LAIO OU O PODER
Cunha de Leiradella
www.triplov.org 16-01-2005
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LAIO OU O PODER
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RAGÉDIA

MENÇÃO HONROSA NOS
PRÊMIOS GARRETT 1987 - LISBOA, PORTUGAL
REGISTRADO NA SOCIEDADE BRASILEIRA DE AUTORES TEATRAIS

CUNHA DE LEIRADELLA
Casa das Leiras
São Paio de Brunhais
4830-046 - Póvoa de Lanhoso - Portugal
Telefone: 253.943.773 - E-mail: mailto:leiradella@sapo.pt

O PRIMEIRO LIVRO DE TIRÉSIAS
CHAMADO
A CASA DOS LABDÁCIDES

A criação do primeiro

1   No princípio era o Caos.

2   E tudo era sem forma e sem vida, e nada havia por dentro e por fora do Caos.

3   E o Caos quis ocupar o nada. E criou a Noite e a Noite reinou sozinha na imensidão desconhecida.

4   E o Caos criou o Érebro e a imensidão foi dividida.

5   E disse o Caos: Haja forma. E o Érebro e a Noite se conjugaram e houve forma.

6   E viu o Caos que era boa a forma. Mas não havia luz, nem sombra.

7   E disse o Caos: Haja luz. E o Érebro e a Noite geraram o Éter e o Dia, e fez-se a luz.

8   E no começo do começo dos tempos e das coisas reinavam o Éter e o Dia. Mas nada mais havia sobre o volume da forma, nem da luz.

9   E disse o Caos: Haja vida. E o Éter e o Dia geraram Gaia e Ouranós, e a vida se espalhou sobre o volume da forma e da luz.

10   E disse o Caos: Haja começo e haja fim. E dormiu na Noite e o Destino foi gerado, e tudo na forma e na luz se ordenou.

 

A criação dos segundos

1   Estes são os princípios da terra e do céu, e de tudo que existe. Das ervas e das árvores, dos peixes e dos rios, dos lagos e dos mares, dos animais e das aves.

2   E do Sol, filho de Ouranós.

3   E a terra tinha luz e tinha sombra e tudo nela se gerava e produzia.

4   E as ervas e as árvores se geravam e produziam, e atapetavam de verde as superfícies. E os rios e os lagos e os mares se geravam e produziam, e se enchiam de algas e de peixes. E os campos e as colinas se geravam e produziam, e se povoavam de aves e animais.

5   E o Sol iluminava a terra e a aquecia.

6   E Gaia e Ouranós reinavam e resplandeciam em todos os princípios.

7   E os animais e as aves e os peixes e as plantas, e tudo que era vivo na superfície da terra cresceu e se multiplicou.

8   E disse Ouranós: Haja uma vida que reine sobre todas as outras vidas. E do seio da terra brotou o homem e reinou sobre todas as vidas da superfície.

9   E Gaia e Ouranós disseram: Eis o nosso filho que nos honrará e colherá os frutos dos nossos ventres. E o homem gerou e produziu, e a face da terra se cobriu de homens que geraram e produziram, e cresceram e se multiplicaram.

10   E o Destino, filho do Caos e da Noite iniciou os assentamentos do seu livro e nele escreveu sobre todos os homens que povoaram a terra.

11   E Gaia e Ouranós geraram a Titã e a Cronos, e geraram a Cibele.

12   E Cronos escalou o céu e depôs Ouranós e escalou a terra e depôs Titã, e reinou em seu lugar.

13   E tomou por esposa Cibele e a teve, e nela gerou filhos.

14   E os filhos de Cibele e de Cronos se chamaram Zeus, Poseidon e Hades.

15   E reinaram sobre a terra e sobre tudo que nela havia, e a dividiram em três reinos.

16   E chamaram os seus reinos de reino da terra e da luz, reino dos mares e das águas e reino dos infernos e das trevas.

17   E Zeus reinou na terra e na luz e Poseidon reinou nos mares e nas águas e Hades reinou nos infernos e nas trevas.

 

A criação dos terceiros

1   Estes são os princípios dos conhecimentos e das dúvidas, e das maldições da humanidade.

2   E conheceu Poseidon a Líbia, a ninfa do mar, e a teve e ela concebeu, e dela nasceu um varão, Agenor.

3   E cresceu Agenor amado por sua mãe e protegido por seu pai. E, conhecendo a idade da razão, foi-lhe dado o reino de Fenícia.

