1. No dia 26 de Junho recebi uma mensagem:
não deixe de comprar hoje o DN. Ia no comboio! Como os meus ouvidos
já confundem os ruídos, consegui perceber, no entanto, que se
tratava de alguém muito zangado com a encíclica do Papa. Quando
cheguei ao destino, deparei com um artigo de Miguel Ángel Belloso
(director da revista espanhola, Actualidad Económica), Um Papa
pessimista e injusto.
O artigo não é original, mas merece atenção.
Tentarei um resumo. Inscreve-se num conhecido projecto
internacional, de católicos e não católicos, destinado a
engrossar, cada vez mais, a campanha contra o papa argentino. O
autor confessa uma grande admiração pelos papas que imediatamente o
antecederam. Bergoglio, pelo contrário, em muito pouco tempo,
impulsionou uma revolução na Igreja.
A sua nova encíclica, Laudato si, a
sua carta pastoral Evangellii gaudium, assim como as suas
frequentes intervenções nos foros públicos reflectem um pessimismo
ontológico.
Confesso que não percebi onde é que Belloso
descobriu esse “pessimismo ontológico”. Para ele, a verdadeira
estatística é esta: apesar de todas as suas imperfeições, estamos no
melhor dos mundos, com tendência a ficar cada vez mais radioso, se
não tocarmos na sua gloriosa evolução.
Estes são dados, mas é como se a verdade
fosse uma inconveniência para Francisco e para o conjunto da
esquerda. João Paulo II pensava que a solução para os males do mundo
estava em cultivar as virtudes pessoais e em voltar a olhar para
Deus. Francisco é um Papa decididamente político, um socialista
convencido. O autor, Belloso, acredita que o melhor é um mundo
governado pela força espontânea do mercado.
Nesta desastrosa encíclica, Francisco segue a
narrativa segundo a qual o chamado neoliberalismo despojou o mundo
das suas naturais abundâncias e bondade. A partir desta concepção
nostálgica e pessimista, incita os governos à acção para reverter as
perdas materiais das últimas décadas. Mas nem estas foram tão
grandes nem a acção do governo é o meio mais adequado para procurar
o bem comum.
Os católicos tiveram muito azar com este
Papa. Converteu-se num poderoso aliado das teses erróneas
da esquerda que nunca proporcionaram o bem-estar geral e sustenta
umas posições infelizes que casam muito mal com o seu papel de líder
religioso mundial.
2. Este senhor percebeu muito bem a
posição de Bergoglio. Bastou-lhe colocar-se no polo oposto para ver
que as duas posições eram incompatíveis, mas a dele é a única
verdadeira. Ao referir-se à interpretação política dos documentos e
das frequentes intervenções nos foros públicos deste Papa parece um
lamento por não poder contar com ele para as suas posições. Estava
convencido que o pensamento e as actuações dos dois últimos papas
lhe eram favoráveis e, por isso, estavam certas.
Seria lastimável que agora, na Igreja, tudo
fosse medido pelo seguinte critério de verdade: quem é pró e quem é
contra o Papa. Não é o bom caminho. O Papa Francisco não pauta a sua
acção e o seu pensamento pelo critério da infalibilidade: quem está
comigo está com Deus, quem não está comigo está com o diabo. Acerca
da pastoral da Igreja e, agora, acerca da ecologia, publicou apenas
ideias para debate. Ele não pediu que os referidos documentos fossem
abordados com espírito de adoração. Não acredita no velho
adagio: Roma falou, assunto arrumado.
Como regra, perante a palavra do outro,
devemos perguntar-nos donde é que ele fala, que interesses defende,
que causas o norteiam? Neste caso, vale a pena perguntar: o que
preocupa M. Ángel Belloso e o que preocupa o Papa? Este vê o mundo a
partir dos sobrantes e dos descartáveis. Não tem
soluções técnicas para desenhar um presente e um futuro que os
inclua. Tem, no entanto, de gritar que não é inevitável que o
nascimento ou a vida coloque uns no centro e outros à margem da
sociedade. Se somos da mesma humanidade e, na interpretação cristã,
se somos irmãos, alguma coisa tem de se arranjar. Pelo contrário,
Belloso vê o mundo a partir daqueles a quem tudo está a correr bem.
Tempo virá em que irá correr bem a todos. Até lá, azar!
Não seria nada mau que, um dia, os dois
olhares se cruzassem. Que pudessem conversar sobre a raíz comum e as
sortes tão diferentes.
3. Embora pouco praticantes do
ecumenismo entre as Igrejas cristãs e de diálogo inter-religioso,
estamos sempre dispostos a louvá-los. Já aqui referimos a posição do
Papa sobre a necessidade de não deixar esta questão nas mãos de
especialistas. Teríamos de esperar pelo dia seguinte ao do Juízo
Final.
Será impossível estabelecer pontes entre
tendências, grupos, movimentos católicos, por mais diferentes que
sejam, no serviço da sociedade? Não se trata de negar as
divergências, mas de encontrar os pontos de convergência.
Seria, no entanto, redutor e ridículo fazer
da ecologia uma questão confessional. Bergoglio também não pretende
definir questões científicas nem substituir-se à política. Deseja
aprofundar um debate em que todos possam participar na salvação da
casa comum. Esta não é propriedade privada de nenhuma geração e
todas têm de pensar na herança que deixam aos seus filhos. Somos,
apenas, os gestores dessa herança. Seria um desastre ignorar esta
evidência.
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