19 A TOTALIDADE Por que todos esses olhos, que estranham a tudo o que vêem: o mínimo, o inconstante, o que está a ponto de sumir, olhos fixos em um ponto inexato do viver, persuadidos pela forma aplicada do desejo, do devir, da exceção, por que todos, extremos e nus, olham-nos sem objetivo algum e sequer dão conta do que somos? | 20 A TRADUÇÃO Por um erro fugaz de perspectiva podemos acordar em peculiar situação, cercado de amigos ou degolado e só, buscando tradução para a farsa que impõe hábitos e desloca virtudes, exígua relação mantida com a natureza humana, onde o martírio se festeja tanto quanto a glória pode ser fatal, a depender da fugacidade do erro. | | 21 A PRECARIDADE Uma pequena fraude embaraça a visão do corpo de quem se ama, alheia ao mesmo como um roubo de citações, talvez ingênuo golpe da natureza, soberbo artifício ou evidência precária do desamor, não se comenta muito a respeito, vestidos perdem o uso, desejos mudam de lugar e todos os livros são dados (carne triste) como lidos. | 22 A HIPOCRISIA Poucas páginas antes a mentira era verdade, de tal maneira ignóbil que anunciá-la talvez coagisse, o sujeito afinal existe ou não, quem faz parte de seus planos, deus, o homem, mito, linguagem, esfíngico sofisma, centauros, ao que associar o sujeito em vida, um híbrido aposto a si mesmo, verbo indefinido que não há de? | | | 23 A DISTINÇÃO Algumas guerras são silenciosas, confrontos, abalos, explosões, mudanças de ponto de vista, céus desabando sobre expectativas, a maneira espúria de eliminar-se em fantasias sem tormento. Diz um enfado: a morte não olha para os lados. E não deixando de lado morte alguma, a inércia revela-se uma sagrada instituição. | | 24 A VERTIGEM O livro diz: este corpo é meu, e se põe a lê-lo, descobrindo-se no passar de páginas, memória e ansiedade desmembradas, reescritos tormentos, e ao ler-se percebe o quanto é incerto em afirmativas, por onde andei, e inutilmente quer insurgir-se, um outro livro, talvez, assim pensando: um livro dá em outro. | |