MARIA JULIETA MENDES DIAS
& PAULO MENDES PINTO

Maria de Magdala
a Mulher – a construção
do Culto – o caminho dos Mitos

2. Para a construção de uma figura positiva

No espaço cultural em que os relatos da vida de Jesus se situavam, e nos séculos posteriores em que a imagem se sedimentará, a personagem Maria Madalena que vemos nos Evangelhos fazia confluir em si um conjunto de mais-valias imagéticas muito importantes. Facilmente um ouvinte dos relatos dos Evangelhos poderia reconhecer algumas das facetas desta personagem em alguns dos elementos da sua bagagem cultural e religiosa.

Mesmo que já planamente monoteizados, crentes num só Deus, acreditando na divindade de Jesus, o Cristo, os habitantes da Bacia do Mediterrâneo, na primeira metade do primeiro milénio de vida do Cristianismo, teriam um conjunto de heranças culturais e mentais de religiões outras, mas do mesmo espaço, que em muito ditaria a forma como se relacionavam com essa religião nova que era a dos seguidores de Cristo.

A cultura semita, onde o espaço de Israel se situava, desenvolvera ao longo de milhares de anos algumas dominantes a nível do pensamento religioso que podem, algumas, ser encontradas na forma como se poderia ter encarado Maria Madalena. Da mesma forma, os mundos grego e latino também tinham formas de religiosidade própria que, naturalmente, foram em grande medida, incorporadas no Cristianismo.

Trata-se de estruturas de pensamento profundamente arreigadas nas populações e que, de forma inevitável, formataram o modo como se olhou para esta personagem.

Em todo o Médio Oriente Antigo eram recorrentes, e com culto muito importante na piedade pessoal das diversas religiões, divindades femininas muito próximas de alguns dos deuses principais dos panteões, nomeadamente em situações em que a vida destes é posta em causa. Maria Madalena corresponde a este formulário base; é plausível que os crentes reconhecessem este significado e função teológica.

Por outro lado, a História Bíblica tem um conjunto de mulheres de grande importância na construção da identidade religiosa, quase que nacional. Veremos que Maria Madalena é, também ela, uma mulher muito próxima de um grande líder, uma mulher com um papel muito importante, em tudo herdeiro dessa forma de encarar as mulheres.

Por fim, mesmo o aspecto da sua imagem que nos poderia parecer mais negativo, era, em certa medida, positivo. Falamos da prostituição. Não sabemos desde quando terá a santa sido, pelas populações, assimilada à imagem da prostituta, mas a verdade é que, sem preconceitos contemporâneos, a prostituição não era generalizadamente mal vista na Antiguidade. Campo de ambiguidade e de paixões, ser prostituta na época de Jesus era negativo, mas recordava, no inconsciente colectivo, mitos antigos, possivelmente lendas populares, que revelavam alguma simpatia, alguma proximidade, algum mistério e humanidade.

Trata-se de enformes de cultura que, em muito, condicionaram a evolução do culto e os modos como esta personagem foi sendo integrada umas vezes, rejeitada outras, no horizonte das religiosidades cristãs.