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Construir um espaço jurídico |
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Comecemos então reflectir como se constrói esse espaço jurídico no qual a liberdade humana pode e deve ser reconhecida. Das Declarações dos direitos clássicos podem-se reter alguns traços gerais. As Declarações combinam o principio do governo representativo e a afirmação duma vida humana ao mesmo tempo individual e social, desenvolvendo-se e regulamentando-se fora da sanção do estado. Esta legitimidade própria do social, é o que justifica em profundidade a separação de poderes. Como a sociedade não é integralmente representável deve beneficiar de sistemas de organização concorrentes. Para que a sociedade seja autónoma face ao Estado é necessário que ela seja á sua maneira fonte de direito. Esse direito, deve estar orientado necessariamente segundo a ideia de justiça. Mas, justiça não é moral, já que a moral é vivida subjectivamente e põe ao indivíduo exigências infinitas logo irrealizáveis ( é particularmente o caso da moral evangélica, já que a caridade não tem limites). A justiça, ainda que fundamentada no ideal moral estabelece exigências circunscritas determinadas, relativas a uma dada situação e cria direitos e obrigações que são recíprocas. A justiça é social ao mesmo tempo que é moral, é também lógica neste sentido de que tende a construir uma universalidade, um conjunto de regras a partir dessas particularidades, que são os sentimentos morais e os conflitos. A teoria do direito social, enquanto situa o direito saído do Estado entre outras fontes jurídicas, fornece um quadro essencial para aquilo a que podemos chamar a legitimação do social . Contrariamente ao direito romântico ( nostálgico da comunidade orgânica) o direito social não dissolve o direito dos costumes ou no espírito da nação, faz duma actividade jurídica multiforme, e do confronto permanente com os princípios universalizantes o próprio principio da vida pública moderna. Não se opõe de modo nenhum às declarações dos direitos, mas pelo contrário articula-se com elas. O direito enquanto expressão colectiva, é o cruzamento dum agente, dum grupo social, com um valor que ele incarna ao mesmo tempo que o faz viver. È uma tensão entre o particular e a aspiração ao universal, um factor de identidade que é ao mesmo tempo busca de comunicação. Mas devemos reconhecer que os direitos do homem são uma forma ambígua de entrar em relação com o universal, articulam o moral e o jurídico, e afirmam por outro lado, pela referência aos princípios da liberdade e da dignidade inalienáveis, que há no homem qualquer coisa que escapa a todos os poderes possíveis e a todos as definições exaustivas, ou seja, que o universal é uma questão em aberto e que nos interpela a todos . Não obstante as declarações de direito ligarem essa universalidade enigmática a instituições particulares segundo as características do momento histórico em que os textos foram escritos. Voltar aos Direitos dos Homens é para os ocidentais e paradoxalmente, aceitar a contingência da sua história, definir-se, não através dum projecto que seria o de organizar o mundo a seus pés, mas através dum acontecimento que lhes é próprio. Não se trata de renunciar à uma preocupação de universalidade, mas de renunciar á ambição de lhe fixar os princípios e as formas. Voltar ás declarações de direito é aceitar a contingência sem deixar de ter preocupação do universal, já que são essas as duas exigências da nossas convicções. Aceitação duma identidade cultural particular sem se cortar do universal. |
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Os Direitos Humanos confrontam a Igreja ? |
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Não foi a Igreja que despertou a corrente contemporânea atenta aos Direitos Humanos. Pelo contrário durante muitas décadas para não dizer séculos a Igreja opõe-se à ideia e à pratica dos Direitos Humanos. Esta situação que está na origem de tanto sofrimento e de tanta cegueira tem que ver com o bloqueamento provocado na Igreja pelo facto de que esta, até ao Concílio Vaticano II não ter reconhecido o direito à liberdade religiosa. Esta a fonte de tantos equívocos e verdadeiras injustiças . Já que para a Igreja e no referente aos Direitos do Homem o objectivo nunca poderia ser o de redigir uma doutrina cristã desses direitos. A Igreja, deve trabalhar para que seja elaborada uma verdadeira teologia da liberdade cristã. Nela, o cristão se inspirará para a promoção e a defesa dos direitos do Homem, face a qualquer Estado e no interior de todas as tradições culturais. Essa mesma teologia da liberdade cristã servirá a instauração dum autêntico direito institucional eclesial. Os últimos papas tal como o Concílio Vaticano II assumem a oposição que existiu durante muitos anos e justificam porque é que a Igreja de opositora deve passar hoje a promotora dos Direitos Humanos. È esse longo caminho que vamos recordar. È importante tomar consciência desta situação, para que uma vez