A.A. AMORIM DA COSTA
O REI ALPHONSO (2)

1 - Tratado escrito por Alphonso, Rei de Portugal,
sobre a Pedra Filosofal (2)
 

Esta é a parte da Terra, Enxofre, Mulher, quente e frio; porque quando ocorre a primeira mudança ou arrastamento, essa parte deseja o que ocasiona a humidade; assim como Penélope tecia enquanto Ulysses estava ausente na Itália, assim esta viúva, pálida e definhada, espera pelo retorno de seu desterrado Marido. Com pesos iguais, e com a mesma Arte de início, mistura Mercúrio muito puro com esta mistura em que estás a trabalhar, em vaso de vidro resistente, feito por mãos de bom Artífice pois que ambos devem ser um só ou iguais; e se te fôr possível, o primogénito é o mais verdadeiro.

Faz o trabalho seguinte de tal modo que conserves o mesmo fogo como anteriormente, o que será suficiente, e toma cuidado para que o fogo não chameje, e vigia-o noite e dia; impondo-te este sacrifício, assegurarás excelente recompensa. Verás a Obra na sua negritude, e vê-la-ás mudar para a sua cor primitiva, sem que seja ainda aquela que a mãe Natureza lhe deu no seu primitivo grau, devendo tornar-se tão líquida e pura que se assemelhará a Tinta, totalmente distinta em sua forma da criatura que inicialmente foi. Já reparaste na Prisão que o bicho-da-seda faz para si próprio e onde morre? Dessa carcaça de morte tecida por ele próprio, onde a corrupção não tem lugar, ele ressurge de novo com uma forma diferente do seu ser inicial e reaparece com diferentes cores e com asas que lhe dão um aspecto mais majestoso. Também a nossa Obra começa a viver com um novo espírito, uma nova substância, sobre a qual se continuará a operar a perseverança do corpo, de modo a poder tornar-se o receptáculo de sangue. Não tentes neste momento incrementar o fogo, pois desse modo destruirás o sangue e o corpo. Verás então o mais excelente momento desta obra Divina: abre o balão e parecer-te-á que tudo está estragado, pois dele se exalará um cheiro terrivelmente nauseabundo. Neste momento reside certamente o maior de todos os trabalhos da Obra: se continuar a ser aquecida com a mesma quantidade de calor, atingirá com certeza o mais elevado grau de perfeição. Depois desta cor desaparecer, verás muitas diferenças na sua forma e aparência: o Argos e a Iris no seu esplendor em que a sequência do humor líquido exibirá diversas cores, até assumir, por fim, uma certa brancura, aparecida a qual deverás aumentar um pouco a quantidade de calor.

