O exacerbado anti-Darwinismo da autora revela-se desde logo em toda a primeira parte do seu livro (1) que significativamente intitula: “O Darwinismo entre a Hegemonia e a Caducidade”. Os títulos dos capítulos que integram esta primeira parte do livro dão ainda maior ênfase a tal facto: “A Crise diferida de uma Teoria Infantil (cap.2); “O Neodarwinismo e a Arte da Desinformação” (cap.3); “A Hipótese de um Programa genético ou a Providência do Neodarwinismo” (cap.4); “ As Lições de um Revés” (cap.5).
Mesmo antes de começar a expôr as suas ideias acerca do que considera ser “Uma Nova Lógica para a Vida”, a autora não esconde, de uma forma muitas vezes “excessiva”, este seu preconceito. Manifestamente, deixa transparecer que o mesmo resulta, logo à partida, da identificação que faz, abusivamente, do darwinismo com o materialismo ateu.
Esta circunstância está aliás bem expressa em muitas das suas afirmações: “Não há dúvidas que a convicção dos darwinistas actuais se alimenta menos de argumentos objectivos do que da impossibilidade de conceberem a existência de uma Inteligência Criadora ou de aceitar o seu Domínio” (pág.29) …, ”foi graças ao ateísmo que as ideias de Darwin puderam ser lei" (pág.29); …."O Darwinismo é um Sistema Ideológico que não se identifica de modo algum com a evolução enquanto realidade biológica” (pág.47);...”Nada de sólido poderá ser construído enquanto a Evolução do vivo for refém desse conflito que opõe o materialismo ao cristianismo…” (pág.102); ...“Foi assim que os Jacob, Monod, Dawkins, e outros pensadores em voga na Biologia contemporânea proclamaram, logo de início, nos seus ensaios, um ateísmo militante, utilizando toda a estratégia da filosofia e a magia da escrita para convencerem de que a Evolução do Vivo dá uma prova incontornável de uma Criação sem Criador” (pág.103).
E… sem nunca nada justificar, vai sucessivamente concluindo”: “O Darwinismo é, sobretudo, um género literário” (pág.11); “… diz-se que o Darwinismo está actualmente em crise. De facto as querelas que suscitou não são de agora e nunca mais tiveram fim”; …“No campo dos (seus) detractores, já não se acusa delicadamente a velha teoria de ser um conto de fadas para adultos. Fala-se de burla intelectual e de falsários” (pág.22); …"(O) Darwinismo é cientificamente falso“ (pág.101); …“a avaliação da adaptação não passa de um juízo de valor, e não se vê qualquer meio de a submeter à análise experimental. Se nos quisermos arriscar a propor uma solução, será necessário que já se tenham esclarecido os mecanismos de emergência de forma (acerca disso, porém, nada esclarece…); ..."Manifestamente, a explicação desta, dada por Darwin, não passou de uma hipótese, em parte ditada pela recusa de ver na adaptação a assinatura de uma Inteligência Criadora” (págs.105/106).
Dada a sua concepção teleonómica da Evolução a autora contesta, naturalmente, e com particular veemência, o papel que os Neodarwinistas teriam dado ao Acaso, consubstanciado nas mutações genéticas, no processo evolutivo. Assim, afirma:
“Actualmente, para ser considerado darwinista, basta acreditar que cada espécie foi criada por um fantástico golpe do Acaso…” (pág.21); ...“Ele (o Darwinismo) contentou-se em deíficar uma Inteligência, o Acaso, aquele que fez coalhar a sopa quente de moléculas em células, que retocou a sua obra involuntária sem nunca saber o que fazia…” (pág.23); “… Uma mutação surgida ao Acaso não teria virtualmente qualquer hipótese de produzir um gene funcionalmente integrável no genoma”; … (no genoma) não há manifestamente lugar para modificações ao Acaso" (pág.79); ...“Não teria existido qualquer possibilidade de acumular Acasos felizes ao longo de milénios, sem que mutações letais viessem reduzir a nada os progressos previamente realizados. Os arautos do darwinismo porém, não parecem temer a inverosimilhança e o ilogismo” (pág. 80); “… O Acaso, como o Bom Deus dos ébrios…” (pág.280); ...“(O Acaso) dos neodarwinistas é a medida da desinformação que foi preciso organizar para fazer dele o Criador e Mestre de tudo o que respira” (pág. 301).
Embora evocando a sua qualidade de embriologista, R. Chandebois ignora ou melhor, faz por ignorar, todos os actuais conceitos sobre a causalidade dos fenómenos embriológicos, hoje bem documentados através de centenas de trabalhos publicados nas mais prestigiadas revistas científicas, retomando a já secular ideia da existência de uma "força-vital" (misteriosa) que dirigiria o Desenvolvimento - tese dos epigeneticistas do século XVII. Nega, assim, a existência de qualquer programa genético de Desenvolvimento, enfatizando o papel do citoplasma, sede dessa força misteriosa, numa óptica que se colocou nos anos 20-30 do século passado, mas que hoje não faz qualquer sentido. Vai mesmo ao extremo de negar a existência física do gene (pág. 89).
