1. Reza Aslan[i]
nasceu no Irão, vive nos USA e é apresentado como um investigador,
um académico e um escritor de renome internacional. A sua obra, O
Zelota, surge com o propósito de recuperar o Jesus da história,
o Jesus antes do cristianismo. A tese é simples: Jesus foi um
revolucionário judeu que, há dois mil anos, atravessou a província
da Galileia reunindo apoiantes para um movimento messiânico, com o
objectivo de estabelecer o Reino de Deus, mas cuja missão falhou
quando, após uma entrada provocatória em Jerusalém e um ataque
descarado ao Templo, foi preso e executado por Roma pelo crime de
sedição.
A ideia de um Jesus zelota não é
original, mesmo em português já dispúnhamos de Jesus. O Galileu
Armado[ii].
Desde o séc. XVIII, até à actualidade, a bibliografia sobre o Jesus
da história é tão vasta que é preciso coragem para alguém se
apresentar com um contributo verdadeiramente novo. A Reza Aslan não
lhe faltou coragem, mas como é costume dizer, o que tem de bom não é
muito original e quando pretende ser original não é muito
interessante. A leitura é agradável.
Ainda não há muitos anos, era frequente
ouvir dizer - a quem não estava de boas relações com as instituições
eclesiásticas -, Jesus Cristo, sim! Igreja, não! Agora, em
certos meios, procura-se de tal modo o Jesus da história que se
ignora o Cristo da fé. O próprio Aslan conclui, de forma paradoxal,
a sua narrativa com estas palavras significativas: Jesus de
Nazaré – Jesus, o homem- é tão cativante, tão carismático e tão
louvável, como Jesus, o Cristo. É, em suma, alguém em quem vale a
pena acreditar.
2. Hoje, temos
edições de todos os textos primitivos, os conhecidos, que se referem
a Jesus Cristo: canónicos, apócrifos e dos adversários. António
Piñero[iii] é um dos
obreiros desse empreendimento, em Espanha. Desenhou, além disso, os
100 Rostos de Jesus Cristo e responsabilizou-se por esse
atrevimento. Publicou, entre outros, um livro muito didático para
que um grande público pudesse conhecer, com rigor, Israel e o mundo
no qual nasceu e cresceu Jesus de Nazaré.
Quem eram, afinal, os zelotas? O
vocábulo significa ”gente caracterizada pelo zelo pela Lei”. Assim,
sabemos que existiram sempre zelotas na história de Israel, desde o
Exílio até ao ano I. O conceito genérico correspondia a um movimento
sócio-religioso de defesa de um património religioso, nacional ou
internacional, que se sentia em perigo. Nesse sentido, podemos dizer
que hoje são zelotas os defensores fanáticos da sharia,
ou lei islâmica, os fundamentalistas muçulmanos e também podem ser
designados como zelotas, os membros de alguns grupos
integristas católicos.
Mais em concreto, entendemos por
zelotas os membros do movimento religioso e político, de
resistência anti-romana, começado por Judas, o Galileu, no ano VI
d.C.. Os seus seguidores estão ligados por uma doutrina de fundo,
meramente farisaica, da escola de Samay, vivida de forma radical nos
seus aspectos sociais e políticos. Esta ideologia concretizava-se no
movimento nacionalista, militante e fanático, que Flávio Josefo
chama a “quarta filosofia”(seita/partido) dos judeus. Os outros três
movimentos são os saduceus, fariseus e essénios. Tinham um lema que
os orientava nas suas acções: Israel não pode admitir nem honrar
ninguém como rei ou senhor, além do Deus único.
Os zelotas não toleravam, por
isso, nenhum poder estrangeiro em Israel. Pagar impostos ao Império
Romano era perpetuar a idolatria num país santo, cujo único dono era
Iavé. Os zelotas empreendiam acções que hoje designaríamos
por terroristas, tanto contra os romanos como contra os
judeus seus amigos e colaboradores. Pensavam, no entanto, que o ser
humano não devia deixar só nas mãos de Deus a libertação de Israel.
Eles próprios deveriam agir recorrendo à luta armada.
Uma definição, tão geral como a
exposta, permite considerar que também houve zelotas, por
conta própria, já no ano I e desde então até às guerras judaicas
contra Roma. Dito isto, é preciso afirmar que os zelotas,
como partido religioso e presença social viva, não existiam no
começo do séc. I. Flávio Josefo não fala deles de forma detalhada
até ao ano 66 d.C., quando conquistaram Jerusalém, em oposição a
outros judeus moderados, tornando-se um movimento populista
contrário aos ricos. Uma das primeiras medidas que tomaram foi
destruir todos os arquivos onde se encontravam todas as dívidas
contraídas pelo povo.
Os sicários foram,
provavelmente, grupos de zelotas independentes.
3. Recolhi estas
indicações para não sermos apressados a designar Jesus como um
zelota. Aí voltaremos. No entanto, num sentido amplo, ao longo
da história da Igreja houve muito zelo mal esclarecido, a ponto de
entregar à perdição quem não pertencia à Igreja ou dela era
excluído. Hoje, com o zelo por certas tradições eclesiásticas, por
certo tipo de exegese bíblica e respeitos dogmáticos, carregamos os
católicos com fardos absurdos e, depois, permitimos caminho largo
onde deveria ser estreito.
[i] O
Zelota, Quetzal, 2014
[ii]
José Montserrat Torrens, Jesus O Galileu Armado, Jesus O
Galileu Armado Esfera do Caos, 2008
[iii]
Jesús de Nazaret. El hombre de
las cien caras, Madrid, Edaf,
2012; Ciudadano Jesús. Respuestas a todas las preguntas.
Madrid, Atanor, 2012.