234. Quarto crescente em que Alma trabalha, até altas horas, passando a ferro, cosendo as meias. Enquanto o Corpo o dá ao manifesto no emprego.
235. Alma passa perfumada e loura. Com liga na perna e uma flor pregada nela. De meias pretas e flor encarnada. Quero abri-la e desflorá-la, à minha liga vermelha! Quero tocá-la e bebê-la, à minha rosa vermelha! Quero mordê-la toda, à minha Alma encarnada.
236. Repito os gestos dos Criadores para vos dar prazer. Por mim, preferia a originalidade pura e absoluta como o álcool a 96%. Que tem sempre uma percentagem de elementos químicos estrangeiros, por muito absoluto que seja. Originalidade pura, ou o sofrimento por amôr. Solidéu de tortura.
E só muito lentamente se regressa ao raciocínio. A electricidade falhou nesta parte da cidade . Durante as festas do Solstício! 239. No fim a luz é branca sem um único sobressalto.
240. As tintas musicais tilintam-me no olvido.
242. A minha alma é um puzzle de peças mil multicoloridas. E a tua é simétrica da minha. Receio que o estimável poeta surrealista haja confundido simetria com inversão. Onde é que o espelho plano deu alguma vez imagens invertidas?
A chuva também, sobre a cabeça expansiva. Não levantes os olhos para ela! O céu de substantivos celerados. Não os calmes com nenhuas doces rrazõoes! Sintas o que pressentires, não te voltes para trás! 244. Transporto nas mãos a espádua nua. Com que fui armada cavaleiro. Posso por isso olhar para os sentidos que quiser. 245. Tenho um princípio e um fim. Tenho um sentido geral e muitos particulares. Tenho alguma beleza. Falta-me a Lei. Saber as réguas do jogo. Um regimento sem disciplina não se compreende. E eu só posso violar o que conheço bem. As regras da língua só as transgrido quando as domino perfeitamente. Tudo bate certo, excepto que desconheço ainda as regras particulares a que obedece esta criatura. Falta-me disciplina interior.
246. Transporto pelas rotas comerciais interestelares uma espada tua. Mais refulgente não é o Sol, e sete vezes mais intensamente brilhará ele. Três vezes a tua cabeça mergulhará num vulcão hieroglífico. Na linha da avonguoarda, o céu se cobrirá de cinzas e nuvens de cinzento ríspido. E a luz do ar será nitidamente sua. Claramente falo aos peixes da minha santidade. O que evoco não me pertence, remonta à mais antiga idade. Falo dos deuses diurnos e nocturnos, desço a escadaria de Luxor. De Alma falo, sem rodeios. Não, não rodes nunca! Leias o que leres nas lentas espirais descritas pela galáxia, não rodes nunca! A atenção dada ao já inscrito distrai-te do caminho da sapiência. Deus deu sentido às cousas depois de as ter feito. O sentido é posterior ao que se cria, donde sou eu o sentido do Sujeito. Minha Alma, a sibila é criatura do futuro. Minha Alma, o Sentido é posterior ainda à Inteligência ! 247. Estou a alguns minutos apenas do caminho do Tempo. Quando o espaço abandona o metro para se medir em anos. Estou a algumas polegadas de distância da beleza irreal de uma escultura egípcia. 248. Ah, quando eu tiver resposta para a pergunta que a inteligência não é capaz sequer de formular! Que acontecerá então? Ninguém sabe. Nenhum de vós consegue satisfazer o meu desejo de saber. Quem seria capaz ? Ninguém sabe. Ninguém sabe responder sequer ao que demando.
249. Estou há um milhão de noites à espera de ser aberto. À espera do que me vai ler. 250. Tudo o que é humano me comove, e não propriamente as proteínas. Voltou a luz. A sala ficou de bruços mais clara. E ela é transparente e lavada bruscamente. Foco a minha imagem na janela com a devida clarividência. E nunca achei mais verosímil a realidade. Nunca a realidade se me antolhou mais
251. É a quarta ou quinta vez que falha a luz nesta zona da cidade. Como é que o criador pode dar continuidade e cor à criatura? Já pensou nos transtornos de um poeta que escreve à máquina, num acesso de criação, e volta e meia .fica de repente na mais completa escuridão? E que horas serão? Se calhar, já de jantar! 252. Os poetas comem, como os outros animais. Eu sinto-me com fome bastante para comer a terra toda.
253. Claramente falo aos peixes da minha santidade .
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