m) Na assimetria todos os gatos são pargos



254. Os homens da mesma idade. Brandos, serenos. São torres maciças. Mais longe, porém, demora o entendimento.

Insinuantes, profundos, tã grisalhos. Os homens de certa idade. Altos, sorrindo crípticos sorrisos de Gioconda.

Amo os homens sem nenhuma feminista ideia pré-concebida como tal.

Amo os homens por absoluta necessidade recriatlva.

 

255. Levo tanto tempo a resolver um cálculo matemático como o computador a produzir um bom poema. À parte isso, os nossos mecanismos cerebrais são semelhantes.

 

 - É BOM PARA UM HOMEM SABER QUE ESTÁ A CRIAR UM POUCO DE BELEZA E ETERNIDADE!
          
 - OS TURISTAS PAGAM MUITO CARO POR TUDO ISTO?

            
256. Ah, os homens de idade! As lânguidas mãos pousadas docemente no regaço! Homens matriarcais!

Amo os homens de certa idade. Sérios, fatídicos como punhais. Os báculos, a aura, os solidéus, a aurora dos seus olhos boreais! Os buracos nas meias, os punhos roçados da camisa, os vinte paus que pedem para o autocarro. Homens sacramentais. 

Os homens de idade! Os beijos demorando como pensamentos de esmeralda, os abraços fatais! As olheiras azuladas, as palavras metafísicas, as ideias avançadas, os homens transcendentais!

As vossas mãos fortes, capazes de construir o mundo novo, mãos que agarram velozmente os quinhentos paus para o autocarro!

Homens abissais!


257. As vossas mãos que desejo tanto! As tuas mãos que desejo tanto! E as suas, e as dele também. As mãos dos homens todos e de todas as idades!

Os dedos de todos os Serafins.


258. Estes homens superdotados que me provocam homilias cerebrais!


259. Dixit Deo: «Fiat lux!»

Quem lhe terá encomendado o sermão?

Quem lhe terá ensinado o latim?

No Princípio não era o Eco?
      

260. Os homens de certa idade!

Altos, baixos, protectores. Silenciosos. Marchando sobre rails magnéticos!

Amo os  homens de certa idade. Atraentes, penteados, cheirando a after-shave.

Vêm vestidos de penumbra numa passerelle de céu cinzento lento. Vêm lentíssimos!

Partem mal acabam de chegar.

Amo os homens de certa idade. Idóneos, bem postos, singulares. 

Ah, os homens idosos, bons caçadores!

 

261. Ei-Ios, os tentadores, que vêm vindo!

Ah, os belos donos do Inverno, os eremitas. Os pássaros de fogo, que guardam todas as beatas!

Ah, os magníficos príncipes de gravata!

 

262. .Como são formosos os homens que amo, homens de toda a idade!

E os da idade do Ouro.

 

263. E estas mulheres de gestos precisos como máquinas cibernéticas!

Brancas, plastificadas, articulando marionetas!

 

264. As grandes secretárias de ministro, empresárias, artistas de circo, estas sacerdotisas do Progresso!

Implacáveis, geométricas, procriadoras tecnologicamente programadas para as plataformas espaciais do Futuro!

Estas mulheres sem corpo.

 

265. Só a voz, ecoando por montes e vales recorda o teu nome, amado hibisco dos meus grandes sonos: aI... aI... gal... gal...

 

266. Rafaela é o nome dela, da criatura electrotécnica que na TV dá o seu espectáculo. Tão matemática nos gestos só uma balança de alta precisão.

 

267. Mais longe, porém, demora o entendimento.

 

268. Esta Rafaela será afilhada de alguma fada-frigorífico? Até a sua asséptica beleza é congelada. 

 

269. Que não o entendimento de agora, exânime. Venho de um fundo poço sem pontas nem memória. A ver que criaturas criais. E tudo esqueço quando olvido. 

 

270. Era um pas-de-deux  junto de uma fonte luminosa. Refiro-me à TV. Quando ele a agarrou, depois do salto, por pouco não a deixou cair.

 

271. Venho de um absorto poço sem memória e espanta-me o que vi. Venho de longe-longe, pousada em contraluz de ráfia.  Para repetir. al... gal... gal...

Galopa noutra dimensão,  já em diversa desmesura.


272. Traz um vestido negro de pedrarias. Bate-lhe um foco que a estilhaça em cintilaçães cristalinas.

Rafaela, o computador bailarino.

Desejo-a com o fervor com que aspiro a ter televisão a cores e uma aparelhagem de estereofonia.

 

273. Ei-los, que vêm vindo, em desordem alfabética!

Os sedutores, os ladrões de casaca, os malabaristas, os tocadores de viola, os chulos, os presidentes disto e daquilo, ei-los que chegam à meta de trotineta!

 

274. Beijo-te os dedos com humildade e mitra. Beijo-vos os dedos do alto da mais alta torre. Beijo-vos os dedos com o meu grande coração lacrimoso, sensível, motorista!

 

275. E tu, que me dás pelo ombro mesmo, e nele descansaras os louros caracóis! A melena grisalha, fatal. Tu, que me pisas e repisas e me não louvas!

A mim, areias do grande mar!

Tu, que me semeias e nem um grão de trigo resguardas para a eternidade! Tu, homem da minha idade!

Não és tu, home, o meu tesouro? Que mal tem guardar meu ouro?

 

276.  Discretamente as cousas enalteço. Mesmo os homens pequenos. O mais ínfimo sinal de vossa humanidade eu enalteço! Enalteço os homenzinhos, cousinhas mil diminutas. Cousinhas fofas, quebradiças.

Sinceramente as flores enalteço. Os girassóis principalmente. Os hibiscos, e as violetas.

Sou, entanto, mor do que elas. Venho de um tempo antigo, antigo!

Tua santidade, não na reconheço. .Porque eu venho de um templo antigo e já dei a volta completa à tua vida.

Profusamente as cousas enalteço desta idade!

 

277. Eu sou a Noute. A Noute do Lugar Antigo.

Eu sou a Noute. Meu irmão saúdo nesta Lua. Sou homem grande, as cãs o provam sem mentira. Sou homem de muitas chuvas, dei a volta completa ao Universo.

Sou homem grande, patrão velho, homem de muitos dias.

E vós não sois pessoas da minha idade.

Eu sou a Noute. Minha irmã saúdo nesta pedra.

 

278. Casaste com ela sem te deitares nela. A ara completamente havias preparado. E as brancas flores de laranjeira! E as fitas de cetim e de alvorada! O arroz solto sobre as çabeças espectadoras, verde e amarelo. Ah, as brancas flores de jasmineiro no chão quadriculado!

Tua geomancia é um exercício de solfejo. Por cima da terra deito-me eu.

O divino vinho que adivinho teu!

Eu sou a Noute. Tu és o Sol e minha esposa saúdas. Minha esposa saúdas sobre a alta pedra.

Eu sou a Noute estendida pelas pernas dela. Meu irmão saúdo, a mulher ofereço: queimai-a viva!

Porque eu sou a Noute e antecedo o Dia. Este dia mudo.
Mudo o dia pelo eco neste continente surdo.

 

279. Surge das águas timonando uma concha alvinitente. Sagração da Primavera se chama ela, a deusa dos cabelos de ouro. A das róseas mãos de alba.

Ergue-sé nua da concha, conquilla, coquillage, shell!

Shell!

Como podíeis vós supor que um dia Afrodite surgiria alvinitente e nua de um bidão de gasolina?

 

280. Surge das nubes de cinzento lento. Em cirros brancos e chapéu alto. Desce das nubes de cinzento lento. E a expressão é tua. Roubei-ta de tarde, é uma tarte de chuva. Tarte antiga, velha de muitas luas. Roubei-ta para a dar a meu  irmão.

Porque tu és o Sol e meu irmão a Lua.

 

281. Desces das nubes de cinzento lento. E a expressão é tua. Nela te remiro, sob os teus olhos me faço água parada.

Porque tu és o Sol e minha alma é nada.