1. Infelizmente, temos ainda bem presentes os horrores que fizeram um argumentista actual pôr na boca do “diabo” (no filme “Advogado do Diabo”) esta frase: Este é o meu século! De facto, a primeira e a segunda guerras mundiais, os goulags de todas as cores políticas, Hiroshima e Nagasaki, parecem não constituir grandes motivos de esperança… Mas, foi também a necessidade premente de fazer alguma coisa, a consciência da necessidade de defender a dignidade humana que levaram à criação das Nações Unidas e à redacção da Declaração Universal dos Direitos Humanos , adoptada pela Assembleia Geral da ONU em 10 de Dezembro de 1948.
2. Diferenças em relação à DDH de 1789:
- insiste-se na igual dignidade de todos os seres humanos (desaparecendo a referência à “natureza”) (Preâmbulo);
- a declaração tem um alcance universal (atinge todos os povos e nações), considerando essencial desenvolver relações amistosas entre as nações (Preâmbulo);
- prevê a promoção destes direitos e liberdades através de medidas progressivas de ordem nacional e internacional (Preâmbulo);
- refere-se à igualdade de direitos dos homens e das mulheres (Preâmbulo);
- invoca a fraternidade (palavra que não se encontra na declaração da revolução francesa (Art.º 1), assim como a consciência e não só a razão;
- alarga as áreas abrangidas pelos direitos e liberdades, condenando as distinções baseadas na raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou qualquer outra situação (Art.º 2);
- refere-se ainda a direitos em muitas outras áreas não mencionadas na declaração anterior: família, nacionalidade, direito de circulação, asilo, trabalho, salário, sindicatos, repouso, nível de vida suficiente, maternidade e infância, educação, vida cultural;
- as liberdades de pensamento, consciência, religião, opinião e expressão são formuladas de um modo mais radical (enquanto na declaração anterior se faziam ressalvas: desde que não se perturbasse a ordem pública estabelecida ).
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É frequente na filosofia política fazer-se referência à existência de três gerações de direitos humanos, correspondendo estas a três formas de encarar a aplicação dos direitos humanos (1):
- concepção liberal ocidental, que toma os direitos políticos e burgueses, acentuando a sua dimensão individual;
- concepção colectivista-marxista , que acentua os direitos sociais;
- concepção que acentua os direitos políticos colectivos , como, por exemplo, o direito à autodeterminação, ao desenvolvimento, à paz, ao equilíbrio ecológico, à comunicação.
1. Primeira geração:
- A concepção ocidental ou europeia concebe os direitos humanos sobretudo como direitos do indivíduo face ao estado e à sociedade, por outras palavras, como direitos negativos (liberdade perante, freedoms from …). Os direitos humanos serão aqueles que advêm ao ser humano da sua própria existência. O direito do indivíduo fundamenta-se na natureza humana (dignidade pessoal e autonomia moral). Portanto, os direitos humanos são, antes de mais, direitos morais para todos, em todos os tempos, em todas as situações.
- As liberdades de circulação, o respeito pelo indivíduo (respeito pelo domicílio, segredo de correspondência), a liberdade de consciência e de expressão são muito valorizadas. Outros elementos, digamos “mais colectivos” (ligados, por exemplo, à propriedade) são menos valorizados, ou encarados nesta mesma perspectiva individualista (favorecendo uma concepção burguesa…).
2. Segunda geração:
- Os direitos humanos são compreendidos como direitos colectivos e direitos para… (freedom to ). Fala-se, então, de direitos civis que devem ser garantidos pelo estado (intervenção nos campos sociais: economia, política, cultura). Valoriza-se menos a liberdade e mais a igualdade, em nome da qual, as liberdades individuais podem, até, ser restringidas. A concepção ocidental de liberdade é tida como expressão de uma concepção egoísta…
- Esta perspectiva – à qual corresponde o estado-providência – alcançou bastante na protecção dos direitos sociais, mas coloca-se a pergunta: Como exigir a não-intervenção, no domínio do espaço privado, de uma instância política á qual se pede que seja cada vez mais omnipresente na sociedade?(2) A consequência é a diminuição do espaço à iniciativa privada.
- Gerou-se, assim, um dilema entre liberdades e direitos, que Johan Galtung exprime assim: Uma lista das sete conquistas dos EUA (e das democracias ocidentais, em geral) incluiria certamente o primado da lei, assim como a liberdade de circulação dentro e fora do país, o direito à propriedade privada, a liberdade de pensamento, a liberdade de expressão, a liberdade de reunião e o direito a participar no governo. Todas estas sete conquistas eram fracas na União Soviética, apesar de terem todas melhorado nas condições da Glasnost/Perestroika (…). Os sete pontos dos quais a União Soviética na era de Gorbatschow se orgulhava, de um modo geral, eram coisas como o direito ao trabalho, a um salário suficiente para levar uma vida mais ou menos suportável, o direito ao descanso e ao tempo livre, a garantia da satisfação das necessidades básicas, sob a forma de alimentação, vestuário e habitação, assistência médica garantida, educação garantida a todos os níveis e o direito a participar na vida cultural; tudo coisas que estavam pouco desenvolvidas nos EUA (3).
3. Terceira geração:
- A compreensão dos direitos humanos afasta-se cada vez mais de uma concepção individualista para uma concepção colectiva. Os direitos humanos referem-se a povos e nações. Trata-se da questão de uma nova ordem internacional e da sua importância para a promoção efectiva dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Portanto, a questão já não se compreende nem individualística, nem apenas ocidentalmente – está em causa a igual dignidade de todos os seres humanos, em todas as latitudes.
- O critério decisivo é a solidariedade : os direitos são “direitos com…” (interacção entre as pessoas no contexto das nações e dos continentes, por exemplo, num horizonte de compreensão ecológico, que ultrapassa as fronteiras – questão da globalização!).
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(1) Jens Hinkmann, Philosophische Argumente für und wider die Universalität der Menschenrechte, Marburg , 1996, p. 10s.
(2) Haarscher, Filosofia dos direitos humanos, p. 49 .
(3) Johan Galtung, Menschenrechte – anders gesehen, Frankfurt, 1994, p. 25 (existe tradução portuguesa). |