Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em décimo sétimo lugar as instâncias de citação, 214 vocábulo tomado dos tribunais civis, que citam para comparecimento o que ainda não compareceu, e a que também costumamos chamar de instâncias evocantes, 215 porque tornam sensível o que antes não o era.
As coisas escapam aos sentidos devido a várias causas: pela distância em que está colocado o objeto; pela intervenção de outros corpos entre o objeto e os sentidos; pela natureza do objeto não facilitar a sua percepção; pela dimensão muito pequena do objeto, não chegando a impressionar os sentidos; por não haver tempo suficiente para impressionar os sentidos; pela prévia ocupação dos sentidos por outro objeto, não possibilitando nova impressão. Tudo isso se relaciona principalmente com a vista e um pouco com o tato, que são os sentidos mais informativos em relação a tais objetos, enquanto os outros sentidos quase não dão informação, a não ser imediatamente e de objetos que lhes são próprios.
No primeiro gênero, não há meios de se fazer redução ao sensível, a não ser que a uma coisa que não pode ser vista, em razão da sua distância, se acrescente ou se substitua outra que possa impressionar os sentidos, mesmo de longe: é o caso de quando se faz uso de fogueiras, sinos e coisas semelhantes para se comunicar alguma coisa.
No segundo gênero, pode-se obter a redução ao sensível por meio de alguma coisa que se encontre na superfície de um corpo, e que revele o que se passa em seu interior; isso numa posição em que não é possível a observação direta, em vista da interposição de outras partes do referido corpo, que se não podem remover. E o caso do estado geral do corpo humano, que se conhece pelo pulso, pela urina e outros signos semelhantes.
O terceiro e o quarto gêneros são os mais freqüentes e, por isso, é possível encontrar-se um grande número de exemplos. Assim, o ar, o espírito e coisas semelhantes, que estão em todos os corpos sutis, mas que se não podem ver, nem tocar. Por essa razão, o estudo desses corpos não pode prescindir das deduções.
Por exemplo, tome-se para investigação a natureza da ação e do movimento do espírito encerrado nos corpos tangíveis. Pois não há corpo tangível sobre a terra que não cubra um espírito invisível, como uma veste. Aí tem origem a tríplice fonte tão admirável e poderosa do processo do espírito em um corpo tangível: se o espírito se desprende, o corpo se contrai e seca; se permanece dentro dos corpos, abranda-os e os torna fluidos; se não se desprende nem nele permanece por completo, empresta forma, cria membros, assimila, digere, etc.. tornando-se um organismo. Todas essas coisas se manifestam aos sentidos por seus efeitos aparentes.
Com efeito, em todo corpo tangível e inanimado, começa por se multiplicar, como que se nutrindo das portas tangíveis que são mais fáceis e estão para isso preparadas; assimila-as, consome-as, convertendo-as em espírito, e depois escapam juntos. Essa consumação e multiplicação do espírito se torna sensível pela diminuição de peso. Em toda dessecação, efetivamente, ocorre perda de uma parte da quantidade; e isso não tanto pelo espírito que aí antes se encontrava, posto que o espírito por si mesmo não tem peso, mas devido ao próprio corpo, que antes era tangível, mas que agora não o é mais. A saída ou emissão do espírito se faz sensível pela ferrugem dos metais e outras putrefações do gênero que ficam em seu início e não chegam ao ponto em que começa a vivificação, e essas coisas pertencem ao terceiro gênero de processo. De fato, nos corpos mais compactos, o espírito não encontra furos ou poros por onde escapar; portanto, vê-se obrigado a empurrar e pressionar as partes tangíveis, de maneira a fazê-las sair juntamente para a superfície, onde formam a ferrugem e incrustações semelhantes. Os sinais sensíveis da contração das partes tangíveis, depois da emissão de parte do espírito (que é a causa da dessecação do corpo), são dados pela sua própria dureza, e mais ainda pelas fendas, gretas, enrugamentos, dobras, etc., que são efeitos que a ela se seguem. Por isso, as partes da madeira arqueiam-se e contraem-se; as peles se enrugam. E não é só isso: sob a ação do fogo, que acelera a emissão do espírito, a contração chega a fazer com que os corpos se dobrem e enrolem.
