A.A. AMORIM DA COSTA
O REI ALPHONSO (2)

2- Segundo Tratado de Alphonso, Rei de Portugal,
relativo à Pedra Filosofal

O passado trabalho da mais pura Pedra, é tão infinito na sua multiplicação que nunca se gasta ao dar-se, e ao dar-se mais, tal é a verosimilhança que possui para a sua preparação. Mas se desejas conhecer um outro modo de separar os quatro Elementos, sabe que o Tratado que se segue, devidamente compreendido, ensinar-te-á a fazê-lo com maior brevidade e segurança.

Duas onças de Ouro bem refinado com uma de prata muito fina e pura, misturadas em argila, e com esta mistura triturada até se tornar muito fina, trate-se com Mercúrio purificado até que os dois conjuntos se incorporem bem um no outro. Junta-lhe então uma quantidade de sal comum bem misturada, até que o todo se torne bem conglutinado.

Toma um balão de vidro, apropriado para nele fazeres esta mistura, sem que qualquer impureza se Ihe possa juntar (por mais que isto seja de todo impossível), e põe-no sobre um fogo brando, aquecendo-o até que o Mercúrio se consuma ou desapareça no seu próprio fumo. Poderás presumir então que o Ouro permanecerá como um corpo que suportará o crepitar do fogo.

Lava a matéria desta mistura em água pura da fonte, de modo que, após muitas lavagens, a água permaneça totalmente limpa e conserve o seu próprio paladar; pesa então a matéria que resta, e se verificares que é mais pesada do que o era no início, tritura-a novamente com suficiente quantidade de sal, e aquece-a novamente, como antes.

Para isso, digo-te, deves fazer o teu trabalho usando um fogo muito brando: e quando a obra tiver o seu peso inicial, que se manterá constante, será uma matéria esponjosa e subtil, e tão bem disposta e preparada que a poderás usar para qualquer preparação Física. De seguida, deves fazer uma preparação com Mercúrio sublimado, cobre e sal bem lavado; porque a nossa Conjunção Física e real dar-lhe-á depois a sua vida, moendo-o com sal muito fino. Coloca-o então, num Balão de vidro para fazer a sua destilação.

Nota, porém, que dentro desse balão deves pôr água, colocá-lo numa fornalha forte e aquecê-lo com fogo de carvão colocado sob ele, deixando-o ferver suavemente, tornando-se então o seu conteúdo vivo e por completo sujeito a corrupção, com que trabalharás em segurança e sem cansaço.

Põe, então, num outro balão de vidro redondo, com um gargalo do tamanho de um span ou um palmo longo, nove partes desta matéria com três da composição primitiva, juntas e bem misturadas e conjuntamente trituradas, com tudo o mais. Fecha muito bem o bocal do balão, pelo que este não deve ser muito largo, mas antes estreito.

E digo-te que o balão deve ser suficientemente grande para conter a quantidade de três begadas, e o seu fundo redondo deve ser tal que permita colocá-lo sobre o fogo de modo que a matéria nele contida se junte bem e se imiscua uma na outra, obtendo-se assim uma tintura.

Depois de quarenta begadas, verás a parte Este adornada com os raios solares, quando o trabalho tenha sido realizado de acordo com o desejado; muda tudo para outro balão, que servirá para receber o Fixo, e deverá ser fechado e selado com o lutum sapientiae, em água quente, sem que, todavia, a toque.

O Fogo não deve ser muito intenso mas antes moderado, suficiente para produzir seu efeito, destilando completamente a água que contém; repete a operação de novo; com muita sabedoria, junta a matéria com a Água resultante da destilação e junta Mercúrio em quantidade igual, com a matéria inicial.

Toma atenção às palavras que te vou dizer: deves agora putrificar esta matéria e depois de quarenta dias juntá-la ao Fixo, seguindo as disposições anteriores relativamente ao balão e ao fogo; toma a mesma Água destilada e deita-a sobre igual quantidade da matéria inicial, como acima disse.

Faz este trabalho primeiro, pois é preciso repeti-lo três vezes de vez em quando, até à recolha da última porção da água resultante da destilação. Não subestimes o tempo, e ainda que ultrapasses os quarenta dias, continua a guardar a água destilada num balão de vidro.

Muda-a do balão em que foi recolhida para um outro, e coloca-o sobre cinzas quentes, e obterás assim um elemento mais leve, em peso, chamado Ar, que deves guardar subtilmente, numa garrafa, rolhando-a muito bem com o selo de Hermes, e fechando também o seu gargalo; tem cuidado para que não deixes escapar o ar.

Põe-no dentro de outro balão ou outro recipiente (selando-o muito bem) e aquece-o o suficiente para que possa destilar; conserva com muito cuidado este Elemento, pois se trata do Elemento do Fogo e dá então graças a Deus, pois com teu trabalho conseguiste separar os quatro Elementos.

