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3. 1. 2. Amós 9,7 e 1,3-2,3 | ||
Os Israelitas julgavam ser os únicos aos olhos de Iavé e de ter o seu monopólio. Pela boca de Amós, Iavé desengana-os declarando-lhes que eles não são mais do que qualquer um dos outros povos, por exemplo, os Cuchitas (1). Iavé é Senhor não só de Israel, mas de todos os outros povos. Iavé não se ocupa só de Israel, mas dirige a história de todos os povos, nomeadamente daqueles que foram muitas vezes os inimigos de Israel. Com efeito, Iavé fez subir não só Israel do Egipto, mas também os Filisteus de Caftor e os Arameus de Quir. Desse ponto de vista, todos os povos estão num pé de igualdade. Nenhum é superior aos outros. Isso não impede Amós de partilhar com os seus concidadãos a crença numa relação especial entre Iavé e Israel (Am 3,1-2). No entanto, Amós e os seus concidadãos tiram desse facto consequências diametralmente opostas. Ao passo que os seus concidadãos vêm na relação especial com Iavé um privilégio e a garantia da protecção divina (Am 5,18-20), Amós vê nela uma fonte de maiores exigências morais e uma maior severidade no castigo das iniquidades, sobretudo das injustiças, de Israel. De maneira muito coerente, Amós afirma que a submissão de todos os povos a Iavé se estende também ao domínio moral. Nenhum deles escapa às exigências morais de Iavé, o qual pede contas a todos eles. Iavé condena Damasco por ter cometido actos particularmente crueis em contexto bélico (Am 1,3) (2), Gaza por ter deportado populações inteiras (Am 1,6), Amon por ter esventrado as mulheres grávidas de Galaad (Am 1,13) (3) e Moab por ter profanado os ossos do rei de Edom (Am 2,1). Trata-se nos quatro casos do que nos termos do direito internacional moderno chamaríamos crimes contra a humanidade. Por falta de conhecimento da história dos povos em questão cerca de meados do séc. VIII a. C., não é possível identificar os acontecimentos a que Amós se refere. É natural que Amós condene os crimes de Damasco e de Amon pois as suas vítimas eram israelitas. As populações deportadas pelos Filisteus não estão identificadas. Seriam também elas israelitas? Seja como for, a profanação dos ossos do rei de Edom pelo rei de Moab não parece ter nada a ver com Israel. Se tal é o caso, a sua condenação significa que para Amós existe uma lei moral que rege todos os povos e perante a qual todos os povos são iguais (4). Correlativamente, Amós suporia de algum modo a existência de direitos humanos. |
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3. 1. 3. Isaías 19,23-25. | ||
Ao pôr num pé de igualdade o Egipto, a Assíria e Israel, Is 19,23-25 é um dos textos bíblicos mais claramente universalistas. |
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3. 2. « Israel » povo à parte e a questão dos direitos humanos | ||
Para as tradições bíblicas os antepassados de Israel não eram originários de Canaã, mas imigrados nessa terra. Essa imigração teria sido da iniciativa de Iavé, o deus de Israel. Iavé prometeu ao seu povo dar-lhe a terra de Canaã e cumpriu a promessa. Arrancou-o da escravidão do Egipto, levou-o para Canaã e deu-lhe a posse desse país. Há até mais do que uma versão das circunstâncias nas quais Israel tomou pé em Canaã. Cada uma dessas versões supõe um tipo diferente de relações com os outros povos de Canaã. Esses tipos de relações são particularmente pertinentes para a questão dos direitos humanos. | ||
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3. 2. 1. « Israel », o instrumento de que Iavé se servirá para abençoar todos os povos (Gn 12-25) |
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Os relatos patriarcais, sobretudo os relatos sobre Abraão, dão a imagem de uma imigração pacífica dos antepassados de Israel para Canaã e de uma coexistência harmoniosa com a população autóctone. Os conflitos que surgem, por exemplo, a querela entre Abraão e Abimelec por causa de um poço (Gn 21,25-32), são normais entre vizinhos. Além disso, a relação especial de Iavé com Abraão, longe de ser exclusivista, tem uma função universal, pois a bênção que Iavé concede a Abraão deve propagar-se a todos os povos da terra (Gn 12,1-3) (5). No entanto, esta versão das relações entre Israel e os demais povos de Canaã está longe de ser a mais corrente. Fora das narrativas patriarcais, as relações entre Israel e os demais povos de Canaã estão geralmente sob o signo da exclusão e do conflito. Segundo a versão mais corrente, Israel impôs a sua presença em Canaã pela força das armas. Instalou-se nesse país após tê-lo invadido e conquistado militarmente. |
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Notas | ||
(1) Habitantes da região que se estende do Alto Egipto à Etiópia. Nada indica que Amós menciona os Cuchitas por serem « um povo perdido nos confins do mundo », como sugere a nota da Bíblia de Jerusalém. Parece-me até mais provável que Amós mencione os Cuchitas por causa do grande prestígio de que gozavam na Palestina (Is 18,1-2). (2) Repare-se que, segundo Mq 4,12-13, Iavé ordena a Sião proceder para com nações numerosas de uma forma que não é muito diferente da que Am 1, 3 condena. (3) A Bíblia fala várias vezes deste tipo de crime (2 R 8,12; 15,16 e Os 14,1). (4) S. Amsler, « Amos et les droits de l'homme », in J. Doré , P. G relot et M. C arrez (ed.), De la tôrah au Messie. Mélanges Henri Cazelles, Paris, Desclée, 1981, pp. 181-187. (5) Os estudos recentes parecem mostrar que, contrariamente à opinião corrente, Gn 12,1-4 é um texto bastante recente. Expressa uma versão das origens de Israel em Canaã dada pelos « retornados » de Babilónia a partir do 3 o quartel do séc. VI a. C. J. L. S ka , « L'appel d'Abraham et l'acte de naissance d'Israël. Genèse 12,1-4a », in M. V ervenne and J. L ust (ed .), Deuteronomy and Deuteronomic Literature. Festschrift C. H. W. Brekelmans (BETL, 133), Leuven , University Press – Peeters, 1997, pp. 367-389. |
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