MODELOS CRIMINAIS / O diabo da memória Hélio Rôla (pintura) & Floriano Martins (textos) 19-01-2005 www.triplov.org |
3 O DIABO DA MEMÓRIA Haverá um verbo dentro de outro que o contradiga? Uma locução de enganos que cunhe moedas de face única? O vestígio da dor acaso não será dor suficiente? Por onde nos desfazermos da astúcia da memória que teima em doer? Vozes gravadas sob tortura não são enigmáticas: são apenas dor, a dor mais sangrenta e dilacerante que se possa imaginar. Não estão ditas em outro idioma ou de trás para frente, como se fossem registros demoníacos candidatos a exorcismo. Qual será a terceira ordem menor do desespero de quem sangra sob tortura? Para nós que assistimos a tudo impassivelmente diante do telejornal, quanto exatamente dói a memória dissipada a cada nova edição diária? Se tortura é apenas o que se sente, estamos dispensados da dor. Que a memória se cale. Nada nos dói. Não precisamos saber de nada. Deus se instala no mais absoluto vácuo e o Diabo vive apenas no casebre da memória. Tratem de não se lembrar de nada, e tudo estará bem. |