A circunstância geral era promissora de mais saber e poder no futuro. Todavia, os tempos comportavam sucessos e indecisões. Por um lado, adquiridos espectaculares e, por outro, complexidades cada
vez maiores.
A globalização técnica - telégrafos, telefones, pontes, cabos
submarinos, automóveis, aviões, cinema, fotografia - trazem para
o género humano utopias optimizadas pelas Grandes Exposições:
Londres (1851,1862), Paris (1855,1867,1878,1889, 1900), Porto
(1865), Viena (1873), Rladélfia (1876), Barcelona (1888), Chicago
(1893), Bruxelas (1897).
Pense-se na Europa como núcleo dinamizador, acrescente-se-Ihe
um continente americano que vai aderindo, juntem-se-Ihe as
colónias olhadas como fornecedoras de matérias primas e mercados
potenciais, salpique-se o conjunto de orientalismos transformados
em moda. Temos, assim, os horizontes geográficos mais densos,
por onde fervilham os gabinetes governamentais, as associações
industriais com peso, as academias com maior dinamismo, os
grupos intelectuais ou artísticos e as tertúlias mundanas que fazem
as grandes exposições do século XIX.
Países, muitas vezes em guerra, procurando formas de união,
reais ou ilusórias, para exorcizar os conflitos. Porque assim é,
festejavam a Igualdade, Liberdade e Fraternidade (Paris 1889) ou a
chegada de Colombo às Américas (Chicago 1893). Símbolos
contraditórios, é bom lembrar, de aproximações históricas, nem por
isso menos relevantes.
Capitais dimensionadas pela 2a revolução industrial, mantidas
por urbanismos cheios de marcas tradicionais precisando de área
para crescer. Razão, entre outras, porque os majestosos pavilhões,
mesmo de encantar, sejam construídos nos limites de uma condenação quase imediata: a demolição ou o fogo. Elites enebrecidas pelas
novidades que parecem sem termo, embora a grande maioria das
gentes continue, no quotidiano, à margem das palmas efusivas das
inaugurações. Daí que estes espaços mostrem à evidência como se
podem montar, com grandiosidade, beleza e sucesso, as forças
e fraquezas de um determinado esquema civilizacional. É bem
verdade que estes eventos nascem de uma quantidade de
conceitos fragilizados, passíveis de serem ligados a tantos outros,
como fantasias efémeras, sonhos perecíveis, projectos megalómanos.
Associações acontecendo com propriedade e rigor. Não obstante,
passam por aqui, não se duvide, mostras efectivas do que de
melhor se produziu em criatividade, à escala maior, entre 1851 e
1900. E também passam por aqui formas maiores do primado
demagógico do ver.
Este mundo, repita-se, é uma circunstância global predominantemente europeia, com algumas saídas e entradas para o além-mar.
A Europa está assombrada pelos adquiridos científicos e técnicos,
na sua expressão industrial mais viva. Lado-a-lado, o engenho
teórico-experimental, com os aparatos laboratoriais respectivos,
sempre envolvidos por umas tantas engenharias. Lado-a-lado,
sequências do sistema produtivo, no que ele tem de mais avançado,
ou de produtos já acabados, espacializados segundo modelos
classificativos, onde prevalece o objecto distribuído por grupos e
sectores.
Por toda a parte, o estigma maciço das máquinas, com especial
relevo nos pavilhões que as acolhem com estatuto de presença
privilegiada. Por toda a parte, a mensagem da produção, identificada
com o lucro, sem esquecer certas preocupações de ordem social.
Facto individualizado que possibilita uma visibilidade própria: o
percurso expositivo está montado para que a energia produtiva, a
nível do emissor, transmita um dinamismo propulsivo e optimista ao
receptor.
Por isso, o público - elite financeira, turista intelectual, cooperação operária, visitante lúdico, etc. - completa a visita com uma
sensação muito especial: ser homem é pertencer a uma comunidade
geradora de futuro, destinada a progredir na redundância do êxito.
