NOVUM ORGANUM
Francis Bacon

AFORISMOS SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA NATUREZA
E O REINO DO HOMEM
LIVRO II - AFORISMOS

Aforismos
 

XI

A investigação das formas assim procede: sobre uma natureza dada deve-se em primeiro lugar fazer uma citação perante o intelecto 46 de todas as instâncias conhecidas que concordam com uma mesma natureza, mesmo que se encontrem em matérias dessemelhantes. 47 E essa coleção deve ser feita historicamente, 48sem especu­lações prematuras ou qualquer requinte demasiado. Como exemplo, imagine-se uma investigação sobre a forma do calor: 49

Instâncias conformes (convenientes) na natureza do calor 50

1. Os raios do sol, sobretudo no verão e ao meio-dia.

2. Os raios do sol refletidos e condensados, como entre montes ou por muros e sobretudo sobre espelhos.

3. Meteoros ígneos.

4. Raios flamejantes.

5. Erupções de chamas das crateras dos montes, etc.

6. Chamas de todas as espécies.

7. Sólidos em combustão.

8. Banhos quentes naturais.

9. Líquidos ferventes ou aquecidos.

10. Vapores e fumaças quentes, e o próprio ar que adquire um calor fortíssimo e violento, quando fechado, como nas fornalhas.

11. Certos períodos de seca causados pela própria constituição do ar, fora de estação.

12. O ar fechado e encerrado em certas cavernas, sobretudo no inverno.

13. Todos os corpos cobertos por pêlos, como a lã, os pêlos dos ani­mais, a plumagem, têm sempre alguma tepidez.

14. Todos os corpos sólidos, líquidos, densos ou rarefeitos (como o próprio ar) aproximados por algum tempo do fogo.

15. As faíscas produzidas por fortes impactos da pedra ou do aço.

16. Todo corpo que tenha um forte atrito, como a pedra, a madeira, o pano, etc; como os lemes ou os eixos das rodas que às vezes provocam chamas, ou como costumam fazer fogo os índios ocidentais, por atrito.

17. As ervas verdes e úmidas, juntadas e amassadas, como as rosas, comprimidas nos cestos; como o feno que, guardado úmido, às vezes produz fogo.

18. O ferro pode começar a dissolver com água forte (ácido) em reci­piente de vidro sem uso do fogo; e mesmo o estanho sob as mes­mas condições, mas menos intensamente.

19. A cal viva, aspergida com água.

20. Os animais, especialmente nas partes internas, ainda que o calor dos insetos, pela sua pequenez, não seja percebido pelo tato.

21. O esterco do cavalo e semelhantes excrementos recentes de animais.

22. O óleo forte do enxofre e do vitríolo produzem o efeito do calor, queimando linho.

23. O óleo de orégão, e outros semelhantes, produz os efeitos do calor, queimando a parte óssea dos dentes.

24. O espírito do vinho forte e bem retificado produz os efeitos do calor, e isso a tal ponto que, se lhe jogar uma clara de ovo, esta endurece e se torna branca, quase como que ocorre com o ovo cozido, e também o fato, que fica ressecado e com crosta, como quando é tostado.

25. Os aromas e as ervas quentes como o estragão, o mastruz velho, etc., ainda que na mão não pareçam quentes, nem inteiros ou em pó, mas quando mastigados são quentes e parecem queimar à lín­gua e ao paladar.

26. O vinagre forte e todos os ácidos, aplicados a partes sem pele, como o olho, a língua, ou sobre uma parte ferida, produzem uma dor não muito diferente da produzida pelo calor.

27. Mesmo o frio quando agudo e intenso produz sensação de queimadura. 51

28. Outras instâncias.

A esta chamamos de Tábua de essência e de presença.

XII

Em segundo lugar, deve-se fazer uma citação perante o intelecto, das instâncias privadas da natureza dada, uma vez que a forma, como já foi dito, deve estar ausente quando está ausente a natureza, bem como estar presente quando a natureza está presente. 52

Contudo, se se fosse examinar todas as instâncias, a investigação iria ao infinito.