4   E governando Agenor com acerto, foi-lhe dada por esposa Agríope, a nobre sobre todas as nobres.

5   E os dois tiveram quatro filhos. Tiveram a Cadmo, tiveram a Fênix, tiveram a Cilix e tiveram a Europa, a bela sobre todas as belas.

6   E sucedeu que, estando Zeus em Fenícia, viu Europa passear nas alamedas dos jardins do seu palácio.

7   E mandou Zeus que a trouxessem até si e Europa recusou.

8   E disfarçou-se Zeus num touro manso e foi passear nas alamedas dos jardins.

9   E gostou Europa do touro manso e lhe pôs flores nos chifres, e o montou.

10   E o touro arremeteu e correu, e Europa foi levada.

11   E aconteceu que Agenor soube do rapto e chorou, e mandou que todos procurassem sua filha.

12   E sucedeu que ninguém encontrou Europa, a bela sobre todas as belas, e muito lamentou Agenor a sua sorte.

13   E mandou a seus filhos que saíssem por toda a terra e procurassem Europa e não voltassem sem ela.

14   E eles foram e não voltaram, pois não encontraram Europa nos seus caminhos.

 

A fundação de Tebas

1   E aconteceu que Cadmo, o primogênito, chegou à Grécia.

2   E foi consultar o oráculo, ainda procurando sua irmã. E o oráculo, por vontade de Zeus, nada disse de Europa, a bela sobre todas as belas.

3   E chorou Cadmo a irmã perdida e voltou a consultar o oráculo.

4   E foi-lhe dito que fundasse uma cidade. Um touro viria e lhe indicaria o caminho e o local.

5   E esperou Cadmo o touro por três dias e três noites. E, na manhã do quarto dia, apareceu o touro e levou Cadmo.

6   E foi Cadmo com o touro. E, onde o touro parou, construiu Cadmo uma grande cidade e lhe deu o nome de Cidade Tebas, em honra de Tebas do Egito.

7   E sendo Cadmo um homem bom e protegido da deusa Atena, ensinou aos gregos o uso do alfabeto.

8   E reinou Cadmo na sua cidade pelo espaço de quinze anos.

9   E sucedeu que não tendo Cadmo esposa muito lamentava a sua sorte.

10   E aconteceu que o deus Ares e a deusa Afrodite, condoídos, lhe deram em casamento Harmonia , sua filha.

11   E casou Cadmo com Harmonia e viveram mais dez anos sem descendência.

12   E sucedeu que, após esses dez anos, tiveram cinco filhos. Um primogênito, a quem deram o nome de Polidoro, e mais quatro, a quem chamaram Ino, Agave, Autonoé e Sêmele.

13   E aconteceu que Ares, ofendido com as infidelidades de Afrodite e não a podendo castigar, amaldiçoou seus filhos até à última geração das gerações.

14   E deu a sua filha Harmonia um manto onde juntou todos os crimes e sofrimentos conhecidos.

15   E aconteceu que Afrodite, não podendo desfazer a maldição, transformou Cadmo e Harmonia em serpentes, para fugirem do sofrimento.

16   E sucedeu que, tendo saído Polidoro em procura de seu pais e não os encontrando, volta para casa.

17   E vendo duas serpentes entrelaçadas no leito de sua mãe, puxa da espada e mata-as de um só golpe.

18   E saindo do quarto e encontrando Tirésias, o adivinho, lhe pergunta: Tu viste meus pais?

19   E Tirésias lhe responde: Tu próprio os mataste.

20   E Polidoro diz: Eu matei? Como poderia ter matado meus pais se só matei duas serpentes?

21   E Tirésias diz: Eram teus pais as serpentes.

22   E aconteceu que, conhecendo Polidoro todo o horror do seu crime, com a própria espada se trespassou.

23   E foi, então, que Lábdaco, seu filho, reinou em Tebas.

24   E sucedeu que era Lábdaco um príncipe sábio e todos o veneravam.

 

A maldição de Laio

1   E aconteceu que foi Tebas a guerrear com o país de Sicião.

2   E mandou Lábdaco que fosse seu filho Laio o comandante dos exércitos. E foi Laio o comandante.

3   E aconteceu que Lábdaco, querendo verificar em pessoa a coragem de seu filho, disfarçou-se em soldado de Sicião e foi para a batalha.

