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BENTO DOMINGUES, op
Padres casados
na Igreja católica? |
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Bento Domingues. Frade da Ordem
dos Dominicanos, teólogo, professor e escritor. |
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1. O papa Francisco, além da visita, cheia de armadilhas, à
chamada Terra Santa, será cada vez mais confrontado com um mundo
de novas formas de família, um panorama de uniões de facto, de
casados, divorciados, recasados, etc.. O Sínodo, marcado para
Outubro, terá de inscrever, sem subterfúgios, esse universo
movediço na sua agenda.
A nível mundial, neste momento, o cenário de paróquias sem
Eucaristia e o que isso significa, pressupõe e exige, não pode
deixar nenhum católico tranquilo. Continuar a insistir nas
mesmas condições para ser ordenado padre, é demasiada confiança
no milagre da sua multiplicação. Consta que o papa Francisco
está aberto à ordenação de homens casados. Será isso suficiente?
Os papas do pós-Vaticano II, em nome de opções pré-conciliares
acerca do celibato eclesiástico, foram muito eficazes em calar
as vozes que mostravam que essas opções já não serviam nem o
presente nem o futuro da Igreja. Os bispos, por seu lado, ao não
quererem contrariar a cúria romana, não aceitando muitos
milhares de padres casados dispostos a continuar no seu
ministério, abdicaram da sua responsabilidade colegial e
colaboraram numa progressiva desertificação. Essa recusa
coexiste com outro paradoxo: as comunidades religiosas não devem
abdicar da Missa quotidiana, mas as multidões de leigos
católicos podem ser abandonados, por longos períodos, sem a
Eucaristia dominical, a que têm direito, sem que isso provoque
qualquer sobressalto pastoral.
2. Sem entrar, neste apontamento, pelo complexo desenvolvimento
histórico que nos conduziu a esta situação, é consensual dizer
que foi no âmbito das reformas de Gregório VII (1073-85), na
continuação de medidas anteriores, que se consolidou a convicção
de que o estado matrimonial era irreconciliável com o sacerdócio
e que se tratava, simplesmente, de dar execução a uma antiga lei
eclesiástica. Como destaca H. Jedin, nesta questão não se
tratava sempre de reforma interna da Igreja, mas da conservação
dos seus bens que, pelo matrimónio dos clérigos, passavam com
muita facilidade para os seus filhos.
Não vamos discutir essa questão. Vamos seguir a síntese de um
autor pouco suspeito. A atitude do referido papa contra a
clerogamia suscitou muita agitação e oposições em vários países.
Note-se que o sínodo de Paris, de 1074, definiu a lei do
celibato como insustentável e irracional; muitos bispos alemães,
e não só, foram pouco rigorosos na sua aplicação; o baixo clero
revoltou-se em diversos lugares, por vezes de forma violenta. O
papa Gregório não cedeu. O sínodo romano de 1078 ameaçou de
suspensão os bispos que, mediante pagamento em dinheiro, se
mostrassem indulgentes para com o concubinato dos eclesiásticos,
seus súbditos. Por fim, a lei do celibato conseguiu impor-se,
embora com dificuldade e nunca de maneira completa. De facto, em
alguns países, como na Polónia, Silésia, Morávia, Dinamarca e
Escandinávia, o velho estado de coisas prolongou-se até aos
séculos XII e XIII. Ao longo da Idade Média as transgressões não
foram raras.
O papa Urbano II deu mais um passo em frente no sínodo de Melfi
(1089), decretando não só a punição dos subdiáconos desposados,
como a perda do ofício; nos casos de persistência, a mulher era
declarada escrava do senhor feudal. Essa disposição tinha por
base a premissa de que o matrimónio dos eclesiásticos de ordens
maiores não era apenas ilícito, mas também inválido. Esse
parecer foi expresso, em forma juridicamente mais definida, no
sínodo de Pisa de 1135 e no Concílio Lateranense de 1139. A
Igreja grega conservou uma atitude de tolerância relativa ao
matrimónio dos eclesiásticos. Difundiu-se o costume,
possivelmente desde o século XIII e a começar pela Rússia, de
designar como párocos e curas de almas apenas padres casados
que, por isso, contraem matrimónio geralmente antes de receber a
ordenação diaconal. Posto que os bispos têm a obrigação do
celibato, eram e são eleitos geralmente de entre os monges.
3. Em toda essa contenda, segundo Hans Küng, o clero alemão
levantou três objeções à legislação do celibato eclesiástico:
será que o papa não conhece a palavra do Senhor: ”Quem puder
compreender, compreenda”? (Mt 19,12); o papa obriga os homens a
viver como anjos: ele quer interditar o curso da natureza. Isto
só pode conduzir à fornicação; intimados a escolher entre o
sacerdócio e o casamento, escolherão o casamento: então, o papa
que vá recrutar anjos para o serviço da Igreja!
Dir-se-á, e com verdade, que a história já deu muitas voltas, já
passou por fases muito diferentes, antes e depois do Concílio de
Trento. Não se tendo conseguido respeitar a possibilidade de
optar pelo celibato ou pelo casamento, as consequências estão à
vista. As comunidades cristãs são privadas da Eucaristia, o
sacramento dos sacramentos. Sem olhar de frente esta questão,
continuaremos a lamentar obstáculos que nós próprios criamos.
in Público, 4/Mai/2014
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http://www.we-are-church.org/pt/ |
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