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1. Manifestei-me,
desde muito cedo, contra certas representações da religião e em
particular do catolicismo, mas tive sempre o pressentimento de que
era na dimensão religiosa e de modo especial no cristianismo
católico, liberto de pretensões exclusivistas ou inclusivistas, que
estava escondida a alma do mundo, o impulso do amor da pura
gratuidade e da infinita misericórdia.
Encontrei algumas pessoas que, desde a
adolescência, me mostraram que as dúvidas e o questionamento são
intrínsecos ao processo da fé cristã. Ninguém tem a verdade, mas é
possível viver no horizonte da sua busca, com o contributo de todos
os que a procuram, em todas as áreas de conhecimento, seja qual for
o universo cultural e religioso. Tudo na vida é uma criação de
possibilidades, de acontecimentos imprevisíveis. Nunca me dei bem
com crenças inamovíveis, com o determinismo.
Uma “religião” que se apresente como
inimiga do questionamento, da investigação e da liberdade deve ser
denunciada pelas pessoas e instituições religiosas, como ridícula
blasfêmia.
2. A religião como
atitude pessoal e como fenómeno social, não começou ontem nem vai
acabar tão cedo, apesar da fúria dos loucos do império islâmico e
dos observadores apressados, mas não está condenada a ser como
sempre foi. É um fenómeno imenso em todos os continentes, menos na
Europa preconceituosa. Vê-se, agora, enredada em movimentos,
instituições e acontecimentos com os quais não sabe lidar, não os
pode eliminar e recusa-se a entender.
Já na pré-história há indícios de
religiosidade, a começar pela ritualização da morte, o que implica a
existência de uma concepção simbólica, isto é, de um mundo feito de
visível, invisível e imprevisível. Apenas no ser humano, e em nenhum
outro ser vivo, se observa semelhante comportamento e tão extrema
resistência simbólica.
Alguns investigadores e hermeneutas
criaram a categoria de sagrado para caracterizar a ancestral
atitude perante o “mundo tremendo e fascinante”. É a religião –
subjectiva e objectiva - que o ritualiza e codifica. No
âmbito da cultura latina, o termo religião, segundo Cícero, vem de
reler, examinar com a atenção, isto é, não ser leviano na
observação da complexidade da natureza, do ser humano e da
sociedade. Para o cristão Lactâncio, a sua etimologia é mais
construída e mais evidente: significa religar, como se os
seres humanos reconhecessem que precisam de se religar a uma
transcendência e uns aos outros, numa comunidade. O mediólogo, Regis
Debray, analisou cuidadosamente a função política da religião,
mostrando que a sociedade precisa de reunir os indivíduos através de
algo invisível – seja ele qual for - que os transcende.
A consciência desenganada da nossa
evidente finitude levanta a questão fundamental acerca do sentido da
vida, sem resposta única para todos.
O grande filósofo pragmático, John
Dewey, desejaria que o futuro da religião estivesse ligado à
hipótese de desenvolvimento de uma fé nas possibilidades da
experiência humana e na capacidade humana para estabelecer relações
que criem um sentido vital da solidariedade dos interesses humanos e
inspirem acções capazes de transformar esse sentido em realidade.
3. Em pouco tempo,
Bergoglio tornou-se o pragmático da reforma da Igreja Católica. Não
se ficou pelo Banco do Vaticano e pela Cúria Romana, apesar de todas
as resistências aí instaladas. A hierarquia eclesiástica, as cúrias
diocesanas, as conferências episcopais, as secretarias paroquiais
podem, em muitos casos, tentar resistir à mudança. Sentem, no
entanto, que o programa reformador do Papa e sobretudo os seus
gestos, atitudes, discursos e pregações desorganizaram um mundo que,
peça a peça, tinha sido construído para resistir aos que reclamavam
reformas urgentes. Começam a sentir-se mal quando lhes dizem que o
caminho do Papa Francisco é mais cristão do que o mundo de
privilégios sacralizados. Gostavam de citar os Papas para manter a
“ordem”. Agora sentem-se em desequilíbrio.
Os movimentos de leigos e, sobretudo os
mais elitistas, que se julgam a verdadeira Igreja, a do futuro, não
escapam às interpelações de Bergoglio. Ao caminho “Neocatecumenal”
fez-lhe observações muito concretas para as correcções de rumo e de
métodos, inscrevendo-o nas igrejas locais, de forma inculturada,
vencendo as suas tentativas monopolistas.
Foi, porém, no encontro de 7 de Março,
com o movimento Comunhão e Libertação - que se julgava um
modelo de fidelidade a Roma na luta contra todos os desvios do
catolicismo pós-conciliar –, que o Papa aproveitou para marcar o
primado na moral cristã e fazer a denúncia da substituição da
centralidade de Cristo pelo meu método espiritual, o meu caminho
espiritual e o meu modo de o implementar. É uma forma de sair do
Caminho e ficar com o carisma petrificado numa garrafa de
água destilada, de se tornar guias de museu e adoradores de cinzas.
A Igreja, para encontrar o seu centro
em Cristo, tem de sair para todas as periferias do mundo
contemporâneo.
Deus não enviou o Filho ao mundo
para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele.
O discurso está na íntegra, em
italiano, no site do Vaticano. Que bom seria encontrá-lo em
português, sem acordo!
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