Toda a obra de Marshall MacLuhan é uma profecia acerca da natureza do que se tornou "realidade virtual". Nos primeiros anos da década de sessenta ele diria que, enquanto as tecnologias primitivas haviam ampliado apenas um dos sentidos ou uma parte do corpo - a roda como extensão do pé, por exemplo - as novas tecnologias electrónicas ampliavam todo o sistema nervoso e o movimento do espírito humano. Em Understanding Media: The Extensions of Man (1964), escreveu: "hoje em dia os computadores cumprem a promessa de um meio de tradução instantânea de qualquer código ou linguagem para outro código ou linguagem. Em suma, o computador promete, por meio da tecnologia, uma condição pentecostal de compreensão e unidade universais." Cerca de 1973, McLuhan encarou de forma inteiramente apocalíptica as implicações deste facto. Viu na "imponderabilidade" do que ele agora designava como "homem desencarnado" o percursor da auto-destruição física. O termo "realidade virtual" tornou-se demasiado popular para poder ser substituir-se. A melhor maneira de compreendermos a realidade dessa frase feita é comparar as realizações do sistema com que estamos actualmente mais familiarizados - um computador normal e o sistema de Realidade Virtual: o computador já se integrou e praticamente se dissolveu no ciberespaço, "essa zona turbulenta de trânsito por meio de signos vectorizados" para usar a expressão de Pierre Lévy: "o computador já não é um centro mas uma tira de tecido, um fragmento da trama, uma componente incompleta da rede calculadora universal...é um computador cujo está em toda a parte e a circunferência em parte alguma, um computador hipertextual, disperso, vivo, inacabado, virtual, um computador de Babel: o próprio ciberespaço" . A forma como normalmente se dialoga com o computador é a seguinte: primeiro usando o teclado e o rato. A realidade virtual dá-nos projeções mais vívidas e algumas formas diferentes de transmitir mensagens ao computador. Se se estiver a usar um sistema RV, usar-se-á um capacete com um óculos esquisitos acoplados. Depois usa-se uma luva equipada ou segura-se na mão qualquer instrumento. Pode-se assim apontar, simular que se agarra e depois movimentar ou virar um objecto simulado que se pode "ver" através dos óculos. RV permite um passo mais: há um pequeno transmissor e uma antena no capacete e censores por toda a divisão a captar sinais que nos dizem onde estamos e para onde estamos voltados. Desta forma podemos treinar polícias e ladrões. Da mesma maneira é possível pôr uma pessoa a dançar e mais tarde gravar os movimentos tão bem que se pode programar outra pessoa para dançar da mesma forma. Pode-se mesmo simular um jogo de futebol em que a pessoa está de posse da bola - driblando no meio dos defesas adversários. De modo muito sumário, o virtual, que é uma obra prima da era numérica, assenta num conceito simples: o da imersão. O virtual assenta num suporte muito prcciso, a imagem de síntese em três dimensões (3D), animada em tempo real. Uma imagem em que modificação e interacção são possíveis em tempo real. É uma imagem na qual se pode imergir, sobre a qual se pode ter uma interacção, e no interior da qual se pode navegar. Toda a imagem, som ou vídeo existentes sob forma analógica podem ser digitalizados para se inserirem em computador e serem, por extensão, transferidos por redes. É sobretudo, então, o aspecto arquivo/exposição da arte que está em causa. A verdadeira inovação consiste em criar directamente o digital ou mesmo a fazer habilidades com o digital e o analógico combinados. Os partidários da imagem poderão investir na imagem de síntese seguindo os desenvolvimentos da tecnologia, tais como o ray-tracing e a radiosidade para obtenção da cena a 3D, as fractais e os algorítmos genéticos para a criação. O universo do objecto virtual é "completamente outro", tem o poder de auto-referenciar-se e de tornar, assim, inútil ou paródico o jogo das comparações com uma realidade exterior. O objecto virtual começa por permanecer um sistema de relações, pode ser definido, como qualquer outro objecto, pelos seus atributos, mas é autónomo e depende de um dispositivo de determinações que também é susceptível de modificar-se no quadro da sua própria combinatória . A meio caminho entre o humano e a máquina, o ciborg é uma figura com que a ficção científica de ciberpunkt nos familiarizou. Mas a presença desta figura é mais constante ainda - como metáfora e como realidade - nas nossas vidas. Hoje em dia, os ciborgs têm existência real; no ciberespaço, todos nós somos ciborgs. Diane Greco investigou a influência do ciborg na escrita do século XX, de Thomas Pynchon e William Gibson a Harraway e Derrida. O ciborg não é se limita a ser uma ficção interessante. Cyborg: Engineering The Body Electric investiga a influência do ciborg na acção política e na identidade pessoal . Se há coisa de que os ciborgs percebam é de peças: peças soltas e conjuntos, próteses, substituições, acoplagens. Como é que nos entendemos com todas essas peças? Depois das catástrofes, quando tudo se desconjunta, os ciborgs são capazes de voltar a montar-se. O "storyspace" poderia utilizar-se para criar um romance tão dúctil e múltiplo como as narrativas orais. |