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Só em 1309 o mesmo rei funda em Coimbra o Estudo Geral, para ensino da Sacra Página, Decretais, Leis, Medicina, Dialéctica e Gramática. Finalmente, ele situa-se nos primórdios da fundação da Ordem Dominicana. Com a Medicina, ele é também um homem de vanguarda: esse ensino ainda não existia em Portugal, no reino havia falta de médicos, Frei Gil será dos primeiros escolares a beneficiarem das bolsas de estudo concedidas com o fim de os estudantes do mosteiro de Santa Cruz irem a Paris tirar o curso. Com que intenção terá um jovem bem nascido, rico, tirado o curso de médico, se, como apurou João Oliveira, o médico não só era mal visto como ganhava três vezes menos que um tabelião? O rei podia estar interessado em médicos, mas a Igreja nem por isso, pois a fé bastava para curar. Frei Gil é o homem das três ciências, e a maior de todas, diz o Demónio, é a Magia. A batalha vai travar-se entre as duas ciências do sobrenatural: Magia e Teologia. Uma vez que Gil se converte e abandona a Magia, diríamos que venceu a Teologia, outra forma de medicina. Ele é chamado médico das almas, na fase em que proliferam os milagres, já depois de recuperado o contrato feito com o Demónio. A Medicina não tem importância na narrativa, os autores sabem que ela trabalha no domínio das coisas naturais, e o natural é uma categoria de realidade inferior. Em aparência, dada a espectacularidade e quantidade dos milagres, que incluem ressurreição dos mortos, a Teologia é a mais poderosa das ciências, pois fornece cura para todas as doenças. Acontece que nem os clérigos acreditam nestas histórias. O tradutor de André de Resende queixa-se de que ele está sempre a fazer troça, outros desesperam-se porque os autores antigos escrevem em latim bárbaro e cometem erros inexplicáveis, temos em cena uma Academia das Ciências a reclamar para ela uma literatura egidiana - e que literatura é essa, saída da Academia das Ciências? Como seria de esperar, é uma literatura que está do lado da Medicina e da Magia, não do lado da Teologia. O ponto de vista académico ilumina o alquimista, o nigromante. E que pode saber a Academia das Ciências que não saibam os clérigos cuja hermenêutica se faz exclusivamente na linha da medicina das almas, ou seja, da vitória da Teologia sobre a Magia? A Academia, instituição de origem maçónica, sabe ler nas entrelinhas. Quem hoje detém as chaves da Tradição e se esforça por conservar os conhecimentos do esoterismo é a Maçonaria. Se a Academia das Ciências leva a sério o que para uma mente positiva, ou mesmo positivista como é o caso de Teófilo Braga, que escreve a mais monumental obra sobre Frei Gil, não passa de um acervo de patranhas, em que nem os dominicanos acreditam, é porque as patranhas são forma discreta de falar. |
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