MARIA ESTELA GUEDES
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Teresa Tudela a Bernardim |
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Começa logo pela originalidade do título, este mais recente livro de poemas de Teresa Tudela: "T a Bernardim". Teresa dedica, ou escreve, a Bernardim. Não somente escreve como diz, e diz com voz serena, quase branca, mas apelativa, no CD que acompanha o livro, um belo objecto gráfico, com capa de um artista sobejamente conhecido, Ângelo de Sousa. O Porto está presente em todo o lado, na origem dos intervenientes e também na cenografia dos poemas, como se nota num dos primeiros, pág. 27: "o Douro é cor de prata Este é o Douro de ouro da Ribeira? Teresa dedica o livro a Bernardim Ribeiro? Certamente há várias referências ao poeta renascentista, desde a badana do livro, em que se diz que a autora invoca um Bernardim ainda presente na diáspora e no exílio da tristeza, até ao poema final, abaixo transcrito, que reitera essas temáticas, acoplando-as a uma explicação biográfica, a de que Bernardim Ribeiro era judeu. Judeu numa época de perseguição, donde teria publicado os livros no estrangeiro, em situação de exilado. Estas hipóteses sustentam outra, a de que os textos do autor da "Menina e Moça" integram códigos secretos. Tal como, de resto, o "T a Bernardim", se bem que o hermetismo seja diferente. Teresa Tudela não recorre a um código colectivo, eventualmente cabalístico, o seu secretismo é individual. Basta, para descodificar os poemas, a chave fornecida na última página por Luís de Camões: "E sabei que, segund'o amor tiverdes,/ Tereis o entendimento de meus versos." Não custa nada aceitar a versão de que o Bernardim de Teresa é o poeta bucólico. Ela é decerto verdadeira, mas não única, e também não custa nada encontrar coincidências, por exemplo do bucolismo de Bernardim com os motivos rurais de Teresa Tudela. Porém o campo dela não é o campo dele, e não é por diferenças geográficas. O campo da autora é um espaço de férias e não de trabalho, não existe sem a contracena urbana, e ambos - cidade e campo - se inscrevem numa situação ecológica em que se lamenta o exílio do "natural". Vai entre aspas porque as maçãs saborosas do passado, não calibradas, não plásticas, não eram naturais, seriam apenas menos tratadas com químicos e menos manipuladas com outras engenharias. Eram menos artificiais, porque toda a agricultura implica acção humana, e por conseguinte selecção artificial. Os alimentos não sabem a nada porque são produzidos em massa em estufas e aviários. Se formos nós a semear e a criar, mesmo com pouca ciência e experiência, os produtos são mais gostosos. Esta é uma linha de força no livro, uma das razões da tristeza e exílio: vivemos, sobretudo na cidade, de maneira excessivamente artificial, e a questão já nem é tanto a da perda do natural, mas a de o artificial se confundir com o plástico, de coisas como o light evocarem a química do inorgânico. Não seria possível conceber uma poesia bucólica actual sem pôr em cena problemas ambientais, de tecnologia agrícola e de produção alimentar. O tempo em que vivemos é muito diferente daquele em que viveu Bernardim Ribeiro. E a própria autora declara que nenhuma semelhança existe entre ela e a personagem que dá nome à mais conhecida obra de Bernardim: "Menina e moça me levaram de casa de meu pai para longes terras..." Livro dominado pela procura da felicidade, pela espera do que se sabe não existir - nada de mais emocional do que a esperança -, o "T de Bernardim" (e agora surge na minha mente a imagem de um outro T, o "T de tu", salvo erro de Carlos Tê, para continuarmos no Porto, desta feita a ouvir Rui Veloso) é um livro de amor, de maturidade, cheio de recantos e escaninhos em que o signo se desdobra em significados vários e corre como ribeiro em vários sentidos. As referências são muitas e variadas, caso de poetas de língua inglesa e alemã, o que confere aos textos a sua característica híbrida. Mas lá pela carne mais funda, as mais penetrantes vêm de poetas portugueses, mais modernos que Bernardim, como Cesário Verde, que deu alma em poesia ao que até ele era considerado prosaico. Um dos poemas mais tocantes de Teresa Tudela é o da página 41, sobre as alfaces - é o campo trazido para a poesia, mas um campo sem bucolismo, por muito que seja um campo amoroso: Comprei duas querias apenas um pé desdenhaste o verde enquanto entrementes e ai que sim - sou verde e sou tua ...........................clorofila ...........................valsa de alfaces |
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