Se, ao contrário, o espírito é retido, mas se dilata e se excita pelo calor, e por outras causas (como ocorre com os corpos duros), então os corpos amolecem, como o ferro candente; outros metais se fluidificam, liqüefazem-se, como as resinas, a cera e outras substâncias semelhantes. E as operações contrárias do calor, endurecendo certos corpos e liquefazendo outros, conciliam-se facilmente ao ser levado em conta que no endurecimento o espírito se evapora, na liquefação é agitado, mas retido no corpo; é que, enquanto a liquefação é ação própria do calor e do espírito, o endurecimento é ação das partes tangíveis motivada pela saída do espírito.
Mas quando o espírito não está nem completamente retido nem completamente desprendido, mas apenas faz esforços e tentativas na sua prisão corpórea, e se depara com as partes tangíveis que lhe são obedientes e inclinadas a acompanhar as suas operações e de fato o seguem, disso resulta a formação do organismo, com seus membros e demais ações vitais, quer animal, quer vegetal. Tal desenvolvimento pode ser tornado sensível especialmente com a cuidadosa observação dos primeiros movimentos e das primeiras manifestações ou nas origens da vida, nos animálculos que nascem da putrefação, como, por exemplo, os ovos das formigas, vermes, moscas ou rãs que surgem depois da chuva, etc. Para lhes dar a vida, é necessário um calor tênue e uma certa viscosidade da matéria, para que o espírito não escape e para que a rigidez das partes não lhe ofereça excessiva resistência e possa plasmá-las e modelá-las como à cera.
Outra diferenciação do espírito, respeitável e de freqüente aplicação (ou seja, interrompido, ramificado e, ao mesmo tempo, ramificado e celulado, 216 sendo o primeiro o espírito de todos os corpos inanimados, o segundo o dos vegetais, o terceiro o dos animais). Também essa diferenciação pode ser colocada diante dos olhos, por várias instâncias de redução.
É evidente que as mais sutis configurações e os esquematismos das coisas (mesmo que os corpos sejam inteiramente visíveis e tangíveis) não se pode nem ver nem tocar. Por isso também aqui a informação procede por redução. Contudo, a diferença fundamental primária dos esquematismos é obtida pela maior ou menor massa de matéria que possa ocupar um mesmo espaço ou dimensão. Os demais esquematismos que consistem na diversidade das partes contidas em um mesmo corpo e na sua diversa colocação ou posição são secundários em comparação com o primeiro.
Tome-se, pois, para investigação a natureza da expansão ou força de coesão da matéria em relação aos vários corpos, para saber que quantidade de matéria se contém em uma mesma dimensão de cada corpo. Nada há de mais verdadeiro na natureza que a proposição “do nada nada provém” e que a outra sua parceira “nada há que se reduza ao nada”; quer dizer, a quantidade em si da matéria ou a sua soma total permanece inalterada, sem aumentar ou diminuir. 217 E não é menos verdadeiro que “essa quantidade total de matéria se contém, mais ou menos, nos mesmos espaços ou dimensões, conforme a diferente natureza dos corpos”; assim é que a água contém mais, o ar menos; de modo que, se alguém assegurasse que um mesmo volume de água pode ser convertido em um volume igual de ar, seria o mesmo que dissesse que se pode reduzir algo a nada; e, no caso inverso, se alguém dissesse que um volume de ar pode ser convertido em um igual volume de água, seria o mesmo que dissesse que se pode produzir algo a partir do nada. É dessa diferente distribuição de matéria que se formam os conceitos de raro e denso, usados depois de várias e confusas maneiras. Deve-se também tomar como axioma a asserção bastante acertada: o mais ou o menos da matéria deste ou daquele corpo pode ser reduzido a proporções exatas ou quase exatas por meio de cálculos comparativos. Pelo que não estaria enganado quem dissesse que em um determinado volume de ouro há tal acumulação de matéria que o espírito do vinho necessitaria, para igualar tal quantidade de matéria, de um espaço vinte e uma vezes maior que o ocupado pelo ouro.