Amigo, não te canses da tua obra nem te deixes impacientar por ela, pois atingiste o primeiro ponto do teu património. Quando a Pedra atingiu a brancura, fixa-se e não mais as suas partes poderão ser separadas, ainda que seja queimada durante 100 anos, pois a união tornou-se perfeita. Conserva, como te disse, o fogo em grau tal que a brancura originada se pareça com a da mais pura neve; conseguiste o chamado Elixir argentífico. Considerando, porém, que o Ouro é mais precioso e de maior valor, deixa-a no balão com o mesmo fogo, até que a cor branca da Pedra se converta numa cor cítrea: aumenta então o fogo para o grau seguinte, e verás aparecer uma cor de vermelho puro. Uma vez tudo verificado, mostrarás que a tua obra é segura: tomado o corpo deste ser verificarás que é duro e leve, e nele poderás observar o corpo de Diáfano, e a cor de um Rubi, tal como eu o vi em minhas próprias mãos; por tal deve Deus ser louvado. Põe então tudo isto num vaso feito de terra, tapado com uma tampa feita do mesmo material, com o formato de um disco, bem ajustado e ligado num todo, com um tamanho capaz de comportar três begadas[2], de acordo com o tamanho da Pedra, e coloca-o num fogo forte conseguido com lenha que dê chama, até ferver. Neste momento, a Pedra calcinará em dez dias dedicados ao Sol, dez Domingos, etc. e quando retirada daquele pote apresentar-se-á como um pó impalpável e Divino. A primeira substância que está na origem de tudo quanto é bom, que por isso mesmo não tem qualidade na sua quinta-essência, mas se aplica a tudo, e é a verdadeira essência de tudo a que se aplica. Ente, como começo que é das causas Naturais; não é nem Ouro, nem Prata, nem qualquer outro Mineral, nem sujeita à forma de qualquer Vegetal, embora tenha virtude para produzir o bem e todas as coisas. Se fôr aplicada ao Ouro, por sua virtude, torna-se dura, de modo a converter outras coisas nesse Metal. E porque ao homem dá, segundo famosas operações, riqueza, que de mais precioso pode ele desejar? Sob este Ouro impalpável, acontece encontrar-se uma Terra brilhante, embora muito negra e reluzente, que, todavia, não é o melhor, pois o que é muito vermelho é fixo e estável, mesmo quando se misture com todas as composições, e, por isso, não é susceptível de ingressão, embora as suas virtudes sejam muito admiráveis. Mas, deves misturá-la com igual peso da sua primeira matéria principal, muito pura, e juntá-las ou misturá-las com todo o cuidado, se desejas fazê-la viver: e então, como te disse antes, aquece-a com um fogo moderado, como fizeste a princípio, num balão semelhante ao anteriormente referido, bem fechado. E tal como fizeste inicialmente com o fogo, deves fazê-lo agora, e em pouco tempo verás que ela se torna negra e com as outras cores de que falámos, antes que se torne vermelha e se transforme numa pedra. Vi fazer isto em tempo muito curto: e aquele que isto não conhece saiba que caminha qual cego. Falei-te da Obra em palavras simples, segundo o modo como eu próprio a preparei e vi formar-se; como a fiz e fui recompensado; não é engano, pois, que do facto sou testemunha, pelo que louvo e bendigo a Deus que me concedeu conhecimento suficiente, ciência, riqueza, honra e disposição que nunca será possível esquecer.

Se dividires esta matéria até à centésima parte e assim sucessivamente até ad infinitum, deves fazê-lo antes que tenha fermentado e endurecido, que só assim o teu trabalho estará certo. Toma um vaso feito de terra e coberto, e coloca nele a tua prata-viva e quando ela começar a desaparecer junta-lhe o teu Elixir, senão não evitarás que ela desapareça por completo. Com uma parte de Ouro purificada com Agua-forte, quatro partes de prata-viva lavada e quatro partes da matéria de que falámos antes, mistura-a, com grande Arte, com uma pedra do teu Elixir e coloca-o à parte num vaso de vidro tortuoso ou retorta, e deixa que o fogo actue sobre ele durante dez dias seguidos, até que tudo fique bem misturado. E se quiseres progredir ainda mais, coloca num pote de barro 100 grãos de prata-viva e põe-no sobre um fogo flamejante e quando a prata-viva começar a produzir fumos e a desaparecer, deita-lhe uma parte do teu Elixir e cobre-o. Deixa-o arrefecer e terás obtido um medicamento soberano: 100 partes da prata-viva, de acordo com a sua finura, converter-se-ão em Ouro . E se quiseres fazer a experiência e verificar a sua actuação sobre o chumbo, verás que ela é também viável; não o deixes lá por muito tempo, pois a ingressão do chumbo retém o poder de transformar todos os metais em Ouro. Pode ser aplicada a todas as coisas, e a todas conferirá uma natureza bem constitúída. Meio grão desse Elixir tomado oralmente confere grande fortaleza: torna forte e robusto tudo quanto é débil e fraco, de tal modo que o homem jamais foi tão saudável, e o tempo que sempre foi precioso para todos faz daqueles que o tomam resistentes a seus túmulos.

O melhor dos Melhores convida da sua morada suprema o mais desafortunado de todos, juntando dois extremos, levando-nos a contemplá-lo na sua maior dignidade e Majestade, o que agora está maximamente distante dela: não digas nada até veres a água produzir aquilo que depois se transformará em fogo; mas se contemplares essa transformação, então não escondas nada do que tiveste conhecimento, pois o facto é digno disso por inteiros oitocentos anos; uma vez que atingiste esse estágio, conhecerás o seu valor. Cumprir-se-á então o tempo fatídico para ver o meu tesouro e o meu eu, e eu próprio incluído ou contido no meu eu: não devo ser obscuro e deves continuar com o meu dom de tal modo que nesta escuridão deverás ver uma luz em que o Mundo deve ser representado.