PORTUGAL
6. STORYSPACE

Muitos escritores consideraram o hipertexto uma tecnologia electrónica distinta - que tem de implicar um computador. Por exemplo, Janet Fiderio, no seu apanhado "A Grand Vision", escreve: "o hipertexto, ao nível mais básico, é um DBMS que nos permite conectar écrans de informação usando elos de associação. Ao nível mais sofisticado, o hipertexto é um ambiente de software para trabalho de colaboração, comunicação e obtenção de conhecimentos. Os produtos de hipertexto reproduzem a capacidade do cérebro para arquivar e recuperar informações por meio de elos de referência para acesso rápido e intuitivo". A nossa definição não se limita ao texto electrónico; o hipertexto não está intimamente ligado à tecnologia, ao conteúdo ou ao medium. É uma forma organizacional que pode ser transmitida tão rapidamente sob forma impressa como electronicamente. Assim, Tristram Shandy de Sterne não é menos um hipertexto do que o hiperlivro de Joyce Afternoon.

Um propósito libertador atravessa toda a cultura moderna, desde o aparecimento do dadaísmo (1920) até ao contexto mais próximo da prática do hipertexto . W. Burroughs é considerado um "proto-ciberpunkt" do romance, visando a desintegração da narrativa, ou melhor, a destruição do controlo da narrativa, ainda que ele próprio considere que "John Cage e John Brown levaram o método de cut-up muito mais longe na música do que eu na escrita" . De facto, foi Brion Gyson quem lhe mostrou o uso de cut-ups no gravador. No verão de 1959, Brion Gyson, pintor e escritor, corta artigos de jornal, alinhando, ao acaso, várias secções. "Minutes to Go" resultou desta experiência inicial. O método cut-up traz aos escritores a colagem, que vinha sendo utilizada pelos pintores, fotógrafos e cineastas. "Qualquer pessoa pode fazer cut-ups". Qualquer pessoa pode fazer literatura. Com este senão: "os cut-ups fornecem-nos material novo, mas não nos dizem o que havemos de fazer com ele" . Mas já antes J. Joyce intuía o mundo novo da escrita e da leitura que estava para vir. "O mosaico do Wake contribui para a compreensão da natureza do ciberespaço, captando a constituição radical do cosmo electrónico que Joyce denominava 'chaosmos', engendrado por um sentido de mnemotécnicas interactivas; intui a relação entre uma quantidade quase infinita de informação cultural e a organização mecânica, mas em rizomas, de uma rede, 'a matriz' que subjaz à construção de mundos imaginários e virtuais" . A promessa do romance "interactivo" cumpre-se agora pelo mesmo recurso ao computador, que capacita os seus utilizadores a tornar-se criadores, se não colaboradores. Esta é uma promessa que vem de muito longe e que vê agora cumprirem-se os seus desígnios. À perspectiva clássica, em que o Autor pontifica, entregando ao leitor um livro a ler, sucede agora a perspectiva interactiva, tecnológica. Para alguns, é o fim de tirania bíblica, quer dizer, da ideia do autor como demiurgo e detentor da "intentio" última do texto, logo também o fim do controlo dos enunciados, da sua fonte autoritária.