os “quadros” confinavam-se ao
próprio director e a parcos colaboradores voluntariosos que, remunerados
precariamente, amanhavam como podiam o expediente administrativo.
Tamanha era a penúria que nem dinheiro havia em caixa para o cíclico
recrutamento do pessoal incumbido de uma operação crucial – as etiquetas
postais. Demoraria ainda o advento das fotocópias, e cada número da
publicação – adquirida sobretudo por meio de assinatura – implicava a
escrita à mão, a partir de ficheiro, de alguns milhares de etiquetas
para a expedição pelos correios.
Certo dia, os jornalistas do diário
República tiveram conhecimento da dramática situação. A
Seara Nova estava impressa, pronta a ser expedida para os
assinantes, e o director Rogério Fernandes passara toda a noite a
escrever etiquetas. E que só ia na casa das poucas centenas. De imediato
se organizou um plano socorrista, por turnos, com o fim de, sem
prejuízo do serviço do jornal, se acudir à crise seareira. Foi assim que
eu e outros jornalistas fizemos nessa tarde e noite sucessivas viagens à
sede da revista para copiar milhares de nomes e respectivos endereços.
Procedimento repetido, pelo menos, em dois números sequentes da revista.
E numa dessas vezes, se bem me lembro, só por minha conta ficaram
manuscritas trezentas fichas. Com elevado esmero caligráfico para não
haver extravios. |
http://ogalodebarcelosaopoder.blogspot.com/search/label/Tra%C3%A7o%20Descont%C3%ADnuo |
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Pedro Foyos nasceu em Lisboa, Portugal, em
1945. Perfazendo uma carreira profissional de mais de quarenta anos como
jornalista e director de publicações, dedica-se também, atualmente, à
literatura de ficção e de divulgação de temas das Ciências da Natureza.
De entre os órgãos de informação onde trabalhou destacam-se o diário
República (único jornal de oposição à ditadura de Salazar) e o Diário de
Notícias. Neste jornal de referência na imprensa portuguesa integrou a
direção de redação, sendo responsável, nomeadamente, pela revista
dominical e edições especiais. Fundou a revista Nova Imagem, da qual foi
director durante seis anos, e mais tarde a coleção Grande Reportagem.
Foi presidente durante uma década da
Associação Portuguesa de Arte Fotográfica, tendo nesse período fundado e
dirigido o Anuário Português de Fotografia.
É autor dos livros O Jornal do Dia e A
Vida das Imagens. Organizou, a convite da Imprensa Nacional, uma
antologia histórica, em dois volumes, consagrada a grandes momentos do
jornalismo português no século XX. Estreou-se na ficção com O Criador de
Letras ,um romance inspirado no tema da criação do alfabeto, tendo como
cenário a vida quotidiana no Antigo Próximo Oriente.
Interessado desde muito novo pelos temas científicos, fundou o Centro de
Estudos das Ciências da Natureza, ao qual continua ligado honorariamente
e prestando colaboração na área da Botânica.
No campo do ensino e formação tem vindo a
orientar estágios profissionais de Tecnologias de Comunicação na
especialidade de Psicologia da Leitura.
Ficcionista, publicou o romance «Botânica
das Lágrimas». |
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