A acumulação da matéria e suas proporções se tornam sensíveis pelo peso. O peso, de fato, corresponde à quantidade de matéria em relação às partes de uma coisa tangível, mas o espírito e a sua quantidade de matéria não podem ser computados pelo peso, já que o corpo se torna mais leve e não mais pesado. Mas elaboramos com bastante cuidado uma tábua disso, na qual são expostos os pesos e os respectivos volumes de cada um dos metais, das principais pedras, das madeiras, dos líquidos, dos óleos e de muitos outros corpos naturais e artificiais. É um verdadeiro policresto, para fornecer tanta luz às informações quanto as normas das operações e que pode levar à descoberta de muita verdade insuspeitada. E não se deve subestimar o fato de que a referida tábua demonstra que o peso específico dos corpos tangíveis observados (referimo-nos aos corpos bem unidos, não os esponjosos, ou cavernosos e em boa proporção cheios de ar) não ultrapassa a relação de vinte para um (um a vinte), já que assim limitada é a natureza, pelo menos nos aspectos com que nos preocupamos.
Sentimos também que o espírito de exatidão de que nos ufanamos obriga-nos a tentar descobrir uma proporção entre os corpos não tangíveis ou pneumáticos e os tangíveis. E o tentamos da seguinte maneira: tome-se uma ampola de vidro de uma onça de capacidade, aproximadamente, pequena o suficiente para conseguir evaporação com pouco calor; coloque-se quase até o gargalo espírito de vinho (que é o corpo mais rarefeito e o que contém menos quantidade de matéria entre os corpos tangíveis da tábua precedente, pelo menos entre os bem unidos e não cavernosos) e se anote cuidadosamente o peso. Depois disso, pegue-se uma bexiga que contenha uma ou duas pintas; 218 retire-se todo o ar possível da bexiga, até que os seus dois lados se toquem em todas as partes. Antes a bexiga deve ter sido friccionada com azeite para tapar todos os poros. A seguir, coloque-se a boca da bexiga em torno do gargalo da ampola, amarrando-o bem, com fios encerados, para melhor vedação. Depois disso, aqueça-se o frasco sobre carvões, em um pequeno forno. Pouco depois, a evaporação ou exalação do espírito do vinho, dilatado e tornado pneumático pelo calor, começa a inchar lentamente a bexiga por todos os lados, como uma vela ao vento. A seguir, retire-se o frasco do fogo, colocando-o sobre um tapete, para que o resfriamento rápido não o quebre, e faça-se imediatamente um furo na parte superior da bexiga, para evitar que o vapor, esfriando, retorne ao estado líquido, atrapalhando os cálculos. Depois disso, desamarre-se a bexiga e pese-se o espírito restante na ampola; compare-se o seu peso atual com o inicial, computando-se quanto se transformou em vapor ou se tornou pneumático. Compare-se também o volume da substância, quando em estado de espírito do vinho, com o espaço que ocupou na forma de vapor. Dessa maneira, chegar-se-á ao resultado de que a substância transformada adquiriu um volume e ocupou um espaço cem vezes maior que o volume inicial.
Da mesma maneira, tome-se para investigação a natureza do calor ou do frio; mas em grau bem baixo, a ponto de não serem percebidos pelos sentidos: serão tornados sensíveis por meio do termômetro, a que antes já nos referimos. O calor e o frio, por si mesmos, não são perceptíveis pelo tato; mas o calor expande o ar e o frio o contrai. E a expansão e a contração, mesmo não sendo perceptíveis pela vista, podem ser observadas na depressão e no levantamento da água produzidos respectivamente pela expansão ou pela contração do ar. Só assim se torna visível, nem antes, nem em outra forma.
