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II |
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Cabe agora retomar as perguntas de há pouco. Perguntava-se, em primeiro lugar: “que luz uma reflexão teológica sobre o anúncio do Evangelho projecta sobre os direitos humanos?” À luz do que ficou dito sobre a íntima conexão em Deus, Senhor da Igreja e da História, entre a Boa Nova de salvação e os avanços da humanidade, parece dever responder-se, antes de mais, que a Igreja, cuja única missão é fazer chegar a salvação a todos os homens, não pode deixar de sentir solidária com tudo aquilo que contribui para a dignificação da criatura humana, como é o caso, e de forma eminente, do movimento dos direitos humanos. (Acrescento que não se vê que correctivos a Igreja tenha de introduzir no tratamento secular dos direitos humanos, que o seu movimento não tenha já nele introduzido) (1).. Mas exactamente por isso cabe, em segundo lugar, perguntar-se não tanto como é que a Igreja, portadora da Boa Nova, se interessa pelos direitos humanos, mas como é possível que se tenha passado tanto tempo sem se ver que a pregação do Evangelho implicava os direitos humanos? Como é que só 20 séculos depois de Cristo essa afinidade se tornou evidente e se concretizou? Tão tarde e tão pouco. É certo que o próprio Novo Testamento não tem posição clara sobre a situação da mulher, sobre a escravatura, sobre os limites do poder político, sobre o uso da tortura, e sobre outras situações muito generalizadas de injustiça, não tem, numa palavra, uma tomada de posição clara em matéria de direitos humanos. Desse silêncio, porém, não se pode concluir que as grandes questões sociais, e nomeadamente o reconhecimento dos direitos humanos, fiquem fora das perspectivas do Novo Testamento. Na lógica da parábola dos talentos (Mt 25:14-30), criados “à imagem e semelhança de Deus”, Criador e Senhor da história, constituídos “sal da Terra” e “luz do Mundo” (Mt 5:13,14), chamados a discernir e a realizar as exigências práticas do mandato da caridade, aos discípulos, como colaboradores de Deus, cabe encarnar, levar por diante e actualizar, nas diferentes situações concretas, sociais e históricas, a novidade da salvação. Confrontando a prática histórica dos cristãos com este “dever-ser” -que obviamente poderia ter sido-, não se pode deixar de referir a grave responsabilidade das nossas omissões colectivas. E, na busca de uma explicação, deve mencionar-se, creio, a operação pela qual a esperança cristã se viu progressivamente reduzida à expressão desincarnada e inactiva que lhe conhecemos. Complementarmente, tem de reconhecer-se a influência da evolução que fez um carisma particular, o da vocação monástica, com o seu “corte-com-o-mundo”, tornar-se o paradigma de todos os estados de vida cristãos, o modelo obrigatório de toda a santidade cristã. A enorme potencialidade da mensagem neotestamentária acabaria por ser valorizada pelos “de fora”, como, por exemplo, quando o Mahatma Gandhi se inspirou no Sermão da Montanha para criar a acção não-violenta, conforme dá testemunho na sua Autobiografia. Há excepções neste panorama geral, como é evidente. Apenas a título de exemplo e sem pretensões a ser exaustivo, mencionarei o facto de se admitir, de forma consensual, que o próprio movimento dos direitos humanos, nas suas origens modernas, muito deve à escola teológica de Salamanca de Frei Francisco de Vitoria e de seus discípulos: as suas contribuições, o pensamento teológico-jurídico dos seus sucessivos mestres, a abordagem moderna das questões, a importância reconhecida ao “direito das gentes”; o imperativo da justiça fazem já parte da história dos direitos humanos. Neste mesmo contexto, deve ser incluída a luta de Frei Bartolomé de Las Casas que, a partir da única forma admissível de evangelização, a forma pacífica, e em virtude dela, se constituiu o defensor dos indígenas das Américas e dos seus direitos. Mais perto de nós, parece justo mencionar quanto o movimento para a abolição da escravatura, a partir do início do século passado, primeiro no Reino Unido e depois, a partir daí, em todo o mundo, se ficou a dever à conversão evangélica de W. Wilberforce. |
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Notas | ||
(1) Penso, nomeadamente, na síntese que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) faz entre direitos humanos políticos e direitos humanos sociais, os primeiros afirmados primeiramente no quadro político liberal e acusados de “formais” pelos seus adversários, os segundos propostos e reconhecidos no contexto do movimento socialista. |
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