Esta sua visão, deliberadamente deturpada, do que é hoje a Embriologia, está bem reflectida nalgumas das suas afirmações, muitas vezes contraditórias: "... ainda não se sabe quase nada sobre o Desenvolvimento"; ..."os biólogos... não sabem inteiramente (nada) de como o (organismo) se constrói a partir da célula - ovo" (pág.52); ..."Os biólogos conhecem detalhadamente a anatomia molecular de uma mão humana. Mas ignoram totalmente a maneira como o organismo dá a si próprio as instruções para construir essa mão. A maneira de como tudo isto se passa é um mistério" (pág. 52); "... segundo Jacob, tudo deveria explicar-se pela regulação selectiva da actividade dos genes, (mas) ignoramos até os princípios que sustentam os circuitos (genéticos) que regulam o número das células, a sua distribuição e movimentos, a taxa e a direcção do seu crescimento" (págs 52/53);"... os embriologistas ingleses Graham e Gardner... apoiados por provas incontestáveis, concluíram que tudo se edifica em função da posição das células (não refere em que medida estes factos, que não explicita, apoiam as suas ideias....) (pág.53). Conclui, mais uma vez, sem nada esclarecer: ..."visivelmente, as modalidades de Desenvolvimento não estão codificadas no ADN, e pode procurar-se em vão o seu determinismo a esse nível" (pág.53); ..."Os geneticistas desembaraçaram-se de toda a complexidade das actividades citoplásmicas", ..."ao atribuírem unicamente à actividade do genoma a emergência progressiva e coordenada das estruturas, segundo modalidades e um horário rigorosamente fixado para cada espécie, tinham de admitir uma interdependência no funcionamento dos sistemas e, assim, suscitam sempre mais genes reguladores, genes arquitectos", ...."E o que é que activa os genes reguladores no tempo e lugar desejados? Outros genes reguladores, é claro." (duvida, mas nada adianta...) (pág.78); "...é muito mais prático imaginar um programa genético que rege tudo, do que tentar compreender como é que as interacções entre as células, populações de células, orgãos e sistemas de orgãos produziram os animais superiores" (pág.41); ..."Presentemente, os biólogos, na sua grande maioria, permanecem convencidos", ..."(de que) o funcionamento de uma célula - e a sua organização, por via de consequência é controlado exclusivamente pelos seus genes" (afirmação absolutamente errada!) (pág.71); ..."Se nunca se conseguiu provar a existência de um programa genético, em compensação não faltam dados (não indica nenhum deles!) que mostram que é inútil querer fazê-lo" (pág.80).
No entanto, embora negue a existência de um programa genético de Desenvolvimento, a dada altura, escreve: "... ao longo da evolução, novos genes vieram fixar-se no genoma (como?) e, assim, complicar progressivamente o programa - o que elimina o Acaso uma vez que a sequência adicionada deve ter um sentido biológico e os seus produtos devem entender-se bem como os dos outros genes" (pág.80). E um pouco mais adiante, diz: " Ora, toda a gente está de acordo, presentemente, em reconhecer que o gene não tem existência física, uma vez que com o produto primário da transcrição podem ser elaborados diversos tipos de ARN mensageiros, e, além disso, cada um dos polipeptídeos sintetizados pode ser utilizado de diferentes maneiras para a edificação dos complexos moleculares" (não se vislumbra como é que estes factos, verdadeiros, vêm negar a existência física do gene...) (pág.89/90); ..."É preciso dar toda a sua importância teórica à memória citoplásmica (não explica o que, para ela, é esta "memória"!). Graças a ela, as células conservam e transmitem à sua descendência propriedades particulares que adquiriram ao comunicar com outras. Assim, ao longo do Desenvolvimento, cada linhagem progride, acumulando os resultados dessa comunicação, e encontra-se sujeita aos progressos efectuados pelas outras linhagens (não explica como!). O encadeamento Automático dessas interacções celulares instala, em primeiro lugar, a arquitectura geral do animal, faz emergir os orgãos e, por fim, aparecer os detalhes estruturais (nunca explica como!). Não há qualquer dúvida que o programa dessas interacções é estabelecido no citoplasma do ovo quando este se torna heterogéneo (como?) e adquire os seus eixos de simetria, independentemente de qualquer controlo genético" (nada justifica!) (pág.94). E, continua, sem nada explicar...: "... a receita do Desenvolvimento não está inscrita no ADN, ela está contida no citoplasma do ovo, que deve ter uma certa composição molecular e, mais ainda, uma organização adequada" (pág.96). Mas, um pouco mais adiante, acrescenta..."Qualquer célula dispõe de informação genética para sintetizar as substâncias que lhe são necessárias para desempenhar o seu papel na construção do animal, um papel que lhe é atribuído pelas outras"(como?) (pág. 96).
É claro que isto só se pode compreender na sequência do que atrás afirma: "É também preciso inverter a nossa óptica sobre a lógica do vivo, porque é o ADN que está ao serviço das células e não as células que estão ao seu serviço" (pág.67).
E diz ainda, algo, hermeticamente: "...O ADN não comanda nada; ele não é o arquitecto. Mas porque concebe e fornece os materiais para essa construção (organismo) ele imprime-lhe a sua originalidade (e nada mais esclarece!) (pág.96); ..."(no Desenvolvimento)... só intervêm fenómenos puramente mecânicos... (escapando totalmente ao controle do genoma) (pág.96); ..."A conclusão é clara: o programa genético de Desenvolvimento nunca existiu, a não ser no imaginário colectivo dos biólogos" (pág.96); ..."(O que se designa actualmente por informação de posição, através de gradientes morfogenéticos)...desde as moléculas que supostamente o constituem, ao (seu) modo de acção na génese da forma, é perfeitamente incompreensível" (pág.98); ..."A modificação das actividades citoplásmicas começa desde a fecundação, isto é, antes mesmo que a transcrição do ADN nuclear seja estabelecida. Não sendo visivelmente comandada pela reactivação dos genes que ainda estão todos reprimidos, ela explica-se pelo funcionamento de um relógio citoplásmico" (cujo fundamento não refere!) (pág.253); "...a mutação mendeliana (?) não é mais do que uma flutuação mais ou menos patológica do genoma; o fluxo evolutivo deve ser procurado fora dela " (pág.29); ..."na lógica darwiniana... só a informação genética, a mensagem, é tomada em consideração. Ela circula apenas no sentido ADN - citoplasma: não há retroacção possível. Raciocina-se como se essa informação fosse sempre compreendida, utilizada tal qual, (não sendo) nem filtrada nem acomodada pelo citoplasma. Nem a informação citoplásmica (vestígios de actividades celulares anteriores), nem a informação extracelular (contactos de célula com célula, difusão de substâncias) entram em linha de conta, sem dúvida porque nem uma nem outra estão codificadas em moléculas" (pág. 242); ..."O facto capital revelado pela experimentação no embrião é que o programa do Desenvolvimento não está inscrito no ADN" (pág.309).