Da mesma maneira, tome-se para investigação a natureza da mistura dos corpos; a saber, quanto de água, de óleo, de espírito, de cinza, e de sais e outras substâncias semelhantes; ou, em particular, investigue-se quanto de manteiga tem no leite, quanto de coágulo, quanto de cera, etc. Tudo isso pode ser tornado sensível por meio de separações competentes e artificiais. Mas a natureza do espírito, por si mesma, não pode perceber diretamente, mas tão-somente por meio dos vários movimentos e dos esforços dos corpos tangíveis, no próprio ato e processo de sua separação; e também pelos sinais das acidulações, das corrosões, das diversas cores e sabores que os corpos adquirem depois da separação. Na execução de destilações e separações, por meios artificiais, trabalharam, certamente, os homens com grande dedicação, mas com tão pouco êxito quanto nos processos ora em uso, onde agem por tateios e às cegas, com mais esforço que inteligência; e o pior é que, sem procurarem imitar e estimular a natureza, mas, ao contrário, têm acabado por destruir, com o uso de calores demasiado fortes, e forças muito poderosas, os delicados esquematismos, onde em especial, se encerram as virtudes ocultas e os consensos das coisas. Não é levada em conta, por outro lado, durante os experimentos, a advertência por nós já muitas vezes levantada, ou seja, que na separação dos corpos pela ação do fogo, muitas qualidades estranhas ao composto acabaram interferindo, daí advindo enganos espantosos. Pois, nem todo vapor que é desprendido pela água colocada ao fogo era antes vapor ou ar no corpo da água; mas se formou, em sua maior parte, na ocasião em que a água foi rarefeita pelo fogo.
Do modo por nós preconizado, devem ser feitas comparações mais preciosas, tanto com corpos naturais quanto com corpos artificiais, procedendo-se à separação entre o que é verdadeiro e o falso, entre o que é mais nobre e o mais vil; o que é aqui lembrado, por promover a redução ao sensível, do que não é sensível. Por isso, tais experimentos devem ser colecionados por toda parte, com o maior cuidado.
Em relação ao quinto gênero de ocultação, 219 é evidente que a ação dos sentidos se processa no movimento, e o movimento, no tempo. Assim, se o movimento de um corpo é muito lento ou muito rápido para ser percebido, o objeto acaba por escapar aos sentidos, o que ocorre com o movimento do ponteiro do relógio ou da bala do mosquete. O movimento que não pode ser percebido, por ser muito lento, torna-se facilmente perceptível pela soma de vários movimentos; mas o que escapa, por ser muito veloz, ainda não pode ser medido com exatidão; e a investigação natural exige o seu cálculo, em alguns casos.
No sexto gênero, em que os sentidos deixam de perceber o objeto, em vista de seu grande impacto, promove-se a redução ou por um maior distanciamento do objeto; ou atenuando-se os efeitos do objeto pela interposição de algum meio, mas que não chegue a anulá-los; ou limitando-se à consideração de apenas os efeitos reflexos do objeto, não afetando a sua intensidade original, como a imagem do sol refletindo em um espelho d’água.
O sétimo gênero de ocultação, em que os sentidos ficam tão sobrecarregados e tomados pelo objeto, a ponto de não permitirem a percepção de nenhum outro, acontecendo apenas com o olfato e os odores; e não são de importância para o que ora consideramos. E assim enumeramos o que diz respeito às reduções do não-sensível ao sensível.
Às vezes, porém, a redução se processa não nos sentidos do homem, mas nos sentidos de algum outro animal, que em alguns casos são mais penetrantes que os humanos; é o caso de alguns odores percebidos pelo olfato dos cães, ou da luz, que fica impregnada no ar exterior não iluminado, e que é percebida pelo gato; é o caso da coruja e outros animais que vêem à noite. Como bem o indica Telésio, há no ar uma certa luminosidade que lhe é própria, embora fraca e tênue, e insuficiente para ser percebida pela maior parte dos animais, inclusive pelo homem; assim, é possível aos animais com sentidos mais aptos verem à noite, pois não se pode admitir que vejam sem luz ou com alguma luz interna.
Deve ser lembrado que nos estamos ocupando tão-somente das deficiências dos sentidos e de seus remédios. As falácias dos sentidos, por sua vez, pertencem a uma investigação própria sobre os sentidos e sobre a sensibilidade, 220 afora aquela magna falácia que consiste em estabelecer as linhas das coisas por analogia com o homem e não por analogia com o universo, que só pode ser corrigido pela razão e por toda a filosofia. 221
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