Há um desejo universal de "close reading": quanto mais precisamente se descrevem os objectos tanto mais responsavelmente podem ser interpretados. Diz-se que o "close reading" evita a projecção involuntária e a teorização inadequada e pensa-se que é um ideal independente de qualquer disciplina ou objecto. Sem o conceito de "close reading", disciplinas como a antropologia, a história de arte e a arqueologia perderiam uma base interpretativa essencial, visto que uma interpretação de rotina ou que se demonstre estar deficientemente fundamentada poderia então dizer-se que era melhor do que a que mais estritamente se atém às particularidades dos objectos. A ideia de "close reading" em si mesma não tem sido geralmente sujeita a análise. J. Elkins defende o "close reading" utilizando como exemplo a análise dos artefactos europeus pré-históricos de A. Marshack. O "close reading" de imagens visuais é um ideal constante na história de arte, na crítica de toda a espécie e, em geral, parece ser uma boa opção em qualquer campo de investigação, para qualquer finalidade e dentro de qualquer esquema teórico. Ficam as questões acerca dos níveis, a opção entre níveis e o nível definitivo. O "close reading", tal como é definido na crítica literária, diz respeito à leitura de textos interpretáveis, incontroversamente definidos e significativos. Também a ideia de leitura mudou: "a leitura post-hermenêutica oscila entre a economia da produção (o autor) e a economia do consumo (o leitor). Na cultura de simulação, o desafio da escrita consiste em escrever um texto susceptível de ser consumido. Essa obra não corresponde simplesmente a uma nova embalagem para um produto anterior, é a criação de um tipo diferente de texto. Neste novo espaço de escrita, o autor não é o único produtor, visto que o consumidor se torna um co-autor cuja leitura é re-escrita" . O controlo que o "close reading" pretendia instaurar com o fito da aplicação vigilante e de uma descrição responsável a preceder a interpretação deixou de poder exercer-se ou não quer de todo exercer-se em nome de um niilismo metodológico em que vale tudo e depois se verá...A metáfora da amostragem é mesmo esta: "ler é como enviar um balão metereológico para ver o que acontece". Contra o desígnio da escrita como juízo, há quem escreva hoje, em nome de uma crítica do prazer: "ler um poema 'perfeitamente' é solucionar o 'problema de comunicação' e abrir um mundo onde o afecto anda à rédea solta" e que, no fundo, uma "prática textual recusava a naturalização da leitura como experiência sem mediação e o sujeito leitor universal e despolitizado, masculino e burguês que a acompanha" . S. Fish, com a sua "estilística afectiva" parece querer reter uma forma não reconstruída de "close reading". A sua erótica textual deliberadamente onanística, utilizando uma linguagem sábia de prazer evoca a linguagem da sedução. O diferendo está entre o que se poderia chamar uma poética racionalista "textual effect" e uma poética afectiva, que toma em consideração a sexualidade, os sentimentos e as emoções que são considerados não cognitivos e não racionais. A poética racionalista funda-se na antítese entre pensamento e sentimento, recusando as intromissões do desejo no texto, actua como um véu que oculta um problema mais difícil e subtil. O texto é visto como outro, não como objecto para o sujeito kantiano, que se mantém acima e por cima de tudo contra o mundo em posição de poder. A poética afectiva é igualmente inaceitável para a crítica post-estruturalista, que resiste àquilo que de Man chamava "a ideologia estética" e a "estrutura especular" da leitura com os seus sedutores poderes de identificação. O novo paradigma da leitura recusa aquilo que é o mais fundamental de todos os binarismos do post-iluminismo - sentimentos e pensamento: "Leio porque gosto do sentimento que ler desperta em mim...Gosto de saborear o gosto físico da linguagem ao mesmo tempo que trabalho para pôr a sua física a nú." (Fish). Escrever tornou-se uma prática daquilo que era até há bem pouco tempo. Pode assemelhar-se a cantar, ao "rapping", a gritar, a chorar, a desenhar, a dançar. Podemos libertar-nos da escrita de artigos racionalistas e da promoção de discussões enfadonhas sobre "a arte dos media". Podemos SER A MENSAGEM, com todos os sentidos do nosso sistema nervoso, com todos os orifícios do nosso corpo traduzidos para linguage, "ascii". Escrever torna-se como procurar a palavra que dá acesso ao que está codificado. Podemos criar a nossa própria linguagem, os nossos meta-signos visuais próprios, os nosso hieróglifos. Podemos deixar de ser poetas e em vez disso tornar-nos poemas . Saímos de uma tradição crítica teórica fundamentalmente humanística e, portanto, de uma disciplina que é ao mesmo tempo vã e valiosa: "Quando digo 'vã' , quero dizer inútil e vaidosa: é presunçosa e mesmo atrevida nos seus alardes sistemáticos brilhantes e é - em última análise - estéril" . O objectivo da Teoria da Literatura era a elucidação do significado intrínseco de poemas, peças ou romances, e a linguagem poética era considerada auto-referencial: "todo o significado que um poema tenha está na página impressa, no brilho que emana das palavras e da relação entre elas" . Saímos daquilo que E. Said chama a tradição dinástica genealógica, paternalista, a tradição da origem: "tal pai, tal filho".Esta tradição crítica pressupunha uma estreita ligação entre a teoria do texto e a teoria da interpretação, que postula que o significado em literatura deriva exclusivamente da interrelação das palavras, ou das experiências de um espírito fechado em si próprio, ou da vida colectiva de um povo. Said parte de um "texto" e da descrição do texto "moderno" que não imita qualquer arquétipo nem obedece a qualquer origem de progenitura, mas continua, recomeçando constantemente à medida que se auto-produz e abre espaço para si próprio (Cf. cap. 4 "Beginning, p. 135). Em vez dos modelos da ordem de: unidade orgânica, progressão dialéctica, série genealógica, Said introduz a noção de um conjunto entrecortado de hiatos e lacunas, uma "espécie de coerência da dispersão a múltiplos níveis" (Ibidem: p. 373), onde as contradições e descontinuidades internas, os constantes regressos, retomam de formas ligeiramente diferentes os mesmos temas, em vez de se seguir uma orientação de argumentação lógica, genealógica ou dialéctica. Há uma boa forma de relacionamento com a Crítica, à maneira de Hillis Miller, por exemplo, para quem "constitui apenas um preliminar do diálogo do próprio leitor com a obra. Em última análise, a Crítica tem de apagar-se perante os textos, de se afastar depois de ter realizado o trabalho de interpretação, para deixar que as obras se patenteiem tal como são" . O crítico pode assumir a mesma fórmula que se aplica ao autor: scripsit et abiit, que os místicos previam nas suas formas de "exercícios". Ficção de um lado, crítica de outro - é um sonho que muita gente acalenta. G. Hartman lembra que os rabinos e os padres da Igreja, bem como os últimos cabalistas, quando pensavam inclusivamente que estavam a respeitar o sentido literal da Escritura, estavam a produzir interpretações cheias de invenção, ajustamentos engenhosos da verdade recebida e autorizada, sob a pressão dos acontecimentos quotidianos que não podiam facilmente reconciliar-se com essa verdade. Não têm faltado nem escritores nem críticos a contestar a declaração magistral de T. S. Eliot de que não pode haver uma "crítica criativa" .
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