Por isso, é necessário que se limite o recolhimento das instâncias negativas em correspondência com as positivas e considerem-se as privações apenas naqueles objetos muito semelhantes a aqueles em que elas estão presentes e são manifestas. 53 E a esta resolvemos cha­mar de Tábua de desvio (ou declinação) ou de ausência em fenômenos próximos. 54

Instâncias em fenômenos próximos, privados da natureza do calor. 55

Primeira instância negativa oposta à primeira instância afirmativa.

1. Os raios da lua, das estrelas e dos cometas não trazem calor ao tato, mas, ao contrário, é no plenilúnio que se observam os frios mais rigorosos. Todavia, acredita-se que quando há conjunção entre o sol e as estrelas fixas maiores, ou quando delas está próximo, há aumento do calor solar; é o que ocorre quando o sol está no signo de Leão e nos dias de canícula. 56

2. (Oposta à segunda afirmativa.) Os raios solares na chamada região intermediária não produzem calor; para o que o vulgo dá uma razão não de todo má: esta região não está nem próxima do sol, donde vêm os raios, nem da terra, que os reflete. É o que se observa nos picos das montanhas (a não ser quando muito altos), onde se encontram neves eternas. Por outro lado, observou-se que no pico de Tenerife, bem como nas cumieiras dos Andes do Peru, os cumes não apresentam neve, que se fixa nas partes mais baixas. Fala-se ainda que no vértice desses montes o ar não é frio, mas rarefeito e penetrante, e isso a tal ponto que, nos Andes, magoa e ofende os olhos, pela sua intensidade, e irrita a boca do estômago e provoca vômitos. Foi nota­do pelos antigos que no vértice do Olimpo era tal a tenuidade do ar que obrigava aos que o escalavam a levarem esponjas embebidas em água e vinagre, para aplicação na boca e no nariz, por não ser o ar suficiente à respiração. 57 Relatam, ainda, aqueles que era tal a serenidade e tranqüilidade do ar e ausência de chuvas, neves e ven­tos, 58que as letras escritas com o dedo nas cinzas, sobre o altar de Júpiter, pelos fautores de sacrifícios, duravam todo um ano, sem se alterarem. E ainda hoje os que sobem aos cimos do pico de Tenerife caminham à noite e não à luz do dia; e ao surgir do sol os guias os apressam a descer rapidamente, ante o perigo (segundo parece) de que a rarefação sufoque e dissolva o espírito.

3. (Oposta à segunda afirmativa.) A reflexão dos raios do sol nas regiões próximas dos círculos polares é muito fraca e ineficaz em calor, e os belgas que invernaram na Nova Zembla 59 esperando a liberação e o desencalhe de sua nave dos gelos (que a aprisiona­vam), no início do mês de julho, viram frustradas as suas esperanças e tiveram que recorrer a botes. Assim os raios do sol diretos parecem de pouco poder, mesmo sobre terreno plano; nem também os seus reflexos, a não ser quando são multiplicados e reunidos, o que ocorre quando o sol bate perpendicularmente, pois, em tal caso, os ângulos formados pelos raios incidentes são mais agudos, e assim as linhas dos raios ficam mais próximas entre si. E de outro lado, nas posições muito oblíquas do sol, os ângulos são muito obtusos e por isso as linhas dos raios estão mais distantes entre si. Mas deve ser notado que muitas podem ser as operações dos raios do sol, com respeito ao problema da natureza do calor, que não estão ao alcance do nosso tato, e, mesmo assim, afetam outros corpos.

 

4. Faça-se o seguinte experimento: 60 Tome-se uma lente, 61 feita de forma contrária aos espelhos e seja ela colocada entre as mãos e os raios do sol. Observe-se que nessa posição o calor do sol é diminuído, da mesma forma que o espelho o aumenta e intensifica. Pois é mani­festo que os raios ópticos, em um espelho que apresenta diferença de espessura entre o centro e as partes laterais, oferecem imagens 62 mais difusas ou concentradas. O mesmo deve ocorrer em relação ao calor.

