MARIA ESTELA GUEDES
Foto: Ed. Guimarães
Música: http://triplov.com/letras/mario_montaut/Estela/index.htm

A pega-azul vem a propósito da pega-rabuda que Padre Armando Ribeiro fotografou num fiorde norueguês no mês passado. O nosso amigo tem outra relação com estes animais da família Corvidae, a dos corvos: ele nasceu em Vila Nova de Foz Côa, e esta zona, mais uma parte contígua em Espanha, era até há poucos anos considerada a única na Europa onde existia a espécie Cyanopica cyanus. Passei a vida útil no Museu de História Natural a ler e a ouvir os dois ornitólogos da casa, G.F. Sacarrão e A.A. Soares discutirem este habitat tão restrito e distante do que é considerada a área normal de distribuição da espécie, algures na Ásia.

Deixou-me surpreendida uma já antiga declaração de Padre Armando Ribeiro, segundo a qual a pega-azul, na sua terra, tinha comportamento de praga. Eu não devia escrever a palavra "antiga" nestas circunstâncias, porque, para as coisas da Terra e da vida nela, quando se fala de alterações elas geralmente têm milhões de anos para ocorrer. É verdade que eu já não sou a jovenzinha que ouvia o Prof. Sacarrão falar de pegas e pardais, mas, caramba, as nossas cronologias são um piscar de olhos à escala da evolução e mesmo do povoamento de territórios por novas espécies! Isto para dizer que a pega-azul está a colonizar a Península (e talvez outros pontos da Europa) a uma velocidade incompatível com as coisas da Natureza, compatível, isso sim, com as nossas, as coisas do Homo sapiens. E por favor não se atrevam a dizer que os ornitólogos antigos mais os amadores que querem saber que espécies existem nos seus quintais não deram conta da existência da pega-azul fora de Vila Nova de Foz Côa até há uns 10-15 anos, porque nisso nem os crentes têm fé!

Nos últimos anos a pega-azul tem sido um manancial de surpresas para mim, porque, a continuar como vai, um dia destes sobrepõe-se à prima Pica pica, a pega-rabuda, e esta e outras espécies dependentes do alimento da azul desaparecem, à míngua de recursos, situação esta que costuma ser a das pragas.

Um dos artigos de G.F. Sacarrão discute a origem da Cyanopica na Península Ibérica e põe de lado a hipótese de introdução humana. Julgo que ele defende a hipótese da relíquia: outrora, a pega-azul devia ocupar vasto habitat que ia ou vinha da Ásia até Portugal. A espécie desapareceu da Europa e deixou essa população residual entre nós, confinada, no tempo dele, a uns poucos quilómetros quadrados de Portugal e Espanha, na zona de Vila Nova de Foz Côa.

Este assunto já não tem interesse nenhum agora para a ciência, imagino, de modo que, no ano passado, estive na Quinta Anema, em Montemor-o-Novo, no Alentejo, lugar onde ocorre a Cyanopica cyanus, e nem disse nada. Se navegarmos nos sítios ornitológicos da Internet, vemos que a pega-azul já está em toda a parte, parece que só lhe falta saltar o Mediterrâneo para colonizar o Norte de África.

Também já a vi a participar num belíssimo bailado de Luc Petton, La confidence des oiseaux, e adianto que o coreógrafo francês também é ornitólogo. Por enquanto, em blocos vários, o bailado pode ser visto no YouTube. Vale a pena procurá-los e vê-los a todos.
 
https://youtu.be/gP-KXmtwKlM
La confidence des oiseaux
 
Não me pronuncio sobre este assunto da larga distribuição em Portugal da pega-azul em 2015, quando em 1995 ainda só se conhecia no sítio das gravuras paleolíticas do Côa, não sou especialista, mas lá que ele é estranho para o senso comum, isso é!

Um comentário à foto em baixo: a Quinta Anema pertence ao casal Anema, dois holandeses que exploram uma queijaria na quinta, mas também recebem turistas. Interessam-se, claro, pelo seu monte, por isso têm a lista das principais espécies de plantas e animais que ali podem ser observadas. A ortografia não é a melhor, é a ortografia de dois "holantejanos", como gracejam o Jan e a Elisabeth, mas percebe-se perfeitamente que "Pege azul" só pode ser a Cyanopica cyanus.
 
O mapa da Quinta Anema com indicação das espécies habitantes.
ABELHARUCA, PICA-PAU, PEGE AZUL, lê-se na lista da Quinta Anema e, à frente do nome, o desenho de um representante da espécie.
 
Índice antigo

Maria Estela Guedes (1947, Britiande / Portugal). Diretora do Triplov

Membro da Associação Portuguesa de Escritores, da Sociedade Portuguesa de Autores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.

LIVROS

“Herberto Helder, Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979;  “SO2” . Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”, Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa, 1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários : Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora, 1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”. Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007; “Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Geisers”. Bembibre, Ed. Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas modernos em Portugal”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010. “Tango Sebastião”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2010. «A obra ao rubro de Herberto Helder», São Paulo, Editora Escrituras, 1010; "Arboreto». São Paulo, Arte-Livros, 2011; "Risco da terra", Lisboa, Apenas Livros, 2011; "Brasil", São Paulo, Arte-Livros, 2012; "Um bilhete para o Teatro do Céu", Lisboa, Apenas Livros, 2013; Folhas de Flandres,  Lisboa, Apenas Livros, 2014.

ALGUNS COLECTIVOS

"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte. “O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual. Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”. Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009. Entrada sobre a Carbonária no Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal, Lisboa, Gradiva Editora, 2010; «A minha vida vista do papel», in Ana Maria Haddad Baptista & Rosemary Roggero, Tempo-Memória na Educação. São Paulo, 2014.

TEATRO

Multimedia “O Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando Alvarez  e interpretação de Maria Vieira.