Na primeira parte do seu livro que constitui como que uma introdução ao que considera ser uma nova teoria sobre a Evolução dos Seres Vivos, a autora faz um violento ataque às teses darwinistas (e neodarwinistas) que identifica com o materialismo ateu, e que naturalmente se contrapõem à sua visão estritamente teleonómica de uma Evolução dirigida por uma Inteligência Divina. Nesta perspectiva elege como principal alvo das suas críticas o papel que o Acaso poderia ter tido no processo evolutivo dos seres vivos. Retoma os já muito debatidos e rebatidos argumentos "Bergsonianos" acerca da impossibilidade de estruturas complexas (p.ex., o olho) se poderem ter formado por sucessivos acasos, e, por arrastamento, nega a existência de um programa genético do Desenvolvimento e, até, a própria existência física do gene. Isto, certamente, porque seria sobre esta entidade, o gene, que incidiria, na versão neodarwinista, o seu "odiado" Acaso.
Não discutimos tudo aquilo que na autora é uma questão de Fé. A Fé e a Ciência são dois domínios que devem ser sempre separados. É claro que o darwinismo e o neodarwinismo foram, para alguns, suporte das suas ideias materialistas e ateias, e por outros, evocados em defesa de controversas concepções de carácter político e social. Mas também é verdade que muitos crentes, cristãos e de outras religiões, são fervorosos adeptos das teses darwinistas sem que isso ponha em causa a sua Fé num Deus Criador.
Na óbvia impossibilidade de podermos rebater, ponto por ponto, todos as controversas (e muitas vezes erróneas) afirmações da autora (das quais apenas citamos uma pequena parte), referir-nos-emos apenas a alguns dos aspectos que, a nosso ver, mais significativamente dão forma às suas ideias.
Em primeiro lugar, vamos referir-mos ao Acaso. Ao que se entende por Acaso, numa perspectiva evolutiva actual.
Muito ao contrário do que R. Chandebois e os detractores de longa data do darwinismo pretendem fazer crer, o Acaso, na concepção actual dos evolucionistas, não é, no processo evolutivo dos seres vivos, um Acaso Absoluto. É uma acaso limitado, condicionado, pelas estruturas/funções preexistentes. Na evolução quase sempre se reorganiza o que, em certa medida, já existe na fase anterior. Realmente nada se forma que seja totalmente novo. O que já existe é simultaneamente a matéria, mas também um forte condicionante da futura “inovação”.
Em termos genéticos, o principal fenómeno que está na base da evolução dos seres vivos é, simplesmente, a duplicação génica; a replicação de um gene (ou genes) que já existe. Deste modo, um gene que determina e/ou regula determinada estrutura ou função, ao duplicar-se, nada mais faz do que reproduzir aquilo que já existia, e que portanto já tinha sido adaptativamente experimentado, e, consequentemente, seleccionado.
Assim sendo, tem desde logo elevada probabilidade de se integrar harmoniosamente no genoma, o mesmo é dizer, no todo que é o organismo.
No entanto, o facto de, pelo menos numa primeira fase deste processo, haver dois genes “iguais”, não resulta numa simples redundância, sem significado evolutivo. Tem, pelo contrário, grande potencial evolutivo. Não ocupando exactamente a mesma posição no genoma, os seus efeitos são ligeiramente, apenas ligeiramente, diferentes (“efeito de posição”), mas, mesmo assim, susceptíveis de possibilitar “novas” (embora muito próximas) vias de actuação.
Por outro lado, a circunstância de haver dois genes, quase iguais, confere imediatas vantagens adaptativas, dado que qualquer deles pode assegurar a função em que estão envolvidos no caso do outro eventualmente se “lesar” (efeito supletivo). Esta simples redundância permite ainda, na medida em que qualquer deles, por si só, consegue assegurar a função que lhe cabe no organismo, “libertar” o outro, o seu “gémeo”, para “novas” (embora “prudentes”) experiências evolutivas. Tudo isto faz com que a evolução, a nível genético, de uma maneira geral, decorra por pequenos passos, muito “cautelosos”, muito gradualmente, embora os seus reflexos no fenótipo macroscópico possam ser evidentes de modo não gradual. Estas pequenas modificações génicas, muitas vezes, só se revelam quando conjuntamente se integram para dar expressão a uma alteração macroscopicamente visível. Por outro lado, este processo, embora gradualista não significa que decorra necessariamente à mesma velocidade. Embora, basicamente, o processo seja gradual, há fases em que decorre mais rapidamente do que noutras. É este fenómeno que dá frequentemente a aparência de haver saltos evolutivos. Períodos em que a evolução parece estabilizar, outros em que se verificam grandes e generalizadas modificações nos organismos. E é evidente que isto se reflecte no registo fóssil.
Grandes alterações a nível genético, como frequentemente se verificam, dando origem a genes muito diferentes dos que já existem, muito dificilmente se integram harmoniosamente no genoma (no organismo). E estes genes são então eliminados juntamente com o organismo que os contem.
Tudo isto vem demonstrar que na evolução não ocorre aquilo a que a autora quer fazer crer que os darwinistas (e neodarwinistas) defendem, um Acaso Absoluto.
Admite-se até, uma certa “teleonomia” evolutiva, sequencial (gradual), determinada em cada etapa do processo, por tudo aquilo que constitui a fase anterior, o preexistente. O que pode acontecer é muitíssimo mais limitado do que aquilo que não pode acontecer. Mas a nossa ignorância acerca daquilo que vai acontecer é ainda bastante grande para considerarmos que há, de facto, Acaso. Não sabemos qual ou quais os genes que vão ser alterados, como e quando. São ainda tantos os factores internos e externos que podem alterar o preexistente que não temos maneira de os prever e, consequentemente, prever o sentido da evolução. Só um Deus Omnisciente o poderia fazer!
É pelos factos atrás expostos que hoje, naturalmente, não temos as estruturas e as funções ideais (perfeitas), para o nosso pleno exercício, como seres vivos, no planeta que habitamos. Cada etapa da evolução traduz apenas uma tentativa de se optimizar o que existe, o que temos, face às condições do nosso meio ambiente (selecção Natural/Reprodução Diferencial). Como o meio se foi sempre alterando, ficámos reféns da nossa história evolutiva. Mesmo que fosse muito adequado desenvolvermos, asas e penas, nunca o conseguiríamos fazer a partir do que somos agora. Ficámos irreversivelmente comprometidos com a nossa história evolutiva. Como já dissemos, o totalmente “novo” é apenas uma ilusão. O “novo” forma-se sempre pela reorganização e reutilização do “antigo”. O “novo” resulta quase sempre de novas interacções que se podem gerar entre os “antigos" elementos. Com os mesmos tijolos podemos fazer variadíssimas construções (“novas” construções). Basta aumentar o número dos “mesmos” elementos (por duplicação do que já existe) para se verificarem interacções mais complexas e portanto criarem-se “diferenças”. O mesmo se pode passar no caso inverso (redução).