4   E sucedeu que Laio, no meio da batalha, matou seu pai como inimigo.

5   E regressando Laio a Tebas, vitorioso, soube que Lábdaco não estava na cidade.

6   E mandou Laio que procurassem a Lábdaco. E foram procurá-lo e não o encontrando, disseram: Para que queremos nós um rei que não comanda os seus exércitos?

7   E aclamaram Laio rei de Tebas.

8   E disseram os nobres ao novo rei: É necessário que te cases e dês a Tebas um herdeiro.

9   E aconteceu que chegou a Tebas Meneceu, príncipe de Corinto, filho de Antíope, filha de Niteu. E, com ele, seus filhos Creonte e Jocasta, a virgem sobre todas as virgens.

10   E sucedeu que os nobres voltaram a Laio e repetiram: É necessário que te cases, ó rei. Tebas assim o quer.

11   E disse Laio: Agora me casarei, pois encontrou Laio a sua igual.

12   E querendo saber se poderia ser feliz, já que tinha ganho todas as batalhas, mandou Tirésias consultar o oráculo.

13   E partiu Tirésias para Delfos uma semana antes da boda.

14   E foi Tebas possuída de grande alegria e grandes festas se fizeram.

15   E aconteceu que Tirésias voltou no dia do casamento.

16   E logo que o viu foi Laio ao seu encontro e perguntou: Que te disseram os deuses, ó servidor de Lóxias, o deus Apolo?

17   E Tirésias respondeu: Estas foram as palavras, ó ilustre: Vive a tua vida como quiseres, mas o primeiro filho que fizeres te matará.

18   E aconteceu que os nobres escutaram e disseram: Laio não pode recuar. Tebas precisa de um herdeiro.

19   E disse Nícias, o filho de Fraédimo: Laio não recuará. Laio é o rei de Tebas e nunca os reis de Tebas recuaram.

20   E Laio não recuou e tomou Jocasta por esposa.

21   E assim foram os dias de Laio, que reinou mais dez anos sobre Tebas, mas sem gerar filho de Jocasta.

22   E aconteceu que os nobres, descontentes, incitaram o povo à revolta.

23   E foi Tirésias com eles.

24   E sucedeu que Laio, avisado por Nícias, mandou dar ao povo o trigo dos celeiros.

25   E o povo aclamou Laio e Laio mandou prender Tirésias.

26   E aconteceu que Tirésias não foi preso, avisado por Creonte.

27   E sucedeu que Laio, não tendo mais trigo para dar e temendo que se cumprisse a maldição, decidiu matar os deuses.

28   E Laio matou os deuses mandando apregoar em Tebas um decreto.

29   E Laio disse: Não se cumprirá mais a profecia. Mortos os deuses, morrerá também a maldição.

30   E aconteceu que os tebanos, não podendo mais rezar aos deuses da cidade, abandonaram Tebas e seguiram a Tirésias no exílio.

31   E os nobres voltaram a Laio e disseram: Tebas precisa de um herdeiro que te possa suceder. Os inimigos vigiam.

32   E disse Laio aos nobres: Há paz em Tebas.

33   E os nobres responderam: Há paz em Tebas, nós sabemos. Mas os inimigos continuam vigilantes. Se não deres a Tebas um herdeiro, nós daremos a Tebas outro rei.

34   E disse Laio aos nobres: Eu sou o rei de Tebas.

35   E os nobres responderam a Laio: Se és o Rei de Tebas, então cumpre o teu dever.

36   E assim nasceu de Jocasta um varão, depois chamado Édipo, os pés inchados.

37   E houve em Tebas grandes festas e Tirésias voltou a ofertar no templo do deus Apolo.

38   E aconteceu que Laio, temeroso que se cumprisse a profecia, mandou um escravo levar o filho ao país de Sicião e lá matá-lo.

39   E sucedeu que o escravo, temendo por tal crime, abandonou a criança no monte Citerão.

40   E Laio, considerando o filho morto, reinou, feliz, mais vinte anos sobre Tebas.

41   E aconteceu que, passados esses anos, viajando Laio a Delfos, a consultar o oráculo, foi morto por um homem, numa briga de caminho.

42   E esse homem tinha por nome Édipo, os pés inchados.

43   E sucedeu, assim, que a profecia se cumpriu e permaneceu maldita a Casa dos Labdácides.