NOVUM ORGANUM
Francis Bacon

AFORISMOS SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA NATUREZA
E O REINO DO HOMEM
LIVRO II - AFORISMOS

Aforismo XLII
 

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em décimo nono lugar as instâncias suplementares ou substitutivas, 225 a que também costumamos chamar de instâncias de refúgio. 226 São as instâncias que oferecem informações em circunstâncias em que os sentidos faltam completamente, servindo, portanto, de refúgio quando não se dispõe de instâncias adequadas. A substituição ocorre de duas maneiras: por graduação ou por analogia. Por exemplo: não se dispõe de qualquer meio que iniba completamente a força magnética em relação ao ferro; nem com a interposição do ouro, ou da prata, ou da pedra, ou do vidro, ou da madeira, ou da água, ou do óleo, ou do pano, ou de corpos fibrosos, ou do ar, ou da chama, etc. Contudo, através de ensaios meticulosos, pode ser que se encontre um meio, em proporção e em grau, mais eficiente que outros, de atenuar a sua virtude. Não chegamos a fazer nenhum experimento nesse sentido, que se poderia processar segundo o exemplo seguinte: procurando verificar se o magneto atrai igualmente o ferro, com a interposição de porções da mesma espesssura de ouro, de ar, ou de prata candente e de prata natural, etc., igualmente, ainda não se descobriu nenhum corpo que, aproximado do fogo, não retenha calor. Mas o ar se aquece muito mais rapidamente que a pedra. E tal é a substituição que se processa por graus.

A substituição por analogia é, sem dúvida, útil, mas é menos segura, por isso deve ser aplicada com critério. É a que ocorre quando se coloca o não-perceptível ao alcance dos sentidos, não através de operações do próprio corpo não-perceptível, procurando torná-lo sensível, mas através da observação de um corpo sensível análogo. Por exemplo, tome-se para investigação a mistura de espíritos, que são corpos não-visíveis, supondo que há certa afinidade entre os corpos e os seus nutrientes ou alimentos. Os alimentos da chama parecem ser o óleo e as substâncias graxas; os do ar, a água e os líquidos; de vez que a chama se multiplica sobre os vapores do óleo e o ar, sobre os vapores da água. Por isso deve-se observar a mistura da água com o óleo, que se manifesta aos sentidos, visto que a mistura da chama com o ar se lhes escapa. Por meio da composição e da agitação, a água e o óleo se misturam de modo muito imperfeito; mas nas ervas, no sangue e nos organismos em geral, eles se misturam de modo acu­rado e delicado. O mesmo pode acontecer em relação à mistura da chama com o ar, nas substâncias espirituosas; embora não se mistu­rem bem, por meio de fusão, no espírito das plantas e dos animais, misturam-se perfeitamente. A propósito, veja-se que todo espírito ani­mado se alimenta do úmido, seja em forma de água, seja em forma de óleo.

Igualmente, procure-se considerar, não as misturas mais perfei­tas dos corpos espirituosos mas os seus componentes, para se verificar os que se incorporam com facilidade; ou se há algum gás ou outros corpos espirituosos que não se misturam com o ar comum, mas permanecem suspensos e flutuam em forma de pequenos globos ou gotas; e que se espessam e pulverizam no ar, mas nele não se fundindo ou se incorporando, devido à sua tenuidade tais corpos não podem ser percebidos pelos sentidos, no ar comum ou em outras substâncias espirituosas. Mas uma imagem dessa ocorrência, que permite recolherem-se algumas características do fenômeno, pode ser conseguida através do que sucede com o mercúrio, o óleo ou a água, como também com o ar, quando se rompe na água e sobe em forma de pequenas bolhas; como também com fumaça de tipo mais espesso; situações todas elas em que não ocorre a incorporação. A representação que se acabou de descrever não é descabida para o caso, desde que tenha sido prévia e cuidadosamente averiguada a existência entre os corpos espirituosos da mesma heterogeneidade que entre os líquidos. Só então se poderá fazer de maneira útil o uso de imagens por analogia.

E o que dissemos antes sobre as instâncias suplementares, que servem de refúgio para a informação quando não há possibilidade de extrai-las de instâncias próprias, queremos que seja entendido no sentido de que são de grande uso ainda na existência de instâncias apropriadas, para corroborarem as informações destas. Mas sobre isso discorreremos mais amplamente quando tratarmos dos adminículos da indução.