A LETTRA VENDADA, POR D.E. GUEDES | E.G. CRESPO PALEO-HERPETOFAUNA DE PORTUGAL Publicações Avulsas do Museu Bocage, Lisboa, 2ª série, 7, 2001, 186 pp. il.. Eduardo Gonçalves Crespo, professor de Zoologia na Faculdade de Ciências de Lisboa, embriólogo, é também a maior autoridade portuguesa em herpetologia - ciência que estuda lagartos, tartarugas, sapos, salamandras, etc.. Foi instrutivo para mim preparar com ele trabalhos de História das ciências nesta área, apesar de não terem chegado a termo, dada a incompatibilidade dos paradigmas em que nos movemos : é inaceitável, para mim, que o "natural" da "selecção natural" ou das "Ciências Naturais" seja uma convenção e não a physis - a Natureza; é inaceitável que para tentar explicar a presença estranha de uma espécie em dado local se exclua a hipótese mais óbvia (o homem introduziu-a) para se trabalhar com a tão improvável que confina com o milagre; é inaceitável que se apresentem hipóteses ao público como se fossem factos verificados, quando, no caso da selecção natural, nem sequer são testáveis. Não é possível saber se dada espécie resulta de selecção natural, só a selecção artificial (humana) é comprovável. Explicar o real com hipóteses irrealistas e passá-las para o público como factos acontecidos exige disponibilidade para uma crença adversa da que já professo. Porém o maior obstáculo ao trabalho em regime de co-autoria foi a circunstância de os textos científicos que constituiam o nosso corpus estarem profunda e maioritariamente gralhados e E.G. Crespo não acreditar no facto consumado de que as gralhas são intencionais, contendo por isso significados. PALEO-HERPETOFAUNA DE PORTUGAL é uma actualização das informações acerca dos achados fósseis em Portugal (e por vezes em Espanha) e sua demarcação geográfica. Apresenta exaustiva bibliografia - 21 páginas de referências, quase todas relativas à paleo-herpetofauna portuguesa. São umas dezenas de taxa registados, e não só dinossauros, a atestarem que no território que hoje é Portugal já viveram, entre outros, crocodilos e tartarugas terrestres. Em geral o que aparece são fragmentos - aqui uma tíbia, ali um dente - mas desde Cuvier a ciência sabe reconstituir as formas de um animal a partir de um só osso. | | O livro aparece no momento mais oportuno, com a nova exposição de dinossauros robotizados no Museu de História Natural, para o começo do ano que vem. A primeira foi um sucesso tal que a Rua da Escola Politécnica ficou intransitável, com tanto autocarro que de todo o país trazia estudantes ao Museu. Graças a A.M. Galopim de Carvalho, a dinossauromania chegava a Portugal, e com ela a sensibilização do público e dos políticos para a preservação de geo-monumentos como o de Carenque. No nosso país, como noutros, têm sido encontrados vestígios com milénios de idade de animais desaparecidos da fauna actual, como os dinossauros, e de animais que vivem na actualidade, como o Pleurodeles waltlii, aliás waltli, ou, como escreve E.G. Crespo, Pleurodeles waltl (Salamandridae). São os fósseis, estudados pelos paleontólogos. | | Como se depreende, os fósseis pertencem a duas categorias : os de espécies que já não existem, e são a prova de que na Terra não existiu sempre a mesma composição faunística (e florística). Cuvier pôs a esse respeito a hipótese de que, desocupado dado território por segmentos desaparecidos da fauna, outros o teriam ocupado vindos de diversos lugares. Há outras hipóteses acerca deste fenómeno e também das causas da extinção das espécies. A outra categoria de fósseis é a de espécies que existem ainda. Eles provam que os seus caracteres são estáveis como o granito, e não há Darwins que com espécies tão imutáveis consigam erguer nenhuma teoria da evolução. Porém, eu, que estimava os crocodilos africanos, por serem das raras espécies que conheço de currículo limpo de gralhas e de confusões de nomes científicos, sinal claro da estabilidade dos seus caracteres, tive uma surpresa com o livro de E.G. Crespo, ao ler que, mais fixos do que os dos crocodilos africanos, são os caracteres de Pleurodeles walt. Ou só a estrutura óssea é que não sofreu variações? |