5. Faça-se cuidadosamente o experimento de se os raios da lua, passando por espelhos ustórios bastante fortes e bem constituídos, podem produzir algum grande calor, mesmo que diminuto. Mas como essa grande tepidez é de tal forma sutil e fraca a ponto de não ser per­cebida pelo tato, seria necessário recorrer àqueles vidros que indicam o estado frio ou quente do ar, 63de modo que os raios da lua, caindo em um espelho ustório, fossem refletidos sobre a superfície do vidro, para se verificar a ocorrência do abaixamento do nível da água, devi­do ao calor.

6. (À segunda instância.) Experimente-se colocar um vidro ustó­rio sobre um corpo quente que não seja nem radiante, nem luminoso, como o ferro ou a pedra aquecidos, mas não em ignição, ou água fer­vente e coisas semelhantes, e observe-se se ocorre um aumento ou intensificação do calor, como nos raios do sol. 64

7. (À segunda instância.) Experimente-se ainda colocar um espelho ustório sobre a chama comum.

8. (Em oposição à terceira instância.) 65 Não se pode deixar de observar o constante e manifesto efeito dos cometas (se se reconhece como estando compreendidos entre os meteoros) 66 no aumento do calor na época de sua oposição, embora tenha sido notado que em seguida surge um período de seca. Contudo, as traves 67 ou colunas luminosas e as aberturas do céu 68 e fenômenos semelhantes parecem mais freqüentes no inverno que no verão e especialmente em épocas de intensos frios, acompanhados de seca. Mas os raios, os relâmpagos e os trovões dificilmente ocorrem no inverno, mas na época dos gran­des calores. As chamadas estrelas cadentes supõe-se vulgarmente constituídas de uma matéria viscosa, resplandecente e acesa, em lugar de qualquer outra matéria ígnea mais consistente. Mas isso deve ser verificado posteriormente.

9. (Oposição à quarta instância.) Há certas coruscações que pro­duzem luz, mas não queimam. E ocorrem sempre sem (troar) trovão.

10. (Em oposição à quinta instância.) As ejeções e erupções de chamas ocorrem tanto nas regiões frias como nas quentes, como na Islândia e Groenlândia. Por outro lado, as árvores das regiões frias são mais inflamáveis, mais resinosas e de mais pez que as das regiões cálidas, como é o caso do abeto, pinho e outras. Mas não se investi­gou satisfatoriamente em que lugares e em que natureza de solo costu­mam ocorrer essas erupções, para que possamos opor a negativa à afirmativa.

11. (Em oposição à sexta instância.) Toda chama é sempre mais ou menos quente, não havendo assim instância negativa a se lhe opor; mas fala-se que o chamado fogo-fátuo que às vezes é observado nas paredes não tem muito calor, assim também a chama do espírito do vinho que é clemente e suave. Mas ainda mais suave parece ser a chama que, conforme certas histórias fidedignas e sérias, apareceu em torno da cabeça de meninos e meninas e que, sem queimar, apenas circulava à sua volta. 69De qualquer forma, é absolutamente certo que, em volta do cavalo que sua, durante viagens noturnas e em épo­cas de seca, aparece certa fulguração, sem calor manifesto. Há pouco tempo ficou famoso, e quase tomado como milagre, o fato do peito de uma menina, depois de algum movimento e fricção ter emitido faís­cas. Isso talvez tenha acontecido devido ao alúmen ou aos sais com que se tinha tingido a veste e que acabaram colados e incrustados, formando assim uma espécie de copa, que se abriu. Também é igual­mente certo que todo açúcar, tanto o refinado quanto o natural, quan­do se encontra endurecido e é quebrado ou raspado no escuro, produz fulgor.

Da mesma forma, a água marinha e salgada, à noite, fortemente esbatida pelos remos, pode fulgurar. E também, durante as tempesta­des, a espuma do mar, fortemente agitada, produz fulgor (fachos) e a que os espanhóis costumam chamar de pulmão marinho. Nem foi adequadamente investigada aquela chama que os antigos navegantes chamavam por Castor e Pollux e os modernos designam por fogo de Santelmo. 70

12. (Em oposição à sétima instância.) Todo corpo (ígneo) incandescente que tenha o rubor do fogo, mesmo sem chama, é em qualquer caso quente, e para tal instância afirmativa não há corres­pondente negativa. Mas o que parece mais se aproximar desse fato é o da madeira podre, que resplandece à noite e não parece conter calor. As escamas dos peixes em putrefação também resplandecem à noite e não apresentam calor ao tato. Da mesma forma, o corpo do vaga-lume ou mosca chamada Lucíola não oferece calor ao tato.