Ao contrário do que afirma a autora, em muitos processos evolutivos, verifica-se um encurtamento das ontogenias. E houve também reduções nas reservas acumuladas no ovo. Basta pensar no caso dos Mamíferos placentários e portanto do próprio Homem.
Ainda a propósito do Acaso, pode dizer-se que num dado organismo (ou estrutura), e num dado tempo, existem sempre, como que “linhas de menor resistência” que tornam muito maiores as probabilidades de que algo aconteça de determinada maneira do que de outra, mesmo perante circunstâncias muito complexas e portanto imprevisíveis. Veja-se por exemplo, o caso teórico, das duas hélices do ADN constituintes dos genes. Cada uma delas é formada por uma série de nucleótidos “fortemente” ligados entre si, mas as ligações entre as duas cadeias nucleotidicas são relativamente mais débeis. No caso de se verificar um “traumatismo” qualquer que seja a sua origem mecânica, térmica, radiação, tóxicos, patologias, etc. imprevisível portanto, é mais provável que esta estrutura se quebre pela sua “linha de menor resistência” (separação das cadeias nucleotidicas) do que pelas ligações mais fortes que unem os nucleótidos. Este é mais um exemplo de que, na evolução, o Acaso está fortemente limitado pelo preexistente.
O caso da evolução de estruturas complexas de que é exemplo o olho, cuja impossibilidade de realização através de sucessivos Acasos felizes, como diz a autora, tem constituído o mais paradigmático argumento contra o gradualismo darwiniano, pode, nesta perspectiva, servir de ilustração ao que temos estado a expôr.
Falaciosamente, Bergson e os seus seguidores, quiseram fazer passar a ideia de que a complexa estrutura do olho (Vertebrados/Cefalópodes) só teria sido funcional na etapa final da sua evolução. É óbvio que, se assim tivesse sido, teriamos então de admitir que este se construíra, efectivamente, através de uma sucessão de de Acasos (mutações) que teriam de se ter encaixado harmoniosamente (Acasos felizes) no plano estrutural do “futuro” olho. Sendo, no decurso de sucessivas gerações, uma estrutura incompleta, imperfeita (não-funcional), portanto sem qualquer significado adaptativo, não se compreenderia então como se poderia ter mantido durante todo esse tempo, através do que, na óptica darwinista, seria a Selecção Natural.
Ora o que terá acontecido é bastante diferente. O olho complexo (de câmara), dos Vertebrados e Cefalópodes, foi sendo edificado através de uma série de etapas, hoje bem documentadas, que vão de uma simples célula à complexa estrutura do olho daqueles animais. E todas estas etapas revelaram ter tido pleno e imediato significado adaptativo e portanto elevado valor selectivo. Efectivamente, o termo “ver”, não se reduz ao significado que tem nos Vertebrados Superiores. O “olho” mais simples, constituído por uma única célula (de certo modo semelhante a uma célula-fotoeléctrica), “vê”. Simplesmente não “vê” formas nem cores, dá apenas uma informação de presença de luz ou da sua ausência (luz/escuridão). Mas essa informação é desde logo adaptativamente útil, podendo indicar, por exemplo, a presença de um eventual predador ou presa. Duas ou mais destas células distribuídas ao longo do corpo, dão uma informação de valor acrescido, de direccionalidade (podem indicar em que sentido progride o predador/presa). Assim, sucessivamente, através de uma série de etapas, com pleno e imediato significado adaptativo, se teria caminhado para o órgão complexo, capaz de, integrando informações recolhidas por numerosas células complexamente interconectadas, dar uma informação precisa e detalhada de movimento, formas, cores o olho dos Vertebrados/Cefalópodes (também dos Insectos, etc.).
Um outro aspecto interessante desta concepção do processo evolutivo da autora e que está, aliás, intimamente associado ao acérrimo ataque que faz ao pretenso significado evolutivo do Acaso darwniano, aquela Inteligência que estes teriam deíficado, é o facto de retirar ao gene o papel que na hereditariedade e evolução dos seres vivos lhe é atribuído pelos evolucionistas actuais. Recupera, nesta perspectiva, a polémica protogonizada no fim do século XIX, por Wilson e Morgan. Na altura, estava-se ainda longe de se saber o que era o gene, e questionava-se se seria o núcleo (cromossomas) ou o citoplasma que controlaria a hereditariedade. De um lado estavam, além de Morgan, Bischoff e His, defendendo o papel determinante do citoplasma, do outro estavam, nomeadamente, Boveri, Hertwig e Roux.
Mais tarde, foi Morgan, ao introduzir o novo conceito de gene, que mudou não só de campo, mas abriu caminho para uma nova perspectiva sintética do Desenvolvimento que viria a compatibilizar as visões, acerca deste problema, dos embriologistas da forma (do fenótipo) e a dos geneticistas. Esta nova interpretação do Desenvolvimento, perspectiva-o no contexto de uma interacção permanente entre genes e citoplasma, que se exerce não só no processo ontogenético (individual), mas também intergeracional. Não se “desembaraça”, como a autora afirma, do papel do citoplasma, atribuíndo exclusivamente aos genes o controle do Desenvolvimento.
Como atrás foi exposto, "ignorando" os espetaculares avanços já conseguidos na compreensão dos fenómenos embriológicos, a autora diz taxativamente: - Os biólogos não sabem inteiramente nada de como o organismo se constrói a partir da célula-ovo. A maneira como tudo isso se passa é um mistério! (pág.52).
Nega igualmente a existência de um programa genético do Desenvolvimento sem dar qualquer justificação minimamente objectiva, dizendo simplesmente que o programa genético para o Desenvolvimento nunca existiu a não ser no imaginário colectivo dos biólogos (pág. 96) e … também: Os geneticistas desembaraçaram-se de toda a complexidade das actividades do citoplasma ao atribuírem unicamente à actividade do genoma a emergência progressiva e coordenada das estruturas…” (pág. 78) e, ainda. “permanecem convencidos de que o funcionamento de uma célula e a sua organização é controlada exclusivamente pelos seus genes”… (pág. 71).
