13 A SOLIDÃO

Ainda entre suas coxas a mão
do amado morto e recurvo:
memória molestada com doçura?
Deixá-lo jazido e conformar-se
com flores no túmulo, mais nada.
Mágoa, dano, maltrato, o amor
conhecia ali uma outra moléstia:
olhar da solidão, seu escárnio.
A mão do morto ainda lhe apraz
ante o violento vazio que a desterra.
14 A DESCONFIANÇA

Todos os dias cair da mesma árvore:
um anjo acoimado, uma ingênua
cigana. Cair, despencar, deixar-se
soterrar, as louvações à humanidade
têm um quê de desconfiança.
As formas criam um mito de evasão
de sentido. Os dias futuros são frutos
de um tormento. Ninguém mais crê
no amanhã. E somos mortos hoje
justo por essa precária descrença.



15 A QUEDA

Caem, por onde caem as coisas,
pela medíocre relação com elas
mantida, o frívolo recorte do ser,
meu nome, o teu, um sopro que seja
de corpos retalhados, espáduas
que são quadros-negros da angústia
ou breves torções em curvas diletas
do enigma a caminho do gozo.
Caem fagulhas do corpo, bem menos
que o decrépito espírito, quando cai.

16 A MANIPULAÇÃO

Ao pensar na indagação de Cruzeiro
Seixas –
desfolhar uma rosa, é poesia
ou prosa?
–, difícil evitar a relação
perdida entre linguagem e realidade,
outdoor onde se estampa um ajuste
de limites que dá ambíguo argumento
a tudo o que é e expressa o homem,
podendo deixar de fazê-lo apenas
por confundir o falso e o verdadeiro,
jamais cabendo ao cidadão a utopia.

17 A DETERMINAÇÃO

O lugar de ser de qualquer vontade
é um atropelo onde a tolerância
não encontra sossego, castigada
sempre pelo dúbio assédio da razão,
que não para de provocar o choque
entre a presunção e o valor intrínseco.
O charmoso
o que é melhor para mim
atende a todos
, alegoria eclesiástica,
ritualismo de exceção, socava, remói,
teologia da soberba, olho d’água.


18 A CHANCE

A idéia de homens originais requer
um estágio, onde a memória seja
ensinada a não apagar-se tão fácil,
longe de ser instrumento de exclusão.
Assim talvez um debate considerasse
as infinitas maneiras de ser, o outro
e a sombra de si mesmo, original ou
não, plano especular, cenário onde
o princípio será sempre vítima da
oportunidade, e asno quem a negue.