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1.
Na paisagem pós-religiosa da Europa não foi necessária nenhuma
heroicidade para organizar, em Paris – e noutras cidades -, a grande
procissão para defender a liberdade de expressão, mesmo acerca das
religiões. Nas Filipinas, 6 milhões foram participar com o Papa
Francisco na celebração da Eucaristia para rezar e resistir ao
imenso sofrimento dos pobres de todos os continentes, a blasfémia
contra o ser humano.
Estava a pensar nisto, quando, deparei
com dois livros, que vinham ao encontro de alguns temas que me
preocupam. O primeiro[i]
é de um bispo, carregado de doutoramentos e coordenador nacional do
serviço do episcopado francês, no tocante à pastoral, às novas
crenças e às derivas sectárias. Ao observar o que aparece nos meios
de comunicação contra o cristianismo e contra a Igreja católica e,
por outro lado, a velocidades com que o ateísmo e um certo paganismo
alargam a sua influência, não ficou parado: procurou responder a
essas críticas, corrigir os erros tantas vezes repetidos, a partir
“do coração” do cristianismo.
Para atingir esse objectivo, o autor
enfrentou os debates que foram sempre fundamentais: a obediência e a
via da autoridade opostas à razão e à sabedoria; o próprio facto da
Revelação, as dificuldades que envolvem a Incarnação e o
antropocentrismo, sobretudo, o problema crucial do sofrimento e da
morte.
Pode parecer pretensioso abranger as
questões do ateísmo e do paganismo, na sua fonte, no seu contexto e
evolução, até às objecções contemporâneas – ainda que tradicionais –
feitas ao cristianismo: as guerras de Religião, a Inquisição, as
cruzadas, as torpezas de certos papas, a pedofilia. No entanto, para
o diálogo que os agentes de pastoral devem cultivar, com a maioria
de crentes e não crentes - não são todos filósofos e teólogos -, é
um instrumento muito útil.
2. O outro livro[ii]
não pertence nem ao campo da teologia nem ao da filosofia, mas ao da
sociologia da religião, escrito por um especialista em Ciências da
Informação. Recolhe os estudos e as estatísticas que, segundo o
título, exprimem uma Europa sem religião, num mundo
religioso.
Um vasto inquérito estatístico sobre os
efectivos religiosos, as crenças e as práticas, em França, na Europa
Ocidental e na América do Norte, tende a confirmar uma hipótese
muito evocada nos últimos tempos: o declínio do cristianismo
(católico, ortodoxo e protestante) e, também, do judaísmo.
Não é muito fácil reconhecer e encarar
este fenómeno e, mais difícil ainda, aceitar que o futuro não repete
o passado, imaginar novos tipos de presença e de comportamento. Esta
paisagem contrasta com outros dois universos religiosos mais
vistosos, ainda que incomparáveis termo a termo, isto é, o islão de
inspiração salafista e o protestantismo pentecostal, em parte
situados nas periferias do mundo pós-religioso.
Estes factos não são o fim da religião.
Em África, na América do Sul, no sul dos Estados Unidos, na Ásia e
na Europa Oriental, seja de que ponto de vista for, a religião é uma
componente do quotidiano.
Acerca da Europa, o autor não aceita a
tese dos que, perante a complexidade do fenómeno religioso, em vez
de falarem do seu declínio, analisam a sua recomposição. O que é
inegável, por exemplo no catolicismo, é o facto expresso no que
dizia, com uma certa graça, o Arcebispo de Lyon: quando ordeno dois
padres por ano, enterro vinte. Padres das dioceses e das
congregações religiosas são cada vez menos. As religiosas, sejam de
clausura ou da vida activa, seguem o mesmo rumo.
Esta situação leva a posições
conservadoras bastante ridículas. São poucos os celibatários
candidatos a ser ordenados padres. Os poucos não chegam para as
encomendas. Muitos dos padres que se casaram, sobretudo depois do
Vaticano II, gostariam de continuar o ministério para que estavam
preparados. Foi-lhes recusada essa possibilidade. Aqui, começaram as
subtilezas: padres casados, não, mas não haveria, em princípio,
objecção à ordenação de homens casados, os apóstolos não eram
solteiros. Acontece que nunca ordenam os que o desejam. Ficavam as
mulheres, entre as quais haveria certamente vocações para diferentes
ministérios. Mas essas, nunca! Todo o esforço de papas, bispos e
cardeais – e dos teólogos de serviço - esgota-se num rol de
incompatibilidades. Uma das mais ridículas consiste em dizer que o
padre, ou o bispo, preside à Eucaristia à imagem de Cristo. Ora,
este é homem. Nem pensam que, nesta lógica absurda, estão a roubar
Cristo às mulheres cristãs.
O resultado prático de tudo isto não é
brilhante. As comunidades cristãs, comunidades sacramentais, têm
direito à Eucaristia, o sacramento dos sacramentos. Prefere-se
aceitar este gravíssimo deficit a olhar de frente a inadequação da
teologia que leva a não fazer nada. Existem algumas mulheres
pastoras, luteranas, calvinistas ou anglicanas e raras são as
rabinas liberais e presbíteras católicas dissidentes.
Diz-se que são poucas e chegaram tarde.
Será que para as mulheres católicas estão à espera da 25ª hora?
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