À falta de explicação de como o “citoplasma” controlaria o Desenvolvimento, evoca da mesma maneira, mas… alguns séculos depois, como os epigeneticistas dos séculos XVII/XVIII foram “forçados” na altura a evocar para justificarem um Desenvolvimento a partir de um estádio indiferenciado (em oposição à preformação) a existência de uma "força misteriosa", uma “força essencial” (“força vital" como a designa) que emanaria, neste caso, conforme a autora, da “associação das células embrionárias” (pág.66).
Como já dissémos, muito ao contrário do que a autora afirma, a visão que hoje se tem do Desenvolvimento, não escamoteia ao citoplasma o seu relevante significado. Só que se interpreta o seu papel de um modo totalmente diferente, objectivo, que nada tem de misterioso, e que tem sido comprovado por centenas de trabalhos que abordam esta questão dos modos mais diversos e com utilização das mais modernas e sofisticadas metodologias e técnicas.
Actualmente, o modo como o embrião se desenvolve, como as células se diferenciam (citodiferenciação), como se organizam num espaço tridimensional para darem origem aos tecidos, orgãos e às formas características das diferentes espécies (morfogénese), são processos muito bem conhecidos e experimentalmente comprovados. É evidente que, como não poderia deixar de ser, existem, e existirão sempre, muitas questões de pormenor por descobrir ou esclarecer.
A citodiferenciação tem actualmente por paradigma a expressão diferencial do genoma. Isto quer dizer que embora todas as células somáticas tenham os mesmos genes, os conjuntos de genes que se expressam, num determinado tempo, variam de célula para célula (ou conjuntos de células). No entanto esta expressão, é desde a célula-ovo, condicionada por interacções que se verificam entre os genes e o citoplasma.
No citoplasma dos ovócitos, ainda no ovário materno, acumulam-se “informações” sob a forma de ARN mensageiros e peptídeos/proteínas que para eles transitam a partir das células ováricas maternas (produzidos sob controle dos genes maternos).
São estas “informações” que consubstanciam, realmente, aquilo que a autora chama, vagamente, de “memória citoplasmática”. São estas “informações” que, numa primeira fase em que os genes nucleares (maternos/paternos) estão ainda reprimidos, constituem como que “o primeiro motor” da expressão génica diferencial.
Como estas “informações” se distribuem heterogeneamente pelo citoplasma do ovo, são repartidas de maneira diferente pelas várias células-filhas resultantes do processo de segmentação. Assim, embora todas as células tenham os mesmos genes, têm todavia “informações” citoplasmáticas diferentes ("citoplasmas diferentes"). Estas “informações” têm a possibilidade de “dialogar” com os genes activando (ou inibindo) a sua expressão. Como estas “informações” são diferentes nas diversas células, vão por isso activar (ou inibir), nelas, diferentes conjuntos de genes. É este o fundamento da expressão génica diferencial, princípio que alicerça a diferenciação celular e que, perspectivado num contexto mais vasto, que tem em linha de conta as interacções célula-célula, célula-matriz e com todos os níveis do ambiente externo (ao gene), alicerça igualmente todo o processo, dito, morfogenético (de organização tridimensional).
Os genes são moléculas que constituem um “sistema de informação” hereditário/evolutivo que contribuem para a organização do complexo molecular do que se convencionou chamar de “ser vivo”. Os genes dão “instruções” para a construção e regulação do funcionamento das moléculas citoplasmáticas assim como estas contribuem para a sua construção e regulação.
E todo este “mundo” celular está por sua vez em permanente interacção com o seu meio ambiente outras células, matriz extracelular, tecidos, orgãos, sistemas e ainda, com o meio físico e biótico exterior, próximo, planetário, e até …. Cósmico.
A vida é um continuum. Querer ver nela compartimentos estanques é pura abstracção. Citoplasma e genes fazem parte integrante desse continuum, em permanente interacção, no espaço e no tempo, não podendo, em qualquer perspectiva de discussão, de um fenómeno biológico, ser considerados como entidades mais ou menos autónomas.
Nos nossos dias, a Embriologia, incluída num âmbito científico mais vasto e integrado, o da Biologia do Desenvolvimento, não se pode limitar, como pretende a autora, ao estudo, quase que meramente descritivo, do fenótipo. A causalidade dos fenómenos embriológicos (e evolutivos) é explicada em termos de uma permanente interacção entre o genótipo (genes) e o seu meio envolvente (do citoplasma à Biosfera).
O gene “isolado” é apenas uma estrutura. De certo modo, fisicamente efémera, na medida em que se constrói-destrói-reconstrói, mas perene no que respeita à “informação” que suporta.
Contrariando a visão negativista da autora, sabe-se já muito acerca dos processos que geram os padrões morfológicos. Como se organizam os tecidos, como se formam os membros, como se organizam os padrões morfológicos e funcionais das mais variadas estruturas. Tudo isto tem sido aliás a base dos extraordinários avanços conseguidos nas últimas décadas nos campos da Biologia do Desenvolvimento e da Reprodução (bébés -proveta, clonagem), transgénicos, transplantação de orgãos, cultura de células indiferenciadas, genoma, cancro, senescência.
A Biologia do Desenvolvimento será sem dúvidas uma das áreas científicas de maior impacto no século XXI.
Ao contrário do que a autora diz, a "informação de posição", realizada através de gradientes morfogenéticos, nada tem de incompreensível. Está muitíssimo bem documentada a nível experimental e foi aliás uma matéria cujo estudo proporcionou aos investigadores que a ela mais significativamente se dedicaram, C. Nusslein--Volhard e E. Wieschaus, a atribuição do prémio Nobel da Medicina em 1995.
