|
|
|
|
|
|
|
BENTO DOMINGUES, op
Trabalho para todos?
|
|
Bento Domingues. Frade da Ordem
dos Dominicanos, teólogo, professor e escritor. |
|
|
1. A “Liga Operária
Católica/Movimento dos Trabalhadores Cristãos” (LOC/MTC) tem uma
longa história de confissão pública da fé cristã, no seio da luta
operária e das suas organizações. Inscreve-se no caminho aberto por
Jesus, um judeu marginal, de há dois mil anos, que terá sido educado
por José, o artesão, na lei de ganhar o pão com o suor do seu rosto
e não com o do rosto dos outros.
Jesus não era nem um pobre
de pedir nem um proprietário ou empresário. O seu Evangelho tinha a
ousadia de anunciar, aos pobres e excluídos, a bem-aventurança de um
mundo de irmãos, que reunisse todos os filhos de Deus dispersos (Jo
11,52). Acabou por concluir que não seria tarefa fácil.
Aos
seus discípulos interessava mais a esperança de chegar ao governo do
novo poder do que embarcar nos sonhos loucos do Nazareno. Diante do
líder crucificado, desiludidos, cada um voltou à sua vida.
Segundo a 1ª carta aos Tessalonicenses – o primeiro escrito cristão
- quando S. Paulo entrou em cena, a esperança tinha mudado
radicalmente de sentido: o mais importante era preparar-se para o
fim do mundo.
O apóstolo tinha-se entusiasmado tanto com a
voz do Ressuscitado, que entrou em delírio. Verificado, porém, o
equívoco, pediu aos cristãos para abandonarem as conversas sobre o
fim do mundo e desautorizou os parasitas do engano, da forma mais
prática: “quem não quer trabalhar que não coma! Às pessoas que
levavam a vida à toa, muito atarefados a não fazer nada, ordena e
exorta, no Senhor Jesus Cristo, que trabalhem tranquilamente a
ganhar o pão com o próprio esforço” (2Tess 3).
Aos militantes
da LOC não se lhes pede que regressem às condições de trabalho de
Jesus e José, às espectativas das comunidades de S. Paulo de há dois
mil anos, nem às condições dos anos 30, do século passado, quando a
LOC foi organizada em pleno Estado Novo. Ao exigirem “trabalho para
todos”, não esperam certamente que a destruição dos postos de
trabalho destes últimos anos venha a ser invertida. Sabem que o
trabalho como já o conheceram não regressará. As técnicas da
agricultura, das pescas e das indústrias, que aprenderam e usaram,
morreram e não ressuscitarão.
Sendo assim, a luta por
“trabalho para todos” não será apenas o último grito do desespero ou
um exercício quixotesco de alucinados? Ainda não terão ouvido falar
da nova ou terceira revolução industrial que obriga a repensar, de
forma radical, o trabalho, implicando a reorganização fundamental da
economia e das relações humanas? Não saberão que está a nascer uma
nova civilização sem eles e contra eles?
2. Saber, sabem, mas
não lhes serve de nada. Se para a maioria da população, o
determinismo tecnológico é niilista, para alguns é exaltante e
desses é o poder, o reino e a glória. Com muito menos operários,
graças à informática e à robótica, crescem a produção e os lucros.
Os vencimentos dos gestores de topo sobem em flecha e os dos
trabalhadores, os mais mal pagos, vão deslizando. As desigualdades
entre uns e outros são cada vez maiores. Os factores de desigualdade
variam segundo os ramos de actividade. Alguns roçam o absurdo. O
vertiginoso progresso da informática é um dos factores que mais
conta no aprofundamento das maiores desigualdades.
Apesar da
cadeia de esmolas, montada ao longo do país, os ideais da revolução
francesa - liberdade, igualdade e fraternidade, filhos laicos do
Evangelho - foram substituídos por várias formas de opressão, pelo
abismo económico e social, pela institucionalização do egoísmo e da
humilhação.
3. Se é previsível que, muito rapidamente, em
muitos lugares, a maioria da população será constituída por
desempregados, que adianta que a LOC, o Papa Francisco, o Bispo do
Porto e todos os que ainda não perderam a capacidade de indignação,
continuem a teimar na exigência de trabalho e emprego para todos?
Talvez por uma razão muito simples: o trabalho é uma das
dimensões fundamentais da existência humana e a situação de
desemprego uma humilhação tal que afecta a própria consciência da
dignidade humana – não valho nada! O desempregado é um marginal à
força, um desqualificado.
A displicência com que certos
governantes, entidades patronais, comentadores e jornalistas de
serviço se referem ao número de desempregados, revela uma degradação
ética insuportável. O ser humano passou a não valer mesmo nada, é um
aborto.
É preciso gritar que as novas tecnologias,
substituindo muitos postos de trabalho, abrem também a possibilidade
de imaginar, reorganizar e distribuir, de modo novo, os calendários
do trabalho, combinados com novas formas de cultura e
espiritualidade. As novas tecnologias são para proveito de todos os
seres humanos e não só de alguns. Importa ressuscitar a política do
bem comum. Estarão os cristãos rendidos ao culto dos novos ídolos?
Sem a redescoberta de novos valores e modelos de vida pessoal e
familiar, empresarial, social e política não adianta falar de
austeridade, de empobrecimento ou desenvolvimento, pois é uma
linguagem do castigo ou da promessa que assenta na demagogia. As
visões curtas são sempre mais curtas do que se imaginam.
Portugal não pode sair do resgate com sucesso se os portugueses
saírem de rastos.
in Público, 13.04.2014
|
|
|
|
|
|
http://www.we-are-church.org/pt/ |
|
|
|
|
|
|
|
|