13. (Em oposição à oitava instância.) Não foi adequadamente investigado o lugar de origem e a natureza do solo donde emanam as águas termais e por isso não se lhes contrapõe instância negativa.

14. (Em oposição à nona instância.) Aos líquidos ferventes contrapõe-se a instância negativa da peculiar negativa dos líquidos em geral. Pois não se encontra na natureza que seja em si mesmo quente e assim permaneça. Ao contrário, o calor ocorre por tempo determinado, como natureza que lhe é acrescentada. Assim é que os líquidos que no seu poder e nos seus efeitos são muito quentes, como o espírito do vinho, os óleos químicos aromáticos, e ainda os óleos do vitríolo e do enxofre e outros mais, que queimam após certo tempo, são frios ao primeiro contato. E a água termal, colocada em um reci­piente e longe de sua origem, perde a efervescência, como a água leva­da ao fogo. De outro lado, é verdade que os corpos oleosos parecem ao tato menos frios que os aquosos; da mesma forma o óleo menos que a água, a seda menos que o linho. Mas isso de fato pertence à Tábua de Graus do Frio.

 

15. (Em oposição à décima instância.) De idêntica maneira, ao vapor quente opõe-se a instância negativa derivada da própria natu­reza do vapor, tal como é comumente encontrado. As exalações dos corpos oleaginosos, mesmo sendo facilmente inflamáveis, não são quentes, quando não são exalações recentes de um corpo quente.

16. (Em oposição à décima primeira instância.) De idêntica maneira, ao ar quente se opõe a instância negativa derivada da própria natureza do ar. Não encontramos entre nós ar quente, a não ser quando encerrado, submetido à fricção ou aquecido pelo sol, pelo fogo ou por qualquer outro corpo quente.

17. (Em oposição à décima primeira instância.) A instância negativa das estações frias é oposta mais devido aos outros períodos do ano, como acontece quando sopram Euro ou Bóreas. 71 O contrá­rio acontece quando sopra o Austro ou o Zéfiro. 72 Mas uma tendência para a chuva, especialmente no inverno, vem acompanhada de temperaturas tépidas, e o gelo, de temperaturas frias.

18. (Em oposição à décima segunda instância.) Contrapõe-se a instância negativa do ar confinado nas cavernas no verão. E a res­peito desse ar confinado é necessária uma cuidadosa investigação. Em primeiro lugar, há dúvidas, não sem motivo, a respeito da natureza do ar relacionado ao frio e ao calor. Pois o ar manifestamente re­cebe o calor dos corpos celestes; o frio, ao contrário, talvez por exala­ção da terra, e na chamada região intermediária dos vapores das neves. Dessa forma, não se pode estabelecer um juízo sobre a natu­reza do ar através do ar a céu descoberto e exposto, mas é possível um juízo mais seguro a respeito do ar confinado. Mas é necessário que o ar seja colocado em um recipiente de material de tal ordem que não venha a impregná-lo de calor ou frio de sua própria natureza e também que não receba influência do ar exterior. Faça-se, pois, o experimento com um recipiente de argila, revestido várias vezes com couro para protegê-lo do ar exterior e mantenha-se bem fechado por três ou quatro dias. Uma vez aberto o recipiente, verificar-se-á a tem­peratura com a mão e com o vidro graduado. 73

19. (Em oposição à décima terceira instância.) Subsiste igual­mente a dúvida a respeito da tepidez da lã das peles, das plumas e coi­sas semelhantes; se é resultante de algum débil calor que lhe é ima­nente, devido à sua origem animal ou da matéria graxa e oleaginosa que por sua própria natureza é afim ao calor ou simplesmente do ar fechado e separado, já mencionado no parágrafo anterior, O ar sepa­rado do ar externo parece guardar algum calor. Para tanto, faça-se experimentar com material fibroso de linho, em vez da lã ou pluma ou seda que são de origem animal. Deve ainda ser observado que todos os pós (manifestamente misturados ao ar) são menos frios que os cor­pos íntegros de que provêm. Pelo mesmo motivo, acreditamos que toda espuma (como tudo que contém ar) seja menos fria que o liquido que lhe deu origem.