realizado o “mea culpa” eclesial, os cristãos deste tempo se possam comprometer evangelicamente numa luta comum a todos os homens de boa vontade. João Paulo II, na carta encíclica – O Redentor do Homem – com a qual iniciou o seu pontificado, dedica uma parágrafo desse texto à questão : Direitos do Homem: letra ou espírito ? e Paulo VI seu antecessor foi considerado o papa dos Direitos do Homem. Nos finais dos anos 70, por exemplo, a conferência de Puebla abriu com estas palavras do presidente do CELAM . “ A tarefa mais urgente desta conferência consiste em proclamar a dignidade da pessoa humana e os Direitos Fundamentais do Homem na América latina, à luz de Jesus Cristo”. Particularmente atenta a estas questões, a Comissão Pontificia “Justiça e Paz” publicou em 1975 um longo documento de trabalho intitulado – A Igreja e os Direitos do Homem. Paulo VI dirigiu numerosas mensagens aos organismos internacionais que se dedicam à promoção e à defesa dos Direitos do Homem. Quem esteja atento à actualidade eclesial destes últimos 25 anos deve reconhecer que a promoção e a defesa dos Direitos do Homem tem sido uma das prioridades de pregação e do magistério episcopal através do mundo. Por outro lado deve referir-se a presença constante e obrigatória da Igreja em todas as conferências e cimeiras internacionais onde se abordam as questões dos direitos . Contudo, e em termos históricos esta é uma situação muito nova na vida da Igreja, que exige um esclarecimento. Nenhum de nós se lembra de ter aprendido no catecismo qualquer coisa que aparentemente tenha que ver com os Direitos do Homem. Por outro lado os que estão mais familiarizados com a história da Igreja sabem que no século passado, a Igreja se opões tenazmente aos Direitos do Homem. Lembremos alguns desses episódios. Em 1791, Pio VI na Encíclica Quod Aliquantulum declarava solenemente: “Haverá coisa mais insensata que propor uma tal igualdade e uma tal liberdade entre todos ?” Evidentemente que se fazia aqui referência ao tríptico exaltado pela Revolução Francesa – liberdade, igualdade, fraternidade - . Seis anos mais tarde, o mesmo papa afirmava ainda numa outra encíclica – Adeo Nota – “Os direitos do homem são contrários à religião e à sociedade ” Como se sabe as condenações de Pio IX no Sylabus ( 1864), ainda aumentaram mais o fosso entre o pensamento oficial da Igreja de então e os que lutavam pelo progresso e pelo liberalismo. “Durante séculos do Renascimento aos nossos dias aqueles que lutaram pelo reconhecimento das liberdades pessoais, que trabalharam pela instauração da liberdade civil e política foram encontrar quase sempre a Igreja no campo dos adversários e dando a esses a caução da sua autoridade intelectual e moral “ . Esta é uma afirmação do conceituado historiador Réné Rémond. Depois destas estrondosas afirmações, o papa Leão XIII, nos finais do Séc. XIX , iniciou um caminho de diálogo com o mundo contemporâneo, mas a história só reconhece em Pio XII o primeiro papa que fez uma certa ruptura com este passado. Em 1942, no apogeu do totalitarismo nazi e facista, o papa, numa célebre mensagem radiofónica, pede que sem se aguardar o fim das hostilidades, se redija uma declaração de princípios sobre a “ restauração de direitos, moral e juridicamente imprescriptiveis ”. Todavia só com João XXIII e particularmente após a publicação da encíclica Pacem in Terris em 1963, a Igreja adoptou uma posição radicalmente contrária à sua prática de quase dois séculos. O Concílio Vaticano II ratificou essa ousada tomada de posição de João XXIII ao declarar na Constituição Gaudim et Spes “ A Igreja em virtude do Evangelho que foi confiado proclama os direitos do homem, reconhece o dinamismo do nosso tempo que em toda a parte dá uma novo alento a estes direitos ( nº 41). Porque é que a Igreja se opôs aos direitos do homem nos séculos passados e hoje os promove ? Adivinha-se que a resposta não é fácil nem isenta de polémica e de várias leituras. Tanto assim é que o próprio João Paulo II, em 28 de Janeiro de 1978, ao inaugurar os trabalhos da conferência de Puebla afirmava : “ não é por oportunismo ou por fome de novidade que a Igreja “perita em humanidade”, se faz o defensor dos direitos do homem. È por causa de um autentico compromisso evangélico, o qual, como para Cristo, é um compromisso para com aqueles que são os mais necessitados. Ao defender-se desta crítica frente à Igreja contemporânea, o papa sabe, que ela não se refere somente à viragem efectuada na orientação pastoral da Igreja. O oportunismo viria também do facto de a Igreja se ter tornado defensora dos Direitos do Homem numa altura em que muitas correntes de opinião e de acção no mundo desses dias reivindicavam também essa promoção e defesa. Era o caso do presidente Carter nos Estados Unidos da América, que iniciara a sua carreira presidencial, lançando uma campanha de defesa dos Direitos Humanos, ou num quadro político diferente a repercussão da Conferência de Helsínquia nos finais dos anos 70. |
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