NOVUM ORGANUM
Francis Bacon

AFORISMOS SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA NATUREZA
E O REINO DO HOMEM
LIVRO II - AFORISMOS

Aforismo XLV
 

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em vigésimo primeiro lugar as instâncias da Vara 232 ou do Raio, 233 a que também costumamos chamar de alcance 234 ou de non ultra. 235 Pois, de fato, as forças e os movimentos das coisas não se desenvolvem em espaço indefinido ou acidental, mas em espaço definido e determinado; por isso, no estudo das naturezas singulares, é de grande importância para a prática determinar esses espaços, não só para evitar que venha a malograr, como também para torná-la mais ampla e eficaz. Por seu intermédio, às vezes, é possível aumentar artificialmente a sua força e, por assim dizer, aproximar as distâncias, tal como ocorre com o uso dos óculos (ou telescópios).

Essas forças, em sua maioria, só agem quando há contato mani­festo, como ocorre no choque dos corpos, onde o corpo se move comunicando o movimento unicamente por contato. Também nas medicinas para aplicação externa, como os ungüentos, os emplastros, exercem as suas forças através do contato. Enfim, os objetos não são percebidos quando ficam pelo menos em continuidade com os órgãos respectivos.

Há ainda outras forças ou virtudes que operam a distância e até agora só algumas poucas foram notadas, embora muito mais numerosas do que se possa pensar. Como, para citar exemplos comuns, o âmbar e o azeviche, que atraem felpas; as bolhas de água, que aproximadas se fundem; algumas medicinas purgativas arrastam os humores das partes superiores do corpo, etc. E, ao contrário, a virtude magnética, pela qual o magneto atrai o ferro, o magneto atrai o magneto, atua num limite circunscrito do espaço; enquanto que, por seu turno, a virtude magnética, que emana da terra, um pouco abaixo da superfície, fazendo a agulha do ferro voltar-se para o pólo, age a grande distância.

Se há uma força magnética que atua, por consenso, entre o globo terrestre e os corpos pesados, ou entre o globo da lua e as águas do mar (que seria de se supor em vista dos fluxos e refluxos quinzenais), ou entre o céu estrelado e os planetas, pela qual são levados aos seus apogeus; se assim for, essa força atua a uma enorme distância. Há ainda matérias que se incendeiam a grande distância, como se diz da nafta da Babilônia. 236 Também a comunicação do calor, como a do frio, se cumpre a grande distância. Por exemplo, os habitantes do Canadá sentem de longe o frio que emana dos blocos de gelo, que se desprendem e que flutuam no oceano Atlântico, em direção às suas praias. O mesmo se pode dizer dos odores de pontos longínquos (embora em tais casos ocorra a emissão de corpúsculos) e disso têm prova os que navegam próximo às costas da Flórida ou de certas regiões da Espanha, com os odores que se desprendem dos bosques de limoeiros, laranjeiras e outras árvores aromáticas, ou de área coberta de árvores aromáticas, como alecrim, manjerona e plantas semelhantes. Finalmente, sejam lembrados os raios de luz e os sons que agem a grandes distâncias.

Todavia, todas essas forças, atuem a grande ou a pequena distância, certamente agem a distâncias limitadas e determinadas segundo sua natureza, de modo que constituem algo de não mais; e isso em proporção à massa ou à quantidade do corpo, à força ou a pouca intensidade da virtude, bem como aos corpos interpostos que a impedem ou auxiliam, tudo deve ser calculado e anotado. Também a mistura dos chamados movimentos violentos, como os de projéteis, canhões, rodas e coisas semelhantes, tem os seus movimentos fixos, pelo que também devem ser anotados com precisão.

Há, por outro lado, movimentos ou virtudes que agem melhor a distância que por contato, e ainda outros que operam com maior intensidade de longe que de perto. Por exemplo, a vista não funciona bem por contato, exigindo certo meio e distância. Isso a despeito de termos ouvido de alguém digno de fé que, enquanto era operado de catarata por um cirurgião (pela introdução de uma agulha de prata sob a córnea do olho, para desprender a película que forma a catarata e empurrá-la para um dos cantos do olho), via claramente a agulha movendo-se diante da pupila. De qualquer maneira, parece manifesto que os corpos maiores não podem ser distinguidos claramente senão no vértice do cone formado pelos raios que partem dos objetos a uma certa distância do olho; dessa forma, os velhos vêem melhor de longe que de perto. No caso dos projéteis, eles são mais fortes de longe que de perto. Este e outros exemplos, a propósito da medida dos movimentos, em relação à distância, devem ser anotados. Mas não pode ser desprezado um outro modo de se misturar os movimentos especiais. Não se trata dos movimentos lineares, progressivos, mas esféricos, ou seja, que se expandem em uma esfera maior, ou que se contraem em uma esfera menor. Com efeito, é necessário que se investigue em tais medidas de movimentos qual é o grau de compres­são ou extensão que os corpos, segundo sua natureza, suportam facilmente e sem violência, e em que grau começam a resistir até que não agüentam um não mais além, será o caso se se comprimir uma bexiga cheia, que suporta certa compressão de ar, mas, se aumentada, a bexiga não suporta e se rompe.

Procuramos, com um experimento delicado, e com mais exatidão, esse mesmo fenômeno. Tomamos uma campânula de metal, muito fina e leve, como as que se usam para saleiro; submergimo-la em uma cuba com água, de tal maneira a levar consigo ao fundo o ar encerrado em seu bojo. Colocamo-la lá no fundo, sobre um pequeno globo, antes já mergulhado, e obtivemos os seguintes dois resultados: sendo a esfera pequena em relação ao bojo da campânula, o ar se contrai, ocupando um menor espaço, sendo muito grande para que o ar facilmente recuasse; este, não suportando a grande pressão, elevava um dos lados da campânula, subindo à tona em pequenas bolhas.

Igualmente, para provar o maior grau de expansão do ar (como a sua compressão), procedemos da seguinte forma: pegamos um ovo de vidro, furado numa das pontas; por meio de forte sucção foi extraído o ar pelo orifício, tapando-o com o dedo; em seguida, mergulhamo-lo na água, retirando o dedo; com isso o ar, deformado pela tensão causada pela sucção e dilatado fora de sua dimensão natural, procurando, com isso, se contrair e se reduzir (de tal forma que, se o ovo não estivesse mergulhado na água, o ar teria sido atraído com um silvo), atraiu água em quantidade suficiente para que o ar ocupasse igual espaço ao que ocupava antes.

Assim, fica estabelecido que os corpos mais tênues, como o ar, também suportam uma notável contração (como dissemos); ao passo que os corpos tangíveis, como a água, muito mais dificilmente suportam a compressão e em menor extensão. Em outro experimento procuramos verificar até que ponto a suporta. Mandamos confeccionar uma esfera de chumbo oca, de uma ou duas pintas de capacidade, e seus lados eram grossos o suficiente para resistir com grande força: enchemo-la com água por um orifício, que foi, em seguida, tapado com chumbo derretido, de modo a ficar bem vedada; depois achatamo-la, com um martelo, em dois lados opostos. Com tal achatamento, necessariamente a água ocupava menor espaço, posto que a esfera e a figura eram de maior capacidade. Ficando já o martelo ineficaz, em vista da resistência da água, colocamo-la em uma prensa, apertando-a até o momento em que, não suportando mais a pressão, a água começou a destilar-se das paredes sólidas do chumbo, como delicada exsudação. Finalmente, calculamos o espaço perdido pela compressão e concluímos que a água se havia comprimido outro tanto, suportando uma pressão bastante violenta.

Os corpos mais sólidos, secos e compactos, como a pedra, a madeira e metais, suportam uma compressão muito menor e quase imperceptível, mas livram-se da violência a que são submetidos partindo-se, alongando-se ou com outros movimentos, como se observa no arqueamento da madeira e do metal, nos relógios que se movem por uma mola, nos projéteis, no martelamento de metais e em muitos outros movimentos. E tudo isso deve ser investigado e anotado no estudo da natureza, seja por cálculo direto, seja por estimativa ou por comparação, conforme o caso.