MARIA JULIETA MENDES DIAS
& PAULO MENDES PINTO

Maria de Magdala
a Mulher – a construção
do Culto – o caminho dos Mitos

3.2. O culto das virgens e da castidade

Em pleno complemento ao que antes foi tratado, a metáfora negativa da prostituição, complementando o sentido da leitura do significado dessa noção na fenomenologia do religioso, encontramos a ideia de virgindade.

Se, no que diz respeito à metáfora da prostituição, nos centrámos na raiz geneológica mais directa do cristianismo, o judaísmo, no que diz respeito à noção de virgindade, vamos dar especial atenção ao mundo de Roma, o campo onde será semeada a religião dos seguidores de Cristo.

Neste caso, a realidade que toma maior interesse é a das Vestais, em Roma. Neste caso, a virgindade surge como o paralelo da situação apresentada em capítulo anterior, sobre a prostituição divina, dentro do modelo do «serviço divino» prestado no feminino.

Tal como no caso da prostituição, a funcionalidade primeira desta função/situação do culto é a de uma vertente específica da sua sexualidade – uma implica a efectivação plena dessa sexualidade em culto constante, a outra implica a negação dessa mesma prática, tornando-se numa meta-prostituição.

Mas qual a funcionalidade desta forma de culto? A virgindade de uma vestal bastava-se por si. Nenhum rito específico era centrado na sua virgindade; bastava sê-lo. E era exactamente essa a essência dessa situação que lhe conferia um tamanho poder na gestão política da cidade. A virgindade de uma vestal era radicalmente diferente da castidade de uma futura matrona. No primeiro caso, a valoração atingia o próprio equilíbrio da cidade, do todo orgânico. A virgindade de uma Vestal implicava a gestão do caos e da morte aplicada ao próprio estado; a virgindade do corpo das Vestais era tida como um dado essencial para a boa acção política da cidade. Como única tarefa que lhes era obrigatória, eram elas que mantinham acesa a chama da cidade, uma chama que nunca poderia extinguir-se.

Neste sentido, a virgindade era, de facto, uma representação ritualizada da integridade de Roma, da sua identidade, da efectiva funcionalidade dos seus conceitos identitários e religiosos. Eram duras as penas, a morte, a aplicar a uma Vestal que perdesse a virgindade.

Rómulo, o mítico fundador da cidade, era filho de uma Vestal, o resultado simbólico dessa integridade, dessa representatividade da realidade colectiva. Ao mesmo tempo, e mostrando-nos mais uma vez que a prostituição não era, em si, mácula, como a entendemos agora, esse mesmo Rómulo, filho de uma virgem, é criado por uma loba, isto é, uma prostituta, Acca Larentia… o nascimento de Roma está assim definido neste duplo referencial claramente complementar (ver Tito Lívio, História de Roma, l. I, cp. IV e V).

Filho de uma Virgem e criado por uma prostituta, rapidamente a imagem de Jesus nos surgem em paralelo. Maria Madalena sempre será uma figura caminhante, lado a lado, com a Virgem Maria. A sua complementaridade é plena.

Mas Maria Madalena não surge apenas nesta macro visão da vida Jesus e de Rómulo. Madalena é também, pela sua vertente profundamente negativa, a negação desta ideia identitária de Roma. Roma via-se, guardava os seus símbolos, nesse colégio de mulheres que conservavam, durante mais de duas dezenas de anos, a sua castidade.

O cristianismo que se desenvolverá nesse quadro cultural não passou ao lado desta leitura orgânica do todo social: não será por simples acaso, nem apenas porque em Roma já pouco se sabia de grego no século VI, que Maria Madalena é assimilada à figura da prostituta.