20. (Em oposição à décima quarta instância.) Não há instância negativa a se lhe opor. Com efeito, não se encontra entre nós nenhu­ma coisa tangível ou gasosa que aproximada do fogo não adquira calor. Contudo, mesmo aí, é necessário distinguir-se entre coisas que adquirem calor mais rapidamente, como o ar, o azeite e a água, e ou­tras mais lentamente, como a pedra e os metais. Mas esses fatos per­tencem à Tábua de Grau.

21. (Em oposição à décima quinta instância.) A esta instância não se opõe qualquer outra negativa, exceção feita da observação de que não se conseguem cintilações (ou fagulhas) do sílex ou do aço ou de outra substância dura, a não ser com a fragmentação de pequenas partículas dessa substância, seja pedra ou metal. Também o ar não pode produzir cintilações pelo simples atrito, como julga o vulgo. Dessa forma, essas cintilações, devido ao peso do corpo em ignição, tendem mais para baixo que para cima, e, depois de extintas, resultam numa espécie de grãos de fuligem.

22. (Em oposição à décima sexta instância.) Pensamos não haver negativa a ser oposta a essa instância. Não há entre nós corpo tangível (ou palpável) que manifestamente não se aqueça pelo atrito. Tanto que os antigos imaginaram que os corpos celestes não tinham outro caminho ou possibilidade de aquecimento que o atrito do ar provocado pela sua rápida rotação. 74 Neste assunto deve ainda ser investigado se os corpos arruinados por máquinas, como as balas dos canhões, pela própria percussão contraem algum grau de calor, que depois de caídas ainda conservam, O ar agitado antes se resfria que aquece, como se observa nos ventos, com o fole e com o sopro forte da boca. Mas tais movimentos não são suficientemente rápidos a ponto de provocarem calor e trata-se de movimentos do todo e não partículas, daí não ser de estranhar por não haver ocorrência de calor.

23. (Em oposição à décima sétima instância.) A respeito desta instância, é necessária uma investigação mais acurada. Com efeito, tudo indica que as ervas e os vegetais verdes e úmidos encerram uma espécie de calor oculto. Mas é algo tão tênue que em nenhuma planta isolada é perceptível ao tato, mas só depois de reunidas e fechadas, e de tal forma que as suas exalações não se comuniquem com o ar exte­rior, mas se misturem entre si, é que surge um calor perceptível e às vezes flamas, se a matéria a tanto se presta.

24. (Em oposição à décima oitava instância.) Também a res­peito desta instância é necessária uma investigação mais acurada. De fato, parece que a cal viva, quando aspergida de água, produz calor,ou pela concentração do calor que antes estava disperso (tal como se diz ocorrer com as ervas abafadas) ou pela irritação ou exasperação do espírito do fogo, em contato com a água, que provoca uma espécie de conflito e antiperístase. 75Para se saber qual das duas é a verda­deira causa, basta colocar-se óleo no lugar da água. O óleo vale tanto quanto a água para concentrar o espírito encerrado, mas não para irritá-lo. E o experimento deve ser ampliado às cinzas e aos resíduos de diversos corpos e fazendo-se uso de vários líquidos.

25. (Em oposição à décima nona instância.) A esta instância se opõe a negativa de alguns metais que são mais moles e instáveis. Assim, as lâminas de ouro dissolvidas pela água-régia 76 não provo­cam qualquer calor ao tato quando dessa operação, o mesmo se dando com o chumbo quando dissolvido em água-forte 77 e, pelo que recordamos, também com o mercúrio. Mas a prata provoca algum calor e também o cobre, pelo que me lembro, e ainda de forma mais manifesta o estanho, e os que vão mais longe são o ferro e o aço, que não só produzem um forte calor ao se dissolverem como também uma violenta ebulição. Dessa forma, tudo parece indicar que o calor se produz pelo conflito, graças ao qual a água forte penetra, funde e des­prende as suas partículas, enquanto o corpo, por seu turno, resiste. Mas, quando os corpos cedem com facilidade, a custo se produz o calor.