Depois da divisão deste caos, terás de pensar em juntá-los de novo: e porque pretendes juntar e refazer aquele mundo que foi desunido, deves usar apenas a matéria que ficou no fundo do balão que deverá ser conservada e guardada e ainda triturada para que se torne mais fofa, colocando depois a composição resultante num outro balão.

Que este balão seja de fundo arredondado e de gargalo comprido; fortifica-o com massa lútea para que suporte o fogo ao ser colocado sobre carvão aceso, de modo a que o seu calor possa aumentar dez graus do bem amado leito da Esposa de Titan; deste modo, converter-se-á numa substância dura.

Noutro balão semelhante, põe um quarto da quantidade de água guardada, e fecha-o muito bem, e põe-no numa fornalha metálica ou num vaso sobre cinzas quentes, e conserva o fogo de modo que a matéria se torne seca como antes.

Feito isto e tendo acabado o congelamento e a secagem, como disse, repete a operação, com as restantes quartas partes da água Real. A infusão deve ser repetida e terminada a quarta vez do mesmo trabalho, sabe que satisfizeste a avidez ou sede que esta susbtância tem de água.

Já reparaste como a terra sequiosa de chuva parece estéril? Não sustenta quaisquer frutos e nela tudo parece pálido terreno, onde tudo está em vias de perecer. Porém, se a chuva cai e a refresca, logo se torna frutífera para germinar ou aumentar, e toda a semente que nela cair em tempo apropriado cresce e dá fruto.

Continuando, dispersa o seu poder aquoso por todas as plantas e árvores, e farás aparecer frutos em cada ramo; assim se vai preparando esta matéria; deves dar a tomar a cinco, várias vezes, o Ar que guardaste na garrafa, em porções de um décimo da quantidade total de cada vez, de modo que fique reduzido a metade do seu peso, e secando-o sempre, de cada vez que o manipules.

Então, num prato de Cobre sobre um fogo flamejante, verifica se esta matéria se reduz a fumo; pois deves saber que se trata duma matéria com a natureza de Ganimedes apta a voar para o Céu.. Se não voar em direcção ascendente, deverás concluir que não está bem preparada, precisando que se lhe dê mais água, e se verifique se tem ou não o seu verdadeiro espírito.

Faz com que um quarto do seu peso inicial seja absorvido que corresponderá à décima parte do Ar, e tal como fizeste antes, fá-lo de novo, e repete a experiência com o prato de Cobre para ver se se evapora e produz fumo; volta então de novo para o que fizeste antes.

Põe a matéria a sublimar e verás que toda ela se elevará; se tal não acontecer, permanecendo a matéria no fundo do prato, junta-lhe de novo água de acordo com o que flcou dito acima: põe-na outra vez à prova no prato, e tenta repetidamente esta operação até que toda ela sublime; terás então a certeza que no fundo do prato restará uma terra negra semelhante a um corpo morto num recipiente de vidro.

Logo que Ganimedes se elevou para o Céu, verás exaltada esta matéria. Ela será reclamada pelo Deus da Terra, Jove, a quem foi roubada, quando foi deixada com Demegorgon, e será restaurada, e se a sublimares, triturando-a várias vezes até que se torne finalmente firme, permanecerá toda no fundo do recipiente de vidro.

Esta matéria deseja ingressão, pois deseja o quarto Elemento. Faz, pois, esta operação em fogo nem grande, nem diminuto, e quando a puseres sobre a chama, segura no vaso e tem cuidado para que nenhuma gota ou qualquer pequena impureza caia nela antes que se dê a infusão.

Se verificares que ela se torna como cera susceptível de ser enrolada, então terás obtido um grande Tesouro, e o teu património ter-se-á tornado maior que as riquezas de Midas. Põe no fogo 100 partes de Mercúrio e quando começar a libertar fumos, tempera-o com uma parte desta matéria, e poderás ter a certeza de que o transformaste em medicina perfeita.

E se repetires outra vez o mesmo trabalho, uma parte desta matéria aplicada a 100 partes de Mercúrio tornar-se-á semelhante à segunda medicina, e uma só parte desta é uma grande recompensa, pois se aplicada a 100 partes de Mercúrio quente, ou qualquer outro metal fundido, transformá-lo-á no mais puro e sublime Ouro: pelo que deve Deus ser louvado.

 

[1] span - cerca de nove inchas

[2] begada - Não conseguimos qualquer identificação possível desta medida. No próprio texto inglês, a palavra aparece sempre grafada em itálico, como a apresentamos nesta tradução, podendo querer indicar que o tradutor inglês do original português também a não conhecia, tendo-a transcrito pura e simplesmente conforme o autor a apresenta. Será que se refere à medida agrária de uma biga? Esta era usada na India, com grandeza variável de região para região (vid. José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Lingua Portuguesa, 1ª Edição, Vol.I, p. 366).