Efectivamente, como a autora refere, não existe um programa genético para o Desenvolvimento, em termos de o considerarmos como contendo como que um plano para descrever detalhadamente o "objecto" (o embrião). O que existe é um plano gerador que descreve como fazer o "objecto". E estas "informações" estão repartidas pelos genes nucleares (maternos/paternos) e pelo citoplasma (informações genéticas maternas). Mas o Desenvolvimento realiza-se pela interacção dessas "informações" entre si, e com o meio ambiente: meio interno, interacções célula-célula, célula-matriz e com o meio externo (Biosfera). É um processo cuja realização é condicionada, no espaço e o tempo, por esse complexo interactivo.
O programa genético, considerado nesta perspectiva, refere-se à totalidade das informações contidas nos genes, enquanto que o programa de desenvolvimento pode referir-se só a uma determinada parte deste programa genético que controla um dado grupo de células. À medida que o embrião se desenvolve, diferentes partes vão adquirindo diferentes programas de desenvolvimento, em função das interacções celulares (e matriz) e das actividades dos grupos de genes que com elas interactuam.
É óbvio que, baseada em todos os errados pressupostos a que nos temos vindo a referir, à teoria que Rosine Chandebois apresenta como "Uma nova lógica do vivo", faltam fundamentos científicos válidos à luz dos conhecimentos actuais.
Muito significativamente, aliás, a autora confessa a dada altura "Se abordei o problema da evolução no animal, sem ter nenhuma competência particular para o fazer...", acrescentando, algo enigmaticamente: "... foi porque, tendo reunido todos os dados que pude recolher a respeito do Desenvolvimento, cheguei a um esquema concreto do seu Automatismo e da sua Programação, aos níveis molecular, celular e orgânico.... Com a ajuda da Anatomia e da Embriologia Comparadas, da Taxonomia e da Paleontologia, a investigação dos mecanismos evolutivos não apresentou qualquer dificuldade e impôs-se uma nova lógica do vivo em 4 dimensões, em vez daquela que Jacob (se) baseou no darwinismo e na dimensão única dos nucleótidos" (pág.107).
Também, muito significativamente, continua, mais adiante..."...assim, para facilitar o esforço de compreensão do leitor, suprimi da exposição da (minha) teoria os argumentos experimentais que teriam feito perder o fio ao raciocínio, tanto mais que exigem descrições sumárias das anatomias embrionárias e das suas transformações no tempo. Também não quis pôr estes argumentos em notas ou num anexo, já que isolados uns dos outros perderiam muito do seu significado" (págs. 107/108). Optei assim, conforme diz, ...." pelo seu agrupamento lógico numa parte concebida como esboço de um tratado de Embriologia Evolutiva moderna, que terá ainda a vantagem de mostrar tudo o que falta fazer nesta prometedora via" (págs.107/108). Um pouco mais adiante, refere ainda: "as referências bibliográficas relativas à Embriologia Experimental foram reduzidas ao mínimo" (pág.108) (indica apenas um outro seu trabalho onde poderão ser encontradas...).
Toda a 2ª parte do seu trabalho que intitula "A ontogenia do Reino Animal e Rudimentos da Embriologia" não passa de uma descrição, muitas vezes confusa, de diversos aspectos morfológicos de vários grupos, sem quaisquer referências aos processos e mecanismos que lhes dão expressão, evocando, sem nunca explicar, vagos princípios, sempre misteriosos, em que naturalmente pretende ver a intervenção de uma Inteligência Divina.
A autora começa, aliás, por sugerir aos seus leitores que "... se assim o desejarem poderão limitar-se à leitura das sinopses"... (pág.108).
Quanto à sua teoria propriamente dita, tece algumas considerações, extremamente vagas, que, como de costume, nunca fundamenta: ¾ "O metabolismo responde à necessidade que o indivíduo tem de sobreviver às suas moléculas efémeras. É ele que dá a sua razão de ser à informação genética que mantém a organização, apesar das renovações moleculares. É, ele, sobretudo, que está na origem dos desempenhos mais espantosos do vivo: essa força vital que evocámos mais acima, emana dele" (pág.64). ..."A acção do metabolismo desemboca, assim, inevitavelmente, no crescimento, que é, como ele, inerente à vida ..." (pág.65); ..."o vivo deve ainda ao metabolismo a sua criatividade. Pela via do crescimento e da reprodução, o vivo modifica as suas sínteses, produz novos tipos de moléculas e complica, assim, a sua organização, independentemente do meio, que não dá qualquer informação. Em todos os escalões do mundo vivo, observa-se que o indivíduo se complica automaticamente e, de uma certa forma, desde o momento em que se encontra instaurado um certo estado que introduz um certo desequilíbrio nas engrenagens moleculares (ou entre as células). O processo pára por si mesmo ao fim de um certo tempo, quando se atinge, novamente, um estado de equilíbrio" (pág.66). E... mais adiante, "... o motor do processo evolutivo foi a Evolução Direccional, isto é, a complicação progressiva dos organismos, graças a uma divisão do trabalho metabólico levada cada vez mais longe, relacionada com a conclusão, sempre mais tardia, da ontogénese" (pág.113). Nunca explica a causalidade de tudo isto. E ... continua, "Uma vez que a fase construtiva do Desenvolvimento durava cada vez mais, o ovo carregou-se de uma quantidade acrescida de reservas (Porquê? como?), o que impôs outras modalidades à segmentação e à instalação dos folhetos, sem modificação da arquitectura global dos adultos" (pág.114).
Conclui... " a evolução dá-nos a impressão de saber o que fazia e para onde ia. Pressente-se a existência de um fluxo evolutivo, estranho à variação, que não tem qualquer domínio sobre ele, e cuja natureza começamos a perceber" (pág.119), ... "É ao princípio desse fluxo evolutivo que chamaremos a Evolução Direccional" (pág.119). E... continua, "A Evolução Direccional realizou-se obrigatoriamente por meio da complicação da ontogénese" (pág.124). Persiste em evocar princípios e factos cuja essência jamais explica!
Acaba finalmente por "justificar" o título desta 2ª parte do seu livro, quando afirma: "O Reino Animal aparece como um verdadeiro superorganismo e a sua evolução como uma ontogénese" (pág.146), ..."Ele (superorganismo) chegou agora à sua fase adulta" (pág.146). E ... esclarece, então ... "o Reino Animal fez a sua história prolongando a ontogénese e, assim, pediu sempre mais um ovo" (pág.145)..., " As potencialidades filogenéticas do Superorganismo, o Reino Animal, estão esgotadas, porque a evolução esgotou as possibilidades do ovo" (pág.146). Termina este capítulo, afirmando, melhor, exclamando...! "...Não, a Evolução Direccional não é uma ilusão nem uma ideia oca, e o neodarwinismo está bem morto" (pág.147).