26. (Em oposição à vigésima instância.) Não se podem opor instâncias negativas ao calor dos animais e nem tampouco ao dos insetos em vista das reduzidas dimensões de seus corpos, como antes já foi dito. 78 Com efeito, os peixes, comparados com animais terrestres, apresentam algum grau de calor, em lugar de sua absoluta ausên­cia. Nos vegetais e nas plantas não se observa qualquer grau de calor perceptível ao tato, o mesmo acontecendo em relação às suas resinas e à sua medula recentemente aberta. Todavia, nos animais observa-se uma grande variedade de calor, tanto em suas partes (de fato, não é o mesmo o calor do coração, o do cérebro e o das partes externas do corpo) quanto em seus estados acidentais, como nos exercícios ve­ementes ou nas febres.

27. (Em oposição à vigésima primeira instância.) A esta instân­cia é muito difícil opor-se uma negativa. Pois mesmo os excrementos animais não recentes têm manifestamente um calor potencial, como pode ser verificado pelo untamento do solo.

28. (Em oposição à vigésima segunda e vigésima terceira instân­cias.) Os líquidos (chamem-se águas ou óleos) que têm grande e inten­sa acidez operam com o calor na fragmentação dos corpos e quei­mam-nos depois de algum tempo. Mas em princípio não são quentes quando em contato com a mão. Agem por analogia 79 e segundo a porosidade dos corpos com os quais se unem. De fato, a água-régia dissolve o ouro, mas não a prata; por outro lado, a água-forte dissolve a prata, mas não o ouro. E nem um nem outro dissolve o vidro. O mesmo acontecendo com os demais.

29. (Em oposição à vigésima quarta instância.) Faça-se experi­mento com o espírito do vinho sobre madeira, ou sobre manteiga, cera ou peixe, para verificar se o seu calor os liquefaz e até que ponto. De fato, a instância vinte e nove mostra que este espírito tem um poder análogo ao do calor, em relação às incrustações. Por isso deve ser feito o mesmo experimento para a liquefação. Proceda-se também com o vidro graduado, 80 côncavo na extremidade superior externa. Coloque-se nessa cavidade exterior o espírito do vinho bem retificado e tampe-se para que melhor retenha o calor e observe-se se o seu calor faz descer o nível da água. 81

30. (Em oposição à vigésima quinta instância.) As ervas aromáticas e as ervas ácidas são cálidas ao paladar e isso é mais sen­tido nas partes internas do organismo. Por isso é necessário que se verifique em quais outras matérias igualmente provocam calor. Con­tam os navegantes que quando se abrem subitamente montes ou maços de ervas aromáticas, guardados durante muito tempo, os pri­meiros que as movem ou pegam correm perigo de febres ou de infla­mações. 82 Igualmente poder-se-ia fazer experimento com o pó dessas ervas para verificar se seca o toucinho e a carne, como a fumaça do fogo.

31. (Em oposição à vigésima sexta instância.) A acidez ou força penetrante também pode ser encontrada seja em corpos frios, como o vinagre e o óleo de vitríolo, seja em corpos quentes como o óleo de orégão e outros semelhantes. Tanto uns como outros provocam dor nos animais e nos corpos inanimados, fundem e consomem suas par­tes. A isso não se opõe instância negativa, pois nos corpos animados não ocorre dor sem alguma dose de calor.

32. (Em oposição à vigésima sétima instância.) O frio e o calor têm muitas ações em comum, ainda que em formas e proporções dife­rentes. Com efeito, mesmo a neve parece queimar, depois de algum tempo, as mãos das crianças e o frio preserva as carnes da putrefação 83 tanto quanto do fogo. E, tanto quanto o frio, o calor contrai os corpos. Mas na verdade é mais oportuno tratar deste assunto e de ou­tros semelhantes quando da investigação do frio. 84