PORTUGAL
3. DA IMPRENSA AOS MEDIA ELECTRÓNICOS

A escrita é uma prática - uma prática para produção manuscrita, correspondência, e depois imprensa. Com a dactilografia, um aspecto da prática da escrita se altera. O processamento de texto é em si próprio uma prática, visto que transforma e amplia a actividade da composição da escrita, da dactilografia e da impressão. Como assinala Donald Theall "utilizar os media e certas expressões ligadas aos media como palavras-chave, pode ocultar as complexidades fundamentais inerentes ao facto de a comunicação humana se constituir como um único sistema de expressão interrelacionado que utiliza um ´universo de signos interactivos´" .

De facto, a passagem a uma outra dimensão da linguagem já está inscrita na lógica da evolução intelectual e tecnológica do nosso tempo. A Internet torna possível um conjunto de novos media - correio electrónico, "news groups" e o "World Wide Web" - cuja natureza é estarem em contínua mudança. A primeira característica do Internet é ser uma rede "anárquica", quer dizer que não tem centro nem direcção nem proprietário nem estrutura estabelecida, nem interdições nem administração . A segunda característica é não se tratar de um conjunto de bancos de dados que estejam à disposição do público. Ficam assim portanto entre parêntesis os instrumentos de decisão tradicionais que são a autoridade, o dinheiro, porventura a própria lei. A terceira característica é que a introdução do WWW permitiu, a partir de 1992, organizar viagens de múltliplos percursos no interior da imensa selva do Internet. Por meio de hipertextos é possível saltar de uma fonte de informação para outra, de um servidor para outro, de um computador para outro. Quinta característica é que no Internet tudo se realiza "on line", portanto em tempo real. Da mesma maneira que o espaço se transforma numa espécie de fluxo permanente, o tempo torna-se influxo permanente. Os meios de comunicação do Internet vão do correio electrónico - através de "células" de múltiplos utilizadores (ou MUD´s) - espaços virtuais que permitem manter conversas e simples descrições da acção - ao WWW uma colecção de documentos de hipertextos combinados registados em rede. Hoje em dia a rede é uma cadeia nervosa com múltiplas sinapses que nenhum humano poderia esperar descobrir. A rede tornou-se um medium porque o acesso ao Internet passa pelas muletas de um modem e por exploradores que não sabem escrever. A Rede é talvez um dos meios de comunicação que será crucial para a sobrevivência da espécie no século XXI .

Não é difícil encontrar afinidades entre o Internet, com a sua matéria imaterial e as suas miríades de conexões nómadas, multidireccionais e não-localizáveis e o conceito deleuzeano de dobra. Este oceano imaterial em que se cruzam imagens sem substância, desdobramentos transitórios que se tecem e se desfazem é a incarnação prática do conceito de multiplicidade chã, isto é a tradução concreta da ideia de dobra: “Os nós e os laços que constituem a materialidade de Internet formam um espaço “multidireccional” com estrutura serial ou rizomática: o crescimento da rede faz-se pelas extremidades, de tal modo que a rede se estende de maneira anárquica e linear...o crescimento não segue nenhum plano de arborescência, nenhum projecto, nenhuma autoridade” . A estrutura rizomática da rede aglomera o heterogéneo ao heterogéneo, sem poder central nem estrutura predeterminante. O modelo espacial deleuzeano tem a forma do ciberespaço, quer dizer um espaço liso em que os pontos de encontro, de ramificação e de comunicação não são predeterminados: “é um espaço aberto em que as coisas-fluxo se distribuem, em vez de distribuir um espaço fechado para coisas lineares e sólidas. É a diferença entre um espaço liso (vectorial, projectivo ou topológico) e um espaço estriado (métrico)” .

Os livros hoje em dia não são interactivos, podem provocar toda a espécie de reacção dos nossos espíritos; podem fazer-nos rir, chorar, ou praguejar contra eles, mas estão escritos e impressos e as nossas reacções não vão modificá-los. Poderão alguma vez tornar-se interactivos? Sim. O hipertexto é uma forma de livro interactivo, embora o texto ainda tenha sido escrito previamente. “Um texto electrónico destina-se à distribuição ou venda a um público que ultrapassa o seu criador. O texto e o software analítico que com ele pode ser fornecido estão sujeitos ao controlo editorial para garantir a sua integralidade, exactidão e utilização. O texto está depois documentado no que respeita à sua fonte, modificações introduzidas, codificação, “markup” ou esquemas de indicadores usados no texto, etc..São fornecidos manuais de instruções. É depois disponibilizado pelo editor apoio técnico para o texto e software que o acompanha.” (Lowry, 1992, 705).

O livro electrónico existe em forma de códigos electrónicos e não como marcas físicas numa superfície física; é sempre virtual, é sempre um simulacro de que não existe exemplo físico. As implicações que resultam da dupla natureza do livro electrónico são inúmeras: ”O livro já não exerce o mesmo poder que tinha anteriormente, deixou de ser o mestre dos nossos raciocínios ou dos nossos sentimentos face aos novos meios de informação e de comunicação de que hoje em dia dispomos” . A "Ciberarte", desprovida de materialidade e, logo, de "produtos" para mostar ou vender, coloca a ênfase nos sistemas de comunicação para explorar o processo criador das redes em si mesmo. Em vez de criar uma obra individual que se propaga para atingir um público cada vez mais vasto (unidireccionalmente), os "ciberartistas" experimentam um outro paradigma de produção cultural que consiste em fazer participar o público nessa produção, sendo uma das finalidades criar verdadeiras comunidades virtuais. A interactividade é doravante o motor de uma nova experiência estética.

O sistema editorial existente pode ser condensado numa cadeia cujos elos se ordenam do seguinte modo: autor - editor - biblioteca - leitor. Quanto à tecnologia da informação, é mais fácil pensá-la em termos operacionais, tais como in-put - tratamento - disseminação - output. É importante definir o que se entende por um texto electrónico.

A escrita electrónica abrange uma grande variedade de práticas de escrita, nomeadamente processamento de texto e hipertexto, correio electrónico, mensagens e conferências por computador. Em cada um destes casos o computador medeia a relação autor/leitor, alterando as condições básicas da enunciação e recepção do sentido. A escrita electrónica prolonga a tendência iniciada com o manuscrito e a imprensa, mas também subverte a cultura da imprensa. A revolução do nosso presente é, incontestavelmente, maior do que a de Gutenberg. Não altera apenas a técnica de reprodução do texto, mas altera também as estruturas e as próprias formas do suporte que o comunica aos leitores: “Com o écran, substituto do codex, a transformação é mais radical, visto que são os modos de organização, de estruturação, de consulta do suporte da escrita que são alterados. Uma revolução deste género requer portanto outros termos de comparação” . No caso do processamento do texto, a facilidade em alterar a escrita digital - a imaterialidade dos signos no écran em comparação com a tinta sobre a página - desloca o texto de um registo de fixação para um de volatilidade. Além disso, os textos digitais prestam-se à autoria múltipla. Com a escrita electrónica, a distinção entre autor e leitor anula-se e surge uma nova forma de texto que pode pôr em causa o cânone, e as próprias fronteiras entre as disciplinas.