Quem anel a anel há-de por-me a nu os dedos Quando me arrancarão a camisa, Quando se verá o torso e braço a braço Todo o peso Apoiado á luz ? Alguém me tocará para que eu estanque. se tivesse escondido entre objectos exaltados uma estrela e o seu combustível. desfaçam devagar o que me liga primeiro a cada estado do mundo, depois à memória. Desfaçam-me do nome, o grande coágulo de sangue, umbigo que habilmente se desamarra. todas as coisas pequenas que em cercam, para que servem elas? Desembaracem-me: o cântaro cheio da força das dedadas, o copo coriscando, garfos e o seu fogo, facas e o seu fogo, a carne profunda na minha carne pela boca devoradora, louça e o seu fogo. Alguém há-de saber de tanto fôlego junto. Basta a mão direita para quebrar a água misteriosamente, a mão para devolver-me á fonte. Não é preciso que seja raiada, essa pessoa Leve e potente, só que finque no meio da dança um pau em brasa com a floração: quero que me pare, que me abra. que use a chave da minha obscuridade. Antes de me terem chamado com água dentro da pedra, gosto amargo, unhas e dentes. A seda com que teci a malha entre pedaços humanos: membros criando um espaço, respiradouros, anéis rudes nas cabeças, uma beleza viva. Alguém há-de tocar-me com um dedo, alguém há-de pôr-me um selo. HERBERTO HELDER |