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1. Entre os mais
idosos, alguns talvez ainda tenham gosto em se lembrar e outros,
vontade de esquecer que no dia 8 de Dezembro de 1967 foi criado,
pelo papa Paulo VI, o Dia Mundial da Paz. Ficou decidido, no
entanto, que seria celebrado, daí em diante, no primeiro dia do ano
civil. Assim continua, embora as Nações Unidas tenham marcado, em
1981, o Dia Internacional da Paz para o dia 21 de Setembro. Não se
sobrepõem.
Em Portugal, a decisão de Paulo VI teve
um impacto significativo durante a guerra colonial, porque se
inscreveu nos ecos do Vaticano II e da Pacem in Terris de
João XXIII, que tinham alargado, aprofundado e provocado iniciativas
de oposição católica ao Estado Novo[i].
Destacamos: no Porto, suscitou a criação da comissão diocesana de
Justiça e Paz, com múltiplas intervenções; em Lisboa, as vigílias na
Igreja de S. Domingos, em 1969, e na Capela do Rato, de 1972 para
1973, tornaram-se marcos históricos pela ressonância conseguida. A
vigília da Capela do Rato provocou a intervenção da Pide, várias
prisões e aceso confronto, na Assembleia Nacional, entre os
deputados Miller Guerra e Francisco Casal Ribeiro.
As mensagens anuais constituem peças
importantes da posição dos papas perante as questões da guerra e da
paz. Ao se tornarem um ritual, o seu verdadeiro impacto depende,
apenas, do que as Igrejas locais fizeram desses notáveis documentos.
2. Que irá acontecer
com a mensagem do Papa Francisco, “A Fraternidade, fundamento e
caminho da Paz”?
Da trilogia da Revolução Francesa,
“Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, a última foi sempre a mais
esquecida. Nas Igrejas Cristãs, todos são filhos de Deus, mas
raramente os reconhecemos como nossos irmãos.
Qual é então a situação da população
mundial?
Os números são conhecidos: 1% da
população mundial concentra 43% da riqueza, enquanto 50% fica apenas
com 2%. Neste mundo há 871 milhões de pessoas com fome; mais de
1.000 milhões encontram-se na indigência e cerca de 3.000 milhões na
pobreza. Neste mundo, 900 milhões não têm água potável, 1.000
milhões não têm acesso à luz eléctrica e 2.160 milhões não possuem
instalações sanitárias.
Já estamos tão habituados à linguagem dos
números, a propósito de tudo e de nada, que em vez de nos
aproximarem da realidade vivida, afastam-na. O Papa Francisco podia
recitar todos estes números e dizer, com verdade, estes são todos
membros da nossa família. Ele sabe que por aí não iria longe.
Também não parece muito interessado em juntar textos doutrinários
aos dos outros Papas e engrossar as bibliotecas piedosas. Passaram
nove meses sobre a sua eleição. Não foi a eleição de Sua Santidade,
mas a de um pecador em processo de conversão, chamando os cardeais,
os bispos, os padres a essa condição para poderem servir e dinamizar
as comunidades cristãs. Não ficou por aí. Escolheu o caminho do
exemplo, mas não para dar exemplo. Se espantou o mundo com os seus
gestos, foi por causa da sua autenticidade, sem recurso ao marketing
religioso. De repente, vimos o Papa como imaginamos que terá sido
Jesus Cristo, há dois mil anos. Desde a quinta-feira santa, o seu
caminho tem sido o encontro com a periferia do mundo, o lugar da
Igreja.
Para uns, isto é uma alegria, um convite
a fazer o mesmo. Para outros, é uma descoberta. Não falta quem veja
no método do Papa Francisco, uma crítica ao caminho que se estava a
percorrer, semeado de escândalos. Claro que é o começo de uma
reforma urgente, mas que ele não quer apenas propor, mas praticar na
sua pessoa, nas suas decisões, da forma mais fraterna e mais alegre
com aquelas e aqueles que ninguém escolheria para irmãos.
3. O Papa, pela ordem
natural das coisas, tem muito pouco tempo para realizar o que lhe
parece mais urgente. O mais urgente é ajudar o conjunto da Igreja a
rectificar a sua orientação, a inclinar-se para o lado certo. Não é
a substituição da Igreja pelo Papa. É fazer com que os papas, os
bispos, os cardeais, os padres tenham uma prática de dinamizadores e
não substitutos dos membros da Igreja: tornarmo-nos no que somos,
todos irmãos (Mt 23, 8-9), a viver e a trabalhar, na sociedade e
na igreja, como num bem de família.
Que se saiba, o mundo não está para
acabar já. O Papa Francisco ainda vai deixar muito por fazer. Mas,
pela sua maneira de ser e actuar, já começou o mais importante: não
é fatal que a igreja e o mundo tenham de continuar a ser como até
aqui.
Bergoglio criou um problema que não sei
como o irá resolver: não se cansa de denunciar a economia que mata.
Que poderá ele fazer para que nas instituições universitárias
católicas, o ensino no campo da economia, da finança, da gestão, da
política não só denuncie e recuse qualquer tipo de participação
nesse homicídio, mas sobretudo, que poderá ele fazer para que os
professores e alunos dessas instituições investiguem e façam
propostas que sirvam a fraternidade como fundamento e caminho da
paz?
De qualquer modo, Bergoglio não é o
primeiro a andar em contramão. Foi precedido por boa companhia. Os
fariseus, amigos do dinheiro, ouviam Jesus dizer que não se pode
servir a Deus e ao Dinheiro e zombavam dele (Lc 16, 13-15).
Temos pela frente um novo ano e muitos
desafios na Igreja e na Sociedade.
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