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1. No passado dia 3, cumpriram-se 500
anos do nascimento de D. Frei Bartolomeu dos Mártires, o
bracarense, como era conhecido no concílio de Trento. Em 1590,
nasceu para a vida eterna, no convento de Santa Cruz, em Viana
do Castelo. Os vianenses já começaram as celebrações e o estudo
daquele que muito os amou e que eles não esquecem. Será, agora,
que esta figura ideal de bispo vai ser finalmente canonizada?
Não sei e não é a resposta a essa pergunta o que mais me
preocupa. No entanto, se canonizar significa, por vezes,
congelar as grandes memórias das comunidades cristãs, pode
também servir para avivar e recuperar imagens exemplares do
catolicismo que as confusões e incúria dos tempos deixaram
empalidecer ou apagar. Uma das personalidades mais desafiadoras
da reformação da Igreja, dos tempos modernos, foi Frei
Bartolomeu dos Mártires e o percurso da sua vida pode ser dos
mais inspiradores. Não ficará na história como uma grande figura
do renascimento, do humanismo, da reforma protestante, da ideia
moderna do Estado, de nenhuma dessas grandes forças do mundo
desde o século XV. Não passava por aí o desígnio da sua vida,
nem como teólogo dominicano, nem como bispo de Braga – que
envolvia Viana do Castelo, Vila Real e Bragança – nem como voz
inconfundível do Concílio de Trento, a não identificar com o
tridentinismo.
Quando Frei Bartolomeu entrou na Ordem dos Pregadores, já estava
em curso o movimento ibérico de reforma das Ordens Religiosas.
Implicava o reencontro com o impulso das suas respectivas
origens. Era assumido em moldes de estrita observância, para
vencer o extremo desleixo em que tinham caído e que a história
pode explicar mas não justificar.
Não beneficiou apenas desse exigente e fervoroso clima.
Tornou-se ele próprio um rude desafio existencial. Era a recusa
absoluta do carreirismo universitário, eclesiástico ou
inquisitorial. As correntes reformistas procuravam derrotar
essas aspirações que levaram os conventos e a classe
eclesiástica à decadência. O que interessava era criar um clima
ascético e métodos de vida que favorecessem o acolhimento da
graça divina e os dons do Espírito Santo.
2. Da vida e da obra de Frei Bartolomeu dos Mártires podemos
hoje saber não só o que os seus biógrafos portugueses e
estrangeiros disseram, mas também o que a investigação histórica
consegue apurar. O dominicano, Raul de Almeida Rolo (1922-2004),
não só editou as suas obras completas, como estudou e levou
outros a estudar tudo o que lhe dizia respeito. Vivia tão
seduzido pelo seu herói, era tão insistente em falar de tudo,
com todos os pormenores, que levou um colega canadiano a
exclamar nos anos 60: “Bartolomeu seria canonizado se
conseguisse o milagre de calar o padre Raul”!(1)
Frei Bartolomeu era um pregador, um teólogo, um místico e um
pastor exemplar. Viveu 22 anos a reger a cátedra de Teologia, na
linha de S. Tomás e dos seus comentadores, na célebre Escola
teológica do Convento da Batalha e depois em Évora.
Ele recusava a separação entre as Teologias Escolástica, Mística
e Pastoral. Destas últimas, coligiu excelentes antologias, não
para as publicar, mas para delas se alimentar. Não procurava ser
original, mas beber em todas a fontes.
Quando teve de aceitar ser bispo de Braga, recusou todo o fausto
que à casa, à mesa e a esse estilo de vida estava associado. Só
lhe interessava percorrer toda a vasta diocese, com bom ou mau
tempo, e ter recursos para socorrer os pobres.
3. Muito antes de Frei Bartolomeu dos Mártires entrar em cena,
já se gritava pela realização de mudanças urgentes e sempre
adiadas, sobretudo no mundo eclesiástico. É uma banalidade dizer
que, em parte, a Reforma protestante é o resultado da surdez
perante a ineficaz repetição de protestos no seio da Igreja.
Quando o Concílio de Trento (1545-1563) chega à sua última fase
(1562-63), já este bispo incarnava na sua pessoa e na sua
prática o que iria propor como saída para a crise. O Stymulus
Pastorum era o acicate que escolheu para si e que, uma vez
publicado, serviu de aguilhão para estimular todos os bispos e
possibilitar todas as reformas. Bartolomeu não só não era um
inquisidor, como atacou violentamente a Inquisição espanhola, a
ponto de Filipe II pedir ao Papa para castigar a insolência
deste bracarense.
Terminado o concílio, não o esperavam apenas os árduos trabalhos
para levar a cabo as iniciativas e as reformas propostas;
aguardava-o também a guerrilha que o cabido de Braga
repetidamente lhe moveu, em nome de supostos direitos e
privilégios.
No Domingo do Bom Pastor e lembrando Frei Bartolomeu dos
Mártires como a figura ideal de bispo, importa não esquecer o
que acaba de dizer o Bispo de Roma: “Na Igreja existem os que
fazem escaladas. Quem quiser, que vá ao Norte e faça alpinismo:
é mais saudável! Mas não venham à Igreja para fazer carreira”
in Público, 11. 05. 2014
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