Na 3ª e última parte da sua obra que intitula "Uma nova lógica do vivo ¾ os marcos de uma teoria cibernética da evolução", no contexto de uma abordagem dita teórica, afirma: "... baseada em investigações experimentais e invocando muitas outras (que porém, nunca descreve, nem dá referências...), a nova teoria apresenta a vantagem de ser falsificável (talvez, pretendendo dizer ... refutável), quer isto dizer que as respostas propostos para a inevitáveis questões levantadas são susceptíveis de ser validades ou invalidades pela análise dos Desenvolvimentos das espécies actuais ....(mas não diz como ...) ... e, continua ..., "Segundo esta nova teoria, a complicação no tempo da arquitectura dos organismos vivos resultou de uma divisão do trabalho metabólico cada vez mais elaborada, realizada graças a um processo inteiramente automático: a Evolução Direccional" (pág.239/240) (nada explica!) ... e não resiste em concluir: "Este princípio geral é fundamentalmente estranho a todos aqueles que foram propostos por outras teorias explicativas, em particular pelo neodarwinismo, que está totalmente caduco" (pág. 240). E, um pouco mais à frente, "Iludindo o tempo, o darwinismo privou o vivo da sua história. Ao reintroduzi-lo, a teoria cibernética (até esta altura, não explicitada) devolve à evolução todas as suas dimensões" (pág.243), e ...paradoxalmente, refere: ... " Uma vez que a experiência nos revela mecanismos facilmente interpretáveis pelos nossos conceitos familiares, e mesmo representáveis por desenhos animados, não há nenhuma razão para esconder a verdade, sob o pretexto de não se encontrar neles nada de sobrenatural, para ir à procura de explicações irracionais" (pág.244)... , "aliás foi com este realismo que a cibernética foi concebida. A cibernética tal como se apresenta hoje ¾ escreve De Broglie ¾ é essencialmente um ramo da Física Clássica, quer isto dizer que ela utiliza as concepções e as leis clássicas da mecânica e da electricidade. Ela ignora, portanto, as novas concepções da teoria quântica e da mecânica ondulatória e isto faz com que a cibernética, no seu estado actual, possa apenas fornecer uma interpretação exacta dos fenómenos macroscópicos em grande escala e não possa alargar-se aos fenómenos da escala atómica que estão, contudo na base de toda a Física" .... e, conclui ... (sem que se perceba...),... "Ora, a escala do biólogo é a mais elevada ..." (págs. 244/245). Mais adiante, confidencia ...: " Inicialmente a tarefa pareceu-me impossível, de tal forma o universo abstracto dos físicos e a sua linguagem diferem daquilo que os biólogos observam e exprimem. Se pude empreendê-la, foi por ter tido a sorte de dispôr do resumo de uma conferência de Robert Vallée, uma exposição da Teoria dos Sistemas” (pág. 245). Afirma que um dos pontos fortes desta teoria reside na definição de sistema: “O sistema é definido como um conjunto de elementos que agem uns sobre os outros e com o meio ambiente dos sistema”… e passa, sem mais comentários, a dizer “…o sistema dinâmico interessa mais especialmente o embriologista: ele evolui como se tivesse um objectivo, segue uma trajectória fixada antecipadamente, tendo em conta influências exteriores; numa palavra, ele é teleonómico” (pág.245/246) (neste caso evocam-se influências exteriores … mas a autora não explica como estas se compatibilizam com o processo teleonómico).
No ponto seguinte, relativo à “Génese dos Sistemas Teleonómicos e a sua integração”, refere, nomeadamente: “… Esta passagem da célula procariota a célula eucariota foi acompanhada de um importante aumento da massa de ADN, em relação com a síntese de edifícios moleculares mais complexos e variados” (pág.256) … “Os novos genes teriam sido fabricados no citoplasma ou no suco nuclear, a partir de nucleótidos livres, após a produção de novas enzimas que poderiam ser polimerases, sob a influência de factores internos e externos” e, acrescenta muito significativamente: … “Sem ir ao ponto de designar as substâncias implicadas na construção de um gene, nem de imaginar as razões pelas quais os seus produtos são integráveis nos mecanismos moleculares da célula ¾ coisa para que não temos meios ¾ pode reconduzir-se a evolução das unicelulares a uma escalada entre o ADN e o citoplasma (?). O enriquecimento do ADN teria criado novos factores internos, produzindo novas substâncias requeridas para o fabrico de novos genes, e assim sucessivamente” (pág.257) (como?) … e, diz ainda, mais à frente, …"as mutações somáticas ao longo do Desenvolvimento produzem-se com uma tal constância e uma tal precisão, que qualquer acaso é formalmente de excluir” (pág.282) (pura “invenção da autora!).
Finaliza o seu livro, em que não chega a apresentar, em termos minimamente compreensíveis, de que maneira esta teoria cibernética fundamenta a sua visão teleonómica da Evolução, com algumas alusões, estas sim, ilustrando claramente a distorção que deliberadamente faz das teses darwinistas e a sua deturpada concepção teleonómica do processo evolutivo dos seres vivos: ¾ “A nova verdade que emerge presentemente é a poluição da fonte pela desinformação comandada pelo darwinismo. Se a ideia de uma evolução animada do interior e respondendo a um grande desígnio não se tivesse imposto ao espírito como uma evidência, o intelectualismo ateu não a teria certamente combatido de modo tão terrível, como um misticísmo de uma outra Era, paralisante para a Ciência, com a mística darwiniana centenária que apagou ou desnaturou uma vasta parte do nosso saber” (pág.312), …“Com este regresso ao realismo, que permitiu a elaboração da teoria cibernética, podemos agora descobrir onde se situa a mentira, auxiliadas por uma ampla argumentação científica “ (pág.312), …“ A Evolução Direccional sobe em linha recta até ao objectivo que lhe estava atribuído desde a aurora da vida…” (pág.313), …”A matéria estava grávida da vida e a vida grávida do Homem” (pág.301) (Excelente expressão teleonómica!) …, “ A acusação de mentira recai sobre o darwinismo. Não se pode escapar à ideia de uma intenção na Criação: é preciso admitir um plano que não poderíamos qualificar de outra maneira a não ser de Divino” (pág.314), … e, termina, …“No quadro da actualidade, acabar de vez com o darwinismo tem, pois, um alcance maior do que a correcção dos erros que foram os mais monumentais e tenazes da Biologia: é participar também num renascimento do espírito, que aparece como a última tábua de salvação para a nossa civilização, vítima ao retardador, de uma derrapagem no século das luzes ..." (pág.323).
De maneira diferente dos Criacionistas que acreditam numa Criação (Divína), sem evolução, numa interpretação rígida dos textos bíblicos, a autora vê o Reino Animal como obra de uma evolução divinamente programada. Como um processo teleonómico, hoje já terminado (com o aparecimento do Homem), que teria dado cumprimento a um Desígnio Divíno. Considera a evolução dos animais como a ontogénese de um superorganismo cujo estádio adulto culminaria com o surgimento do Homem. Este conceito teleonómico está, aliás, excelentemente ilustrado na expressão que utiliza “a matéria estava grávida da vida assim como a vida estava grávida do Homem”. Como J. Costagliola refere, no posfácio deste livro, a autora propõe uma “teoria cibernética” da evolução que descobre uma filogénese programada (pág.331).
Embora critica em relação ao Criacionismo, deixa contudo, como se compreende, transparecer uma certa benevolência para com os seus defensores, em vários pontos do seu trabalho, o que contrasta com a sua virulência em relação ao Darwinismo. Conciliatoriamente, afirma: “…Esta evidência leva a pensar que a evolução não exigiu milhões de anos para se desenvolver, como a doutrina darwiniana impõe, mas que a vida seria de origem muito mais recente, como as novas estimativas da duração das eras geológicas deixam supôr” (pág.295) (não dá porém, como é natural, qualquer referência acerca destes novos dados…).
E, ainda, mais adiante: “Não poderíamos esquecer nesta parte da discussão aqueles que o darwinismo, aviltando o texto bíblico do Génesis, numa sequência de alegorias a mais chocante das quais é Deus personificando o Acaso, repeliu para um extremismo diametralmente oposto e biologicamente insustentável: os criacionistas"… (pág.315).
A sua ideia de conceber o Reino Animal como um “superorganismo” não é totalmente original, e assemelha-se, em escala mais limitada, à de Lovejoy que considera todo o planeta como tal (Gaia). E na medida em que isso pode traduzir as relações de interdependência entre todos os seres vivos é, até, de certo modo, conceptualmente "aceitável". O que é cientificamente inaceitável é o facto de identificar as várias etapas da evolução do Reino Animal como a “ontogénese” do dito ”superorganismo” o que, no contexto em que a considera, corresponde, por outro lado, a perspectivar esta evolução como uma “filogénese” programada.
Torna-se evidente que a teoria que propõe tenta limitar ao máximo o papel que o acaso, na sua visão reducionista, teria tido na evolução dos seres vivos. Efectivamente, a ontogénese de qualquer organismo, é um processo aparentemente limitado em termos de incidência de acasos, dando mesmo a aparência de ser teleonómico na medida em que conduz a um determinado objectivo, antecipadamente programado que é o da realização de um determinado ser, de uma determinada espécie, com determinadas características.
Mas a sua "programação" é genética. E sabe-se até, que é, sobretudo durante as ontogenias, que ocorrem, frequentemente, modificações genéticas (mutações) que mais rápida ou lentamente, vão estar na base da formação de novas espécies, novos grupos. São as ontogenias que em larga medida fornecem a “matéria” que vai alicerçar os subsequentes processos filogenéticos.
Ao negar ao gene o papel de suporte da “informação” hereditária/evolutiva, em oposição a tudo aquilo que hoje reúne consenso universal no meio científico, a autora não consegue, obviamente, consubstanciar, objectivamente, quais os processos e mecanismos que estão na base da "sua" Evolução Direccional.
Fala vagamente de “divisão do trabalho metabólico”, na “memória citoplasmática”, de interacções das células embrionárias, mas nada esclarece de concreto acerca de como estes “princípios” se tornam efectivos, de que maneira se realizam. Deduz-se que é a “força vital”, como refere, que está por detrás de tudo isto, “difundida” no citoplasma, que se assume como uma “Força Divina” que tudo organiza e regula e a cujo serviço estão os genes que apenas “respondem” em mero cumprimento dos seus Desígnios.
Não haveria, naturalmente, um programa genético do Desenvolvimento, mas sim um programa Divino de Desenvolvimento, misteriosamente disperso no citoplasma. Esta ideia está bem evidenciada nas palavras finais de J. Costagliola: “… a autora encontra a autocriatividade do protoplasma (citoplasma), devolvendo ao genoma o seu lugar de instrumento ao serviço do vivo” (pág.331).
Independentemente de todas as críticas de carácter estritamente científico que fazemos a esta obra de Rosine de Chandebois que, como atrás referimos, se reportam apenas a alguns aspectos da sua exposição, a qual mereceria, a nosso ver, uma refutação mais detalhada, quase que parágrafo a parágrafo, fica-nos contudo uma dúvida: Será que a autora está convencida que um Deus Omnipresente, Omnipotente e Omnisciente, necessita de ser defendido da maneira violenta como ela o faz, aliás sem qualquer fundamento científico? Não será essa defesa tão veemente, mera presunção de um simples ser humano? Esse Deus, seja qual fôr a ideia que se tenha dessa Entidade, não poderá fazer cumprir os Seus Desígnios através das mais variadas vias?. Não será que os poderia perfeitamente fazer cumprir através da via defendida pelos darwinistas (e neodarwinistas)? O que o impediria de o fazer? Para Deus não há Acasos …, não há limites…, tudo é possível!
(1) Rosine Chandebois, "Para acabar com o Darwinismo". Tradução, editada pelo Instituto Piaget (1996, Lisboa), do original “Pour en finir avec le Darwinisme” (1993).
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