Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em décimo lugar as instâncias de potestade ou do cetro 173 (tomando o vocábulo das insígnias de império), as quais também costumamos chamar de engenho ou das mãos do homem. São as obras mais nobres e perfeitas e quase sempre as últimas de qualquer arte. Pois, se se busca acima de tudo fazer com que a natureza atenda às necessidades e às comodidades humanas, é natural que se considerem e enumerem as coisas que já se encontram em poder do homem como muitas outras províncias já ocupadas e antes subjugadas; especialmente as que são mais completas e perfeitas, pois destas é mais fácil e próxima a passagem às obras novas e ainda não inventadas. De fato, se alguém quiser, pela consideração atenta de tais obras, progredir nas suas próprias com acuidade e inventividade, certamente acabará por conseguir desviar aquelas até um ponto próximo das suas ou conseguirá aplicá-las ou transferi-las para um uso mais nobre.
E não é tudo. Assim como das obras raras e fora da rotina da natureza o intelecto se levanta e eleva-se até a investigação e o descobrimento de formas capazes de incluir também aquelas, da mesma forma vê-se ser isso aplicável em obras de arte excelentes e dignas de admiração; e isso é tanto mais verdadeiro quando se sabe que o modo de realizar e executar tais milagres da arte é, na maior parte dos casos, simples, enquanto que na maior parte das vezes é obscuro nos prodígios da natureza. Contudo, em tais casos devem-se tomar todos os cuidados para que não deprimam o intelecto e, por assim dizer, ponham-no por terra.
Há perigo de que por meio de tais obras de arte, que são consideradas como os cumes e os píncaros da indústria humana, o intelecto humano chegue a ficar atônito e atado e como que embaraçado em relação a elas, e isso a tal ponto que não se habitue a outras, mas pense que nada mais pode ser feito naquele setor a não ser com o uso do mesmo procedimento com que aquelas foram executadas, desdenhando, assim, o emprego de uma maior atenção e de uma mais cuidada preparação.
Mas, na verdade, é certo que os caminhos e procedimentos relacionados com as obras e as coisas, inventadas e até agora observadas, em sua maior parte são muito pobres. Pois todo poder realmente grande depende e emana, de forma ordenada, das formas, e nenhuma delas foi até agora descoberta.
Assim (como já dissemos), 174 se se pensa nas máquinas de guerra e nas alhetas usadas pelos antigos, ainda que em tal meditação se consuma toda a vida, jamais se chegará à descoberta das armas de fogo que atuam por meio da pólvora. Do mesmo, modo, quem puser toda a sua atenção e aplicação na manufatura da lã e do algodão nunca alcançará, por tais meios, a natureza do bicho-da-seda, nem a da seda.
A esse respeito, pode observar-se que todas as descobertas, dignas de serem consideradas como mais nobres, quando bem examinadas, não poderão ser tomadas como o resultado do desenvolvimento gradual e da extensão, mas do acaso. E nada há que possa substituilo, pois o acaso só atua a longos intervalos, através dos séculos, e não intervém na descoberta das formas.
Não é necessário aduzirem-se exemplos particulares dessas instâncias, em vista de sua grande quantidade. É suficiente passar em revista e examinar-se atentamente todas as artes mecânicas e inclusive as artes liberais, quando relacionadas com a prática, e delas se retirar uma coleção de história particular das maiores, das mais perfeitas obras de cada uma das artes, ao lado dos respectivos procedimentos de produção e execução.
Em tal coleção não queremos, porém, que o cuidado do investigador se limite a recolher unicamente as consideradas obras-primas e os segredos desta ou daquela arte, que é o que provoca admiração. Pois a admiração é filha da raridade e as coisas raras, mesmo que em seu gênero procedam de naturezas vulgares, provocam a imaginação.
E, ao contrário, as que deveriam realmente provocar admiração, pela diversidade que revelam em relação a outras espécies, são pouco notadas e tornam-se de uso corrente. As instâncias monádicas da arte devem ser observadas com a mesma atenção que as da natureza, de que já falamos antes. 175 Como entre monádicas da natureza colocamos o sol, a lua, o magneto, etc., coisas muito conhecidas, mas de natureza quase única, o mesmo deve ser feito em relação às monádicas da arte.
Exemplo de instâncias monádicas da arte é o papel, coisa sobremaneira conhecida. Com efeito, se bem observadas, ver-se-á que as matérias artificiais são ou simplesmente tecidas, por urdidura com fios retos e transversais, como é o caso dos gêneros de seda, de lã ou de linho e coisas semelhantes, ou são placas de sucos endurecidos, como o ladrilho, a argila de cerâmica, o esmalte, a porcelana e substâncias semelhantes, que, quando são bem unidas, brilham, e quando o são menos, brilham, embora igualmente duras. Mas todas essas coisas que se fazem de sucos prensados são frágeis e não possuem aderência ou tenacidade, O papel, porém, é um corpo tenaz, que pode ser cortado e rasgado, e tanto se parece com a pele do animal quanto com as folhas da planta, ou com algum produto semelhante da natureza. E não é frágil como o vidro; não é tecido como o pano; mas possui fibra e não fios separados, à maneira das matérias naturais; entre as matérias artificiais não se encontra nenhuma semelhante: bem por isso trata-se de uma instância monádica. Entre as substâncias artificiais, devem preferir-se as que mais se aproximam da natureza, em caso contrário devem ser preferidas as que a dominam e, com vigor, modificam-na.
Entre as instâncias de engenho ou da mão do homem, não devem ser desprezados a prestidigitação e os jogos de destrezas; muitos deles, mesmo sendo de uso superficial e como diversão, podem propiciar informações úteis. Finalmente, não podem também ser omitidas as coisas supersticiosas e mágicas (no sentido vulgar da palavra). Ainda que se trate de coisas recobertas de uma pesada massa de mentiras e de fábulas, mesmo assim devem ser observadas para se verificar, mesmo por acaso, alguma operação natural. Referimo-nos a fatos como o do ilusionismo ou do fortalecimento da imaginação, ou da simpatia das coisas a distância, o da transmissão de um espírito a outro, como de um corpo a outro, e fatos semelhantes. 176 |