O AMOR EM VISITA
Herberto Helder
23-11-2004
www.triplov.org

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lua_03

Nem sempre me incendeia o acordar das ervas e a estrela

despenhada de sua órbita viva.

- Porém, tu sempre me incendeias.

Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite

imagem pungente

com seu deus esmagado e ascendido.

- Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.

 

Entontece meu hálito com a sombra,

tua boca penetra a minha voz como a espada

se perde no arco.

E quando gela a mãe em sua distãncia amarga, a lua

estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo

se desfibra - invento para ti a música, a loucura,

e o mar.

 

Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,

a inspiração.

E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.

Vou para ti com a beleza partida,

os ombros violados,

o sangue penetrado de paredes nuas.

Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos

se transfiguram, tuas mãos descobrem

a sombra da minha face. Agarro tua cabeça

áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou

aquilo que se espera para as coisas, para o tempo -

eu sou a beleza.

Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem

teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada

beleza.