MARIA JULIETA MENDES DIAS
& PAULO MENDES PINTO

Maria de Magdala
a Mulher – a construção
do Culto – o caminho dos Mitos

8.3. O unguentário

Mas, pela leitura mais tradicional da iconografia madaleniana, o jarro ou o unguentário é seu principal signo. Seguindo os parágrafos anteriores, tanto nos surgem representações de pequenas e simples peças em vidro, como ricos jarros em metal dourado.

O significado deste símbolo, numa primeira leitura, é duplo. Esta peça tanto é o receptáculo do unguento usado na preparação do corpo de Cristo antes de ser depositado no sepulcro, como é o pequeno frasco de perfume com que foram ungidos os pés de Jesus em situação em tudo semelhante à da mulher que lavou os pés com as suas lágrimas.

De qualquer dos ângulos, o essencial é que a santa ficou, para sempre, associada a um símbolo que tem como principal função a indicação da unção. Tenha sido para tratar o corpo defunto, tenha sido como lavagem e perfume de pés, a santa ficaria ligada a uma das mais antigas formas de validação e transmissão de sacralidade: a unção.

Pelo crescente peso desta prática nos ritos católicos, não será por acaso que em Trento se afirmará que Maria Madalena não estava ligada às unções. A fama de prostituta tornava incómodo que uma das mais significativas funções religiosas estivessem em seu poder, começando-se, assim, a desfazer a grande confusão de personagens que fizeram com que várias mulheres fossem identificadas a uma só.

Afastada das unções, o símbolo lá estava e não podia ser assim retirado. Tanto mais que nasciam outras interpretações agora tão na moda: o frasco, o jarro, sempre junto da santa, sempre tão bem guardado, era a imagem de que era ela, Madalena, o Graal, o cálice onde estava depositado o sangue de Jesus. Era ela a depositária do cálice sagrado ou, mais longe ainda, era ela própria o cálice onde tinha sido depositado o sangue do Salvador.

Esta leitura é em muito popularizada através de um dos objectos por vezes usados para mostrar a devoção da santa pela contemplação. Na maioria dos casos, essa forma de devoção, muito contemplativa, reside no olhar cristalizado para um crucifixo; Numa mais reduzida percentagem, essa atitude é figurada, não pelo crucifixo, mas sim pelo cálix.

Numa clara adopção simbólica pós-tridentina, e que a eucaristia, mais propriamente, a transubstanciação, toma lugar de destaque no meio católico, o cálice que pretende mostrar a devoção de Madalena ao que era o centro do rito liturgico, surge, aos olhos heterodoxos, como uma confirmação de “suspeitas” antigas.