NOVUM ORGANUM
Francis Bacon

AFORISMOS SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA NATUREZA
E O REINO DO HOMEM
LIVRO II - AFORISMOS

Aforismo XXIX
 

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em oitavo lugar as instâncias desviantes, 169 ou seja, os erros da natureza, as coisas vagas e monstruosas, nos quais a natureza rompe e se desvia do seu curso natural. Os erros da natureza e as instâncias monádicas diferem no fato de que os primeiros são milagres dos indivíduos enquanto que as segundas são milagres da espécie. Mas o seu uso é quase o mesmo, pois retificam o intelecto da experiência habitual e revelam as formas comuns. Também aqui não se deve abandonar a investigação até que se descubra a causa do desvio. Na verdade, essas causas não alcançam propriamente qualquer forma, mas chegam até ao pro­cesso latente que conduz à forma; e quem conhece com familiaridade os caminhos da natureza facilmente observará os seus desvios. Por outro lado, aquele que está familiarizado com os desvios mais acuradamente descreverá aqueles caminhos. As instâncias monádicas também se diferenciam pelo fato de serem muito mais instrutivas para a prática e para a parte operativa. De fato, seria algo muito difícil o surgimento de novas espécies; mas a variação das espécies já conhe­cidas e, com isso, a produção de uma infinidade de coisas raras inusi­tadas, seria tarefa menos árdua. Com efeito, fácil é o passo dos mila­gres da natureza aos milagres da arte. 170 Uma vez que se surpreenda a natureza em uma variação, e se indique claramente a sua razão, será depois fácil, pela arte, repará-la em seu descaminho acidental. E não apenas em relação a este erro, mas ainda em relação a outros; pois os erros em um determinado passo abrem caminho a erros e desvios por toda parte. E aqui não é o caso de se indicar exemplos, dada a sua grande abundância: deve-se proceder a uma coleta ou a uma história natural de todos os monstros e partos prodigiosos da natureza; de tudo o que na natureza é novo, raro e excepcional. Mas a escolha deve ser muito severa para que mereça fé. Sobretudo devem considerar-se como suspeitos os milagres que se originam de alguma maneira das superstições, como os prodígios relatados por Tito Lívio, como também os que se encontram nos escritores de magia natural e de alquimia, e pessoas do gênero, que são próceres e amantes das fábulas. Os referidos fatos devem ser buscados em histórias sérias e em tradições seguras.