A visibilidade do sucesso futuro já pertence ao presente.
Paradoxalmente, ou talvez não, a mística do trabalho em posição
de destaque. Este modo como o racionalismo investe na ocupação
do tempo, quando o domestica pela disciplina normativa de
horários rígidos ou sirenes, retira das grandes exposições, também
chamadas "festas do trabalho», momentos de culto com ritmos
especiais. O culto constrói-se no interior de pavilhões = catedrais,
com comissários reais/ imperiais = oficiantes, embelezados por
espaços veneráveis = estéticas religiosas, numa sequência periódica
= ritos entre trabalhos e dias.
Os regulamentos e relatórios, catálogos, notícias, recortes
publicitários ou panfletos, que abundam em qualquer circunstância,
exprimem a contextualidade dos eventos e suas repercussões. Junte-se ao demais belas-artes sobranceiras, artesanatos sofisticados, vidros requintados, ourivesarias e porcelanas, mobiliários
sugestivos, e ter-se-á uma outra vertente - o mundo artístico e
decorativo, o conforto e o belo útil, entre a tela imensa de Delacroix
e a jóia art nouveau.
Neste particular, o mundo das formas veículado pelas grandes
exposições mostra facetas buriladas pela criatividade mais sublime,
enquanto que a sucessão dos estilos é interpretada, um tanto
distorcidamente, como nota de progresso. Se os Palácios de Cristal
cintilam por fora, entre superfícies de vidro e estruturas férreas, por
dentro cintilam os resultados máximos a que chegou o género
humano. Não admirará, por certo, que se lembre quanto esta
situação não é inteiramente pacífica, pois foi merecendo
posicionamentos diferentes, por parte do espírito crítico, ao longo
dos anos. Na verdade e apesar da tendência contra só poder ser
pensada nos limites impostos pelo sistema epistémico dominante, o
espírito crítico do século XIX concretizou várias atitudes de
discordância e cepticismo face a estes espectáculos. Apesar de tudo,
Charles Baudelaire não deixa de se interrogar.
Justificações de carácter económico, razões de Estado, polémicas
urbanísticas, querelas artísticas, denúncias da classe operária,
sempre acompanharam os projectos arquitectónicos, as inaugurações faustosas, as recepções das representações estrangeiras, com
discursos mordazes: bailes, congressos, reuniões culturais,
espectáculos foram motivo de chacota. Soam assobios e pateados
por parte de muitos. A ponto de não haver exposição que
não tivesse sido desrespeitada e achincalhada. No entanto, lá
continuaram a ser planeadas e executadas, mesmo quando o país
de acolhimento vivia uma grande crise, a paz mundial estava em
perigo ou o bom-senso comprovava o seu contrasenso. Porquê?
Porque o capitalismo emergente percebia quanto tratavam a
mercadoria multiplicável como um meio de onde poderia retirar
dividendos; percebia igualmente como o cenário concertado e
controlado, logo diferente da espontaneidade popular, evoca
emoção nas multidões, melhor ainda quando têm o cenário de
comemorações e centenários. Percebia, finalmente, porque se
jogavam ali atributos adequados à especificidade da memória
colectiva, sempre que ela se servia do passado para justificar
historicamente as leis do mercado a que obrigava o presente.
Do interior são sistemas de pensamento, interesses financeiros,
estádios sociais, discursos empolgados, um conjunto de coisas e
palavras que acabam por actuar como condicionantes, ou modelos,
intervindo por força de planos associados ao ideário positivista.
Deste ideário ressaltam orientações de princípio em torno do sempre
invocado género humano. No abuso, a época expressa ou deturpa,
com imensa frequência, a ideia alargada de próximo. No meio de tudo isto, Lagrange, Rousselot, Teilhard de Chardin
entre muitos mais. Move-os a coerência e autenticidade de quem
se mete na crise modernista e luta afincadamente para encontrar
argumentos de peso, no sentido de coroar todo este optimismo com
a coinciliação entre ciência e crença.