MARIA JULIETA MENDES DIAS
& PAULO MENDES PINTO

Maria de Magdala
a Mulher – a construção
do Culto – o caminho dos Mitos

8.5. O Crânio

O crânio também não um elemento iconográfico, dos associados a Maria Madalena, que nos ofereça uma leitura mais simples e linear. Várias são as leituras que correm e correram sobre o porquê e o sentido de, muitas vezes, a santa se fazer acompanhada por uma caveira.

De conotação mais hermética, o crânio pode estar ligado a diversas interpretações mais ou menos místicas. A mais comum delas diz-nos que se trata de um símbolo de penitência, mostrando-nos o quanto a vida é efémera diante da certeza da morte. Neste quadro de dramatização da vida humana, é ainda mais necessária a penitência como forma de purificação para a vida eterna. Maria Madalena era exactamente a imagem perfeita neste quadro.

Mas, nesta relação entre a morte a necessidade de remissão, o crânio também está associado à ressurreição de Cristo, por se tratar de um elemento representativo da morte física do corpo. Imagem da morte, é também significante da vida desprendida do corpóreo. É a renovação espiritual, o abandono da vida anterior ligada ao mundo da matéria, da renovação da natureza. No fundo, mais que ter sido testemunha da ressurreição do Cristo, Madalena incorporou na sua expiação a plenitude desta postura.

Numa leitura ainda mais fechada, criou-se uma outra associação com o nome do lugar onde o Cristo foi crucificado: o Gólgota, ou, «lugar do crânio». De acordo com algumas tradições místicas cristãs, Cristo foi crucificado no mesmo lugar onde o corpo de Adão havia sido enterrado. Quando o sangue de Cristo foi derramado, penetrou no solo sagrado e purificou o Adão original. Qual materialização da metafórica e mítica descida de Jesus aos infernos para resgatar os condenados, dando-lhes a vida eterna, o sangue, qual Graal depois buscado, caia na terra e dava de beber a Adão, o primeiro e, ao mesmo tempo, toda a humanidade. Maria Madalena, assim como a Virgem Maria, seriam associadas a este símbolo porque testemunharam o acontecimento restaurador e restituidor.

É interessante verificar que, juntando muito dos significados agora apontados, na época e que Maria Madalena tem o auge do seu culto, entre os séculos XII e XIV, é ainda Eva que é representada com um crânio junto de si. Em alguns casos, como na porta lateral de Santiago de Compostela, é-nos impossível decidir se estamos perante Maria Madalena ou Eva – apenas o contexto no ajuda.

Também Eva estava marcada pela ideia de morte, sendo Madalena, por oposição à Virgem Maria, uma nova Eva. Com um ciclo de vida oposto ao da primeira mulher, Madalena partia da vida mundana que lhe fora possível através da queda do casal primordial, reconhecendo que estavam nus, chegando a um afastamento total dessa sexualidade começada por